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Para Celso Lafer, falta de foco marcou documento final

Resultado da conferência poderá ser base para acordos futuros, mas não atende urgência dos problemas globais, de acordo com análise do presidente da Fapesp

Dilma e Ban Ki-moon discursam na Rio+20: para Lafer documento final não atende à urgência dos problemas enfrentados pelo mundo (Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)

Dilma e Ban Ki-moon discursam na Rio+20: para Lafer documento final não atende à urgência dos problemas enfrentados pelo mundo (Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)

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Da Redação

Publicado em 22 de junho de 2012 às 11h09.

São Paulo - O resultado final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que se encerra no Rio de Janeiro nesta sexta-feira (22/06), será um documento sem foco, que não atende à urgência dos problemas enfrentados pelo mundo, segundo análise de Celso Lafer, presidente da Fapesp e professor emérito da USP.

Ainda assim, segundo Lafer, a conferência poderá contribuir com uma atmosfera que estimule no futuro, em um contexto político mais favorável, a tomada de medidas concretas para a sustentabilidade global.

“O documento final é difuso, não tem foco e se baseia em um mínimo denominador comum. Na melhor das hipóteses, coloca em andamento processos que serão mais ou menos bem-sucedidos no futuro”, disse Lafer.

A falta de foco do documento, segundo Lafer, é o preço que se pagou para que fosse possível chegar a um consenso durante a conferência. De acordo com Lafer, o documento não deverá mais ser modificado pelos chefes de Estado que participam da cúpula.

“Compreendo o que levou a esse documento. O país sede não desejava que a conferência se encerrasse sem um consenso, por isso os negociadores brasileiros chegaram a esse mínimo denominador comum”, afirmou.

Na prática, o documento não é capaz de lidar com as urgências do presente e ficou muito aquém das expectativas. “O governo vai dizer que conseguiu um consenso que abre processos e preserva as conquistas feitas até agora. É possível de fato que o documento tenha o mérito de manter em evidência as questões que serão retomadas em um contexto político mais favorável no futuro. Mas, se olharmos as urgências que estão em jogo, vamos ver que o documento está aquém das expectativas e das necessidades da humanidade”, disse Lafer.


Na avaliação do presidente da Fapesp, as principais explicações para as limitações da Rio+20 são o contexto internacional negativo e a demora do governo brasileiro em priorizar a temática da conferência.

“Além da crise econômica e política mundial, temos essa nova multipolaridade no cenário da política internacional que até agora não foi capaz de levar a uma ordem global mais estável. A reformulação do sistema financeiro não está resolvida, as negociações comerciais de Doha estão estagnadas, há tensões consideráveis no Oriente Médio. Por outro lado, temos um país que dedicou à Rio+20 uma prioridade muito menor do que a que foi dada à RIO-92. O governo só passou a se dedicar recentemente à conferência”, afirmou.

Diretamente envolvido com a organização da RIO-92, como então ministro das Relações Exteriores , Lafer afirma que a conferência se beneficiou de um contexto internacional e um contexto interno favoráveis à sua realização.

“No plano internacional, o contexto era o do fim da Guerra Fria. Foi a primeira conferência que não se organizou em termos dos temas Norte-Sul e Ocidente-Oriente, mas sim em termos do desafio da cooperação de uma razão abrangente da humanidade. O clima era favorável”, disse.

No plano interno, o sentimento público de valorização do tema ambiental, que havia sido incluído na Constituição Federal de 1988, uniu-se à prioridade absoluta dada à RIO-92 pelo governo de Fernando Collor de Mello, que buscava elevar o patamar da presença internacional do Brasil.

“O governo organizou muito bem a preparação da conferência, mostrou interesse no meio ambiente, indicando José Lutzenberger para a secretaria do Meio Ambiente, instruiu o Itamaraty e organizou um comitê interministerial para tratar do assunto. Quando assumi o ministério, ficou claro que o tema teria prioridade total. Na RIO-92, cabia ao Brasil catalisar os consensos e ter uma visão proativa. Criamos oito grupos negociadores, com grandes quadros da diplomacia”, disse Lafer.


A organização, segundo Lafer, permitiu resultados concretos para a RIO-92, como a criação da Convenção do Clima e da Convenção da Biodiversidade. “Além do pilar ambiental, chegamos a bom termo também quanto à abrangência do conceito de desenvolvimento sustentável, com a Agenda 21. A Declaração do Rio, documento final da conferência, tem muitos méritos, entre eles explicitar que o meio ambiente tem que ser internalizado no processo decisório”, afirmou Lafer.

A conferência conseguiu, segundo ele, imensa mobilização da opinião publica, envolvendo ativistas, organizações não governamentais e cientistas, colocando os temas do meio ambiente de forma duradoura na pauta internacional.

“Talvez o ponto em que a Rio+20 mais se aproximou da RIO-92 seja essa participação da sociedade nos eventos paralelos, incluindo a dimensão da ciência, que teve participação da Fapesp”, disse Lafer, referindo-se ao “Forum on Science, Technology and Innovation for Sustainable Development”, realizado entre os dias 11 e 15 de junho no Rio de Janeiro.

As negociações que envolvem o problema socioambiental, segundo Lafer, são intrinsecamente complexas, tanto do ponto de vista técnico e científico como na perspectiva diplomática. “Alguns dos maiores avanços nesse tipo de negociação ao longo da história tiveram contribuição decisiva da ciência”, disse.

O tema do meio ambiente, segundo ele, passa por um conhecimento especializado. A Convenção do Clima, por exemplo, assinada na RIO-92, não seria possível sem o lastro do trabalho realizado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que detectou fenômenos como o efeito estufa.

“Talvez o ponto de partida dessa relação entre conhecimento e negociações diplomáticas tenha sido a percepção científica sobre o que estava acontecendo com a camada de ozônio, no fim da década de 1980. Essa percepção levou à Convenção de Basileia, que entrou em vigor em 1992”, disse Lafer.


A Conferência de Estocolmo, em 1972 – a primeira cúpula a tratar de temas ambientais –, também foi influenciada no plano das ideias por um relatório sobre os limites do crescimento econômico patrocinado pelo Clube de Roma. “O mérito daquela conferência foi realçar a fragilidade dos ecossistemas dentro dos quais estamos todos inseridos”, disse.

Já a RIO-92, segundo Lafer, beneficiou-se do Relatório Brundtland. O documento publicado em 1987 estabeleceu o conceito abrangente de desenvolvimento sustentável. Seu desdobramento levou à percepção global de que a questão se apoia não só sobre um pilar ambiental, mas também sobre os pilares econômico e social.

No entanto, devido à complexidade das negociações diplomáticas na área ambiental, não é nada trivial fazer com que o conhecimento científico se consolide como fundamento dos acordos internacionais.

“Em épocas de crise, os países se confrontam com contingências e urgências políticas de curto prazo. O desenvolvimento sustentável, por outro lado, incorpora uma noção de sustentabilidade para as gerações futuras, por isso é sempre um problema em longo prazo. O tempo da pesquisa também é um tempo mais longo, assim como o tempo diplomático, que requer consensos. Por isso é compreensível que as negociações tenham essas grandes dificuldades”, disse Lafer.

Antropoceno entra em cena

O presidente do Conselho Internacional de Ciência (ICSU, na sigla em inglês), Yuan-Tseh Lee, defendeu que é preciso estabelecer um novo contrato entre a ciência e a sociedade para que seja possível avançar rumo à sustentabilidade global.

O discurso realizado por Lee na quarta-feira (20/06), primeiro dia da cúpula de alto nível da Rio+20 – que se encerra nesta sexta-feira (22/06) –, sintetizou o resultado dos debates realizados pela comunidade científica internacional no “Forum on Science, Technology and Innovation for Sustainable Development”, organizado pelo ICSU – que é considerado o representante oficial da comunidade científica pela Organização das Nações Unidas (ONU).


Segundo Lee, a entrada no Antropoceno – era na qual as atividades da sociedade humana dominam o planeta – representa um desafio sem precedentes, envolvendo mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição generalizada.

“Em nome das sociedades de ciência e tecnologia, conclamamos os líderes mundiais a agir imediatamente. Do contrário, haverá um aumento do risco de mudanças irreversíveis na biosfera, que solapará a sustentabilidade da vida sobre a Terra”, disse.

As pesquisas, segundo Lee, mostram que a resposta aos desafios do Antropoceno exige uma transformação sistêmica que deve ter apoio no conhecimento e da inovação.

“Uma pesquisa mais integrada irá gerar o conhecimento que a sociedade precisa para aperfeiçoar a interface entre ciência e política nos processos decisórios. Faço um apelo por um novo contrato entre ciência e sociedade . Não há tempo a perder, temos que agir conjuntamente”, disse.

Ciência + sociedade

Em visita à Fapesp, também no dia 20, o conselheiro-chefe para Assuntos Científicos do Gabinete de Ciência e Tecnologia do Reino Unido, Sir John Beddington, afirmou que a comunidade científica chegou à Rio+20 com uma mensagem clara e bem consolidada.

“Com exceção das incertezas pontuais que sempre caracterizam os temas científicos, quase não há dissensos na comunidade internacional de cientistas sobre questões-chave como segurança alimentar, segurança hídrica, biodiversidade, serviços ecossistêmicos ou a própria mudança climática. Esse consenso universal foi bem apresentado na Rio+20”, disse.

No entanto, segundo Beddington, para que possa influenciar a agenda mundial após a conferência, a comunidade científica precisará trabalhar em conjunto com outros setores da sociedade e contar com a vontade política dos tomadores de decisão.

“Acho que o consenso científico influenciará muito na agenda mundial, mas não agirá sozinha e sim em conjunto com a sociedade civil e os governos. Essa é a verdadeira importância do evento. Uma conferência internacional com tantos países e delegados de diversos segmentos participando é uma razão para ter esperanças”, disse.

A tarefa, entretanto, é extremamente difícil, envolvendo questões profundamente complicadas e ao mesmo tempo urgentes, como grande crescimento da população e da urbanização, escassez de recursos e crise energética e ambiental.

“Será preciso contar com muita vontade política. Não podemos garantir que a conferência tenha um sucesso concreto, mas nosso papel é aconselhar. O governo britânico certamente vê nessas questões-chave uma enorme importância para o futuro do mundo”, afirmou Beddington.

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