Negócios

A empresa dele 'multa' quem trabalha fora do expediente e, mesmo assim, deve crescer 80% em 2023

Léo Xavier é sócio-fundador da Môre Talents for Tech, um negócio de tecnologia com receita projetada de 85 milhões de reais neste ano e 224 funcionários em home office. Para disciplinar a comunicação entre times e reforçar a cultura corporativa, a Môre apostou em medidas pouco convencionais de RH

Léo Xavier, da Môre Talents for Tech: "A empresa está trabalhando mais coesa dentro do horário comercial" (Divulgação/Divulgação)

Léo Xavier, da Môre Talents for Tech: "A empresa está trabalhando mais coesa dentro do horário comercial" (Divulgação/Divulgação)

Leo Branco
Leo Branco

Editor de Negócios e Carreira

Publicado em 25 de abril de 2023 às 12h26.

Última atualização em 25 de abril de 2023 às 19h02.

Muita gente tem falado sobre o quiet quitting, prática de funcionários dispostos a fazer somente o que está na descrição de seus empregos e dentro do horário estipulado de trabalho.

Para milhões de gestores ao redor do planeta, a tendência é uma afronta. Como investir num profissional pouco ou nada disposto a fazer algo a mais em nome de um reconhecimento profissional — e, em decorrência disso, um aumento salarial ou promoção?

O administrador Léo Xavier tem ideias diferentes. Xavier é um dos fundadores da Môre Talents for Tech, uma empresa de São Paulo dedicada a desenvolver projetos de produtos ou serviços inovadores para grandes empresas como Smiles, Dasa, CVC e Banco Carrefour

Xavier é um veterano de negócios digitais, tendo sido um dos sócios da Pontomobi, empresa pioneira do mobile marketing no Brasil vendida à gigante de publicidade DAN (Dentsu Aegis Network) em 2015.

O que faz a Môre

O escopo da Môre inclui, ainda, a contratação de mão de obra para colocar de pé os projetos junto aos times dos clientes. Em função disso, Xavier e os demais sócios da Môre, consideram o negócio uma talent tech.

São basicamente três verticais de atuação: 

Onde estão os problemas do trabalho remoto

Aberta em 16 de março de 2020, no primeiro dia útil de quarentena na cidade de São Paulo, a Môre tem 224 funcionários até hoje trabalhando 100% remotos ou alocados nos escritórios de clientes quando necessário.

É um arranjo pródigo em gerar discussões acaloradas ao redor de visões distintas sobre uma jornada de trabalho. 

Com todo mundo em casa, e sem a possibilidade de ver quem de fato está no batente no escritório, uma porção de dúvidas costumam surgir na cabeça de gestores às voltas com uma mão de obra disposta a trabalhar no horário que quiser — algo já apelidado de "trabalho assíncrono".

Como conciliar o horário de um gestor acostumado ao esquema "das 9h às 17h" ao de um desenvolvedor de softwares com picos de foco e produtividade durante as madrugadas? 

Ou, então, como responder ao funcionário com hábito de responder e-mails e mensagens corporativas no WhatsApp aos fins de semana?

E, mais delicado ainda, de que maneira responder a um cliente pressionando por uma solução imediata a uma demanda cabeluda demais para ser resolvida na hora?

Quando agir com quem trabalha fora da hora

Para tentar contornar de alguma maneira conflitos corporativos tão comuns na era do trabalho híbrido, Xavier tomou uma decisão simples — e, ao mesmo tempo, radical.

Ele instituiu uma "multa", entre aspas, a todo funcionário que trabalha fora do horário comercial de expediente — das 8h às 18h.

A "multa", no caso, é uma punição fictícia e tem o propósito de educar a turma sobre a necessidade de dar o melhor de si durante a jornada de trabalho e de respeitar a privacidade dos demais nos momentos reservados ao descanso.

Funciona assim: cada funcionário recebe, no início do mês, 500 moedas fictícias e registradas numa intranet da empresa. 

Mandou mensagem de Whatsapp ou e-mail após o horário do expediente? Ligou para o colega no final de semana para falar de trabalho? Será "multado". A cada "infração", 50 "moedas" são perdidas.

A "multa" vale tanto para quem envia quanto para quem recebe as mensagens ou ligações, a plataforma mostra quando os conteúdos são acessados.

"Num mundo de pessoas conectadas o tempo inteiro, o mais cômodo é deixar-se levar pela ideia de um trabalho em qualquer lugar ou horário, mas isso está errado", diz Xavier. 

"Bacana mesmo é poder ser produtivo respeitando os horários estipulados para o trabalho."

Implantada no começo do ano, a medida mexeu com a lógica de trabalho de muita gente dentro e fora da organização.

"A vergonha de perder as moedas fez muita gente se policiar sobre a importância de respeitar o horário de descanso dos outros", diz Xavier. "A empresa está trabalhando mais coesa dentro do horário comercial."

Como disciplinar o WhatsApp?

A "multa" para quem trabalha fora do expediente veio na esteira de medidas de recursos humanos pouco convencionais:

  • Banimento do WhatsApp

Para comunicações internas, a startup utiliza uma plataforma própria chamada "We Care". "WhatsApp é um canal para funcionários falarem com amigos, familiares e não para resolver coisa de trabalho", diz.

  • Extinção da área de RH

A Môre desmembrou a atuação do RH em seis áreas de interesse dos funcionários, geridas pelos sócios:

  1. Seleção e alocação, gerida pela sócia Beta Philadelpho
  2. Carreira, cargos e salários, gerida pelo sócio-fundador Renato Virgili
  3. Pertencimento e bem-estar, gerida pela sócia-fundadora Flávia Biasotto
  4. Desenvolvimento e conhecimento, gerida pelo sócio-fundador Léo Xavier
  5. Departamento pessoal, gerido pelo diretor financeiro Rafael Lee
  6. RH OPS (operação), gerida por Maria Regina 

"Esta reestruturação aconteceu porque fomos percebendo que somos uma empresa gestora de pessoas talentosas, então, em essência, somos uma empresa de RH", diz Xavier.

"Os produtos finais que entregamos aos nossos clientes só são possíveis porque o meio permite, ou seja, a equipe. E percebemos que, na prática, as lideranças da empresa estavam tocando em temas de RH, o comitê de inclusão, por exemplo, estava conectado diretamente aos sócios." 

  • Departamento oficial do "Bem-Estar"

Para manter a dinâmica de trabalho à distância, entendendo que quando as pessoas trabalham de casa suas vidas pessoais podem se misturar com as profissionais com mais facilidade, a Môre criou uma estrutura para que os funcionários entendam que há um canal aberto com a empresa.

Por isso, a empresa definiu três escalas de gestão. Uma delas com plataformas para os funcionários trazerem ideias de melhorias do trabalho ou fazer denúncias, tendo suas identidades preservadas.

A segunda é via rituais de conversas permanentes com o time para criar uma maior proximidade e deixar o canal aberto mais uma vez para sugestões e críticas.

O terceiro pilar tem como foco a análise do que as pessoas dizem nas plataformas e reuniões.

Com esta estrutura desenhada, a Môre entendeu que era importante ter uma área de bem-estar e trouxe uma psicóloga organizacional para um entendimento da situação daquela pessoa que trabalha na Môre, encaminhamento de protocolos como decisão de tirar a pessoa de um squad ou cliente, aumentar sessões no zen club, tirar licença ou período de férias etc.

  • Call center para funcionários

A startup está criando um call center, serviço de atendimento aos Amôres, para sanar dúvidas sobre benefícios, férias, entre outros assuntos. Dois profissionais ficarão dedicados a esta iniciativa, que funcionará de segunda a sexta-feira, em horário comercial.  

  • Transparência de salários

Cada funcionário da Môre passa por 36 reuniões semestrais, sendo 24 delas individuais. Nestes espaços de conversa, a empresa mostra a eles planilhas de cargos e salários, o que dá a eles uma perspectiva de quanto podem vir a receber se continuarem na empresa e tiverem promoções. Não são expostos os salários das pessoas físicas, mas, sim, estimativas de intervalos de valores por cargos ocupados. 

"No ano passado, durante a convenção da empresa, foi mostrada a planilha", diz Xavier. "Ela acabou vazando, chegou a outras empresas e criou um burburinho no mercado e um debate sobre uma prática ruim ainda realizada por empresas de não falar abertamente sobre os salários e benefícios concedidos."

- Programa fidelidade: até 100.000 reais para quem ficar 4 anos na empresa

Este é um benefício concedido a todos os funcionários da Môre, independente do cargo ou salário. É considerado o valor de 220 reais por mês, a partir de três meses na empresa. 

Os pagamentos são realizados sempre em julho e janeiro de acordo com os últimos 6 meses do empregado. O bônus aumenta conforme o tempo, podendo chegar a 400% do valor original. Em quatro anos, o funcionário pode receber 100.000 reais apenas por permanecer na empresa.

  • Licença PETernidade

A Môre lançou recentemente a licença PETernidade, concedida duas vezes ao ano, com licença de três dias cada (ou seja, 6 ao todo no ano), para que funcionários possam se dedicar a cuidar de todos os detalhes da adaptação do animal de estimação à nova casa — 76% dos funcionários da startup têm pets.

Qual é o impacto sobre o resultado

Estimar o impacto de tanta medida de recursos humanos sobre o resultado final de um negócio é uma missão quase impossível. O fato é que tudo isso está em vigor num momento de expansão acelerada dos negócios da Môre.

Em 2022, a Môre Talents for Tech atingiu a marca de 47,4 milhões de reais em receita, uma expansão de 91% sobre 2021. Com quase três anos de fundação, a empresa reporta um ARR (annual recurring revenue) de 56,4 milhões de reais.

A projeção para 2023 é de receitas de 85 milhões de reais.

Em março deste ano, a Môre comprou a desenvolvedora de softwares Sparta Labs, de Blumenau, em Santa Catarina, um negócio com 25 desenvolvedores e clientes como Grupo Vamos, Henry Scheine Brasil e Semex.

Acompanhe tudo sobre:futuro-do-trabalhoTendênciasTrabalho em equipeRecursos humanos (RH)home-office

Mais de Negócios

Playcenter: Cacau Show terá 100 parques da marca nos próximos anos; veja onde fica o próximo

AngloGold Ashanti, empresa de 190 anos, anuncia investimento de R$ 1,1 bilhão no Brasil

Alexandra Loras, Felipe Massa, Sig Bergamin e Álvaro Garnero são os embaixadores da Revo

Delivery e margens apertadas: franquias de alimentação faturam R$ 61,9 bi, mas custos preocupam

Mais na Exame