Almuhannad Al-Hammadi, cônsul-geral do Qatar em São Paulo (Divulgação)
Publicado em 28 de dezembro de 2025 às 09h01.
O Qatar abriu, em dezembro, um consulado em São Paulo. É o primeiro do país na América do Sul e busca aumentar os negócios do país com o Brasil, especialmente no comércio e nos investimentos.
“Não temos um setor específico. Estamos abertos a todos os setores possíveis, sempre que a oportunidade surgir”, diz o cônsul Almuhannad Al-Hammadi, que chefia o escritório em São Paulo.
Hammadi pondera que só um dos fundos do Qatar tem US$ 525 bilhões em recursos, mas que o Brasil precisa avançar com um acordo para eliminar a tributação duplicada entre os dois países para que mais negócios possam ser fechados.
“Se tivermos esse acordo, isso facilitará a vinda de mais investimentos para cá. Este é o maior desafio que enfrentamos agora e esperamos superá-lo trabalhando com o governo daqui”, disse.
Além de São Paulo, o consulado abrange mais sete estados: Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Espírito Santo. Veja a seguir a íntegra da conversa.
Quais as principais razões para a abertura do consulado em SP?
São Paulo foi escolhido como o primeiro lugar na América Latina por muitos motivos. A relação entre o Estado do Qatar e o Brasil é antiga. Comemoramos 52 anos de relações diplomáticas no ano que vem. Elas começaram logo após a independência. Em segundo lugar, na América Latina, 50% da economia e 50% da população estão no Brasil, e São Paulo é o centro financeiro da região.
Quais serão as principais áreas de atuação?
Vamos nos concentrar, em primeiro lugar, em investimentos e comércio. Talvez, em menor escala, em cultura, saúde, educação e esportes. Não temos um setor específico. Estamos abertos a todos os setores possíveis, sempre que a oportunidade surgir.
Estamos trabalhando atualmente no setor de energia, onde temos US$ 2 bilhões em investimentos até 2024 com a Petrobras e a Qatar Energy. E também temos alguns investimentos no agronegócio, realizados por meio de uma empresa argentina no Brasil. Há também outros investimentos em bancos e finanças, por meio do banco Santander na Espanha no Brasil. Que também são em menor escala.
Estamos procurando as oportunidades e vamos investir nelas. Não queremos nos concentrar apenas no agronegócio. Há muitas chances de abrirmos muitos grandes hotéis aqui, porque há muito turismo. Há espaço também em mineração. O Brasil é enorme e tem muitos recursos.
Há alguma estimativa de investimento para o Brasil e para a América Latina nos próximos anos?
Investimos entre 40 e 50 bilhões de dólares no mundo todo, e nenhum dólar foi para o Brasil. É por isso que estou aqui, tentando atrair investimentos e trazer investidores do Brasil para o Qatar. Temos alguns desafios, e esses desafios têm a ver com acordos que precisamos firmar com o Brasil, como o acordo para eliminar a dupla tributação.
Se tivermos esse acordo, isso facilitará a vinda de mais investimentos para cá. Este é o maior desafio que enfrentamos agora e esperamos superá-lo trabalhando com o governo daqui. O governo tem sido muito prestativo e sempre atencioso, e temos mantido um ótimo relacionamento, tentando chegar a um acordo.
O que as empresas e o governo do Brasil podem fazer para atrair mais investimentos do Qatar?
Um dos nossos maiores braços de investimento, que você deve conhecer, é a Autoridade de Investimentos do Qatar, que possui um fundo de 525 bilhões de dólares. É o 10º ou 9º maior do mundo. Eles encontraram muito interesse em vir para o Brasil. E se reuniram com investidores aqui para investir em diferentes lugares no Brasil.
No entanto, o obstáculo que temos neste momento é a questão de ter esses acordos para avançar e investir ainda mais. Então, a próxima questão é trabalhar mais com o governo do que com o setor privado. Porque o setor privado está nos mostrando onde podemos investir e como podemos atuar. Mas com esses acordos ainda indefinidos, fica difícil para nós virmos e investirmos ainda mais.
Já nos reunimos com alguns e houve interesse em lugares em Santa Catarina, no Rio de Janeiro. Houve uma visita do, acho que, vice-prefeito e também do braço de investimentos do Rio. Eles visitaram o Qatar para buscar oportunidades de investimento e como expandi-las, além de analisar oportunidades para avançar em nosso relacionamento com o país.
Já há investimentos acontecendo mesmo sem os acordos. Só que não estão no nível que almejamos para o Brasil.
Há algum grande investimento previsto para 2026?
Duvido que possamos esperar anunciar alguma coisa se não tivermos os acordos. Havia muitos investidores com investimentos multimilionários que não se concretizaram simplesmente porque não tínhamos isso. Mas espero que, assim que tivermos os acordos, as coisas comecem a acontecer.
Vê espaço para investimentos em infraestrutura?
Sim. Nos reunimos com alguns estados que demonstraram interesse, como o Paraná, outros de outros estados, que mostraram interesse em projetos de infraestrutura, e encaminhamos a proposta aos nossos colegas para que estudem o assunto.
Quais são os principais planos para 2026?
Conseguir a assinatura destes acordos, porque, uma vez que isso aconteça, abrirá uma grande porta para a captação de mais investimentos.
Em segundo lugar, tentar trazer empresários e investidores do Qatar para visitar São Paulo e alguns outros estados, ou empresários de alguns estados do Brasil para visitar o Qatar e buscar investimentos. E, em terceiro lugar, espero que todos também possam realizar algumas atividades culturais, se possível.
O próximo ano será um ano muito difícil, especialmente com as eleições. É difícil receber visitantes se não houver um prefeito, governador ou mesmo o presidente em exercício. Então, o ano que vem será um pouco complicado para mim, e me disseram que em maio em diante será muito difícil me reunir com autoridades e resolver as coisas.
O Qatar é um país que depende muito do agronegócio brasileiro. Que oportunidades vê nesse sentido?
O Qatar é um deserto. Cultivar algo no Qatar exigiria mais esforço, mais água, mais irrigação, fertilização, etc. O processo que precisamos realizar custaria mais do que fazê-lo em outros países, como o Brasil, por exemplo. Então, esse é o nosso desafio. A maior parte das nossas necessidades de segurança alimentar vem de fontes internacionais, e um dos nossos maiores parceiros, especificamente no que diz respeito a proteínas, é o Brasil.
Nossa balança comercial deste ano é de cerca de 800 milhões de dólares, e desses 800 milhões de dólares, 300 milhões de dólares são apenas proteína, como frango, carne bovina, caprina e ovina que importamos.
O Brasil é talvez um dos melhores do mundo quando se trata de abate halal, que é uma forma de matar o animal da maneira mais pacífica e misericordiosa, e também da maneira mais saudável, onde o sangue é drenado de acordo com nossos ensinamentos.
Então, estamos muito felizes que o Brasil pratique isso e o faça em um nível muito bom, exportando não apenas para o Qatar, mas também para todos os seus vizinhos. Conhecemos o Brasil, a Sadia e outras marcas, há décadas. Mesmo quando eu era criança, sempre achei que a Sadia não era brasileira. Achava que era feita na nossa região, na Arábia Saudita. Levei um tempo para descobrir isso
O Brasil é também um país pacífico, sem instabilidade política ou instabilidade na produção de carne, porque alguns países que você tenta comprar carne, depois vem a doença da vaca louca, a febre aviária e tudo mais.
Os voos diretos entre São Paulo e Qatar podem ser ampliados?
A Qatar Airways, neste verão [no Hemisfério Norte], aumentam os voos de 12 para 18 por semana para São Paulo. Não queremos que os brasileiros venham ao Qatar apenas por causa de eventos como futebol ou algo do tipo. Então, o Visit Qatar está adotando uma estratégia diferente com a Qatar Airways, onde muitos dos brasileiros que vêm ao Qatar ficam apenas no aeroporto e seguem para as Maldivas, Tailândia, África ou qual for o terceiro destino. Eles estão criando um pacote que inclui uma parada de três dias para entrar no país, já que os brasileiros são isentos de visto.
Eles recebem um pacote de três dias para conhecer o país, ver as paisagens do deserto e visitar os museus. Temos o Museu Islâmico e o Qatar Museum, que foram muito bem avaliados em termos de estilo. Então, estamos desenvolvendo oportunidades para atrair brasileiros para o Qatar, em vez de apenas fazerem escala.