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Na França, a fome aumenta entre os jovens

A insegurança alimentar entre esse segmento da sociedade não era incomum antes da pandemia. Mas a situação piorou com a crise e aumento do desemprego

Thomas Naves, estudante de Filosofia: refeição vinda de doações (Andrea Mantovani/The New York Times)
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Da Redação

Publicado em 28 de março de 2021 às 08h00.

Paris – Amandine Chéreau saiu correndo de seu apartamento estudantil minúsculo no subúrbio de Paris para pegar o trem que em uma hora a deixaria em seu destino. Ela contou que seu estômago roncava de fome ao se dirigir a um banco de alimentos administrado por estudantes perto da Bastilha, onde entrou em uma fila com 500 jovens que esperavam por doações.

Chéreau, de 19 anos, estudante universitária, esgotou o dinheiro de sua poupança em setembro, depois que a pandemia encerrou seu trabalho de babá e seu emprego em um restaurante, dos quais dependia. Em outubro, ela começou a fazer apenas uma refeição por dia, e disse que tinha perdido nove quilos.

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"Não tenho dinheiro para comida", afirmou Chéreau, cujo pai a ajuda a pagar suas mensalidades e o aluguel, mas que não pôde enviar mais dinheiro depois que foi demitido de seu emprego de 20 anos em agosto. "É assustador. E tudo está acontecendo muito rápido", acrescentou ela, enquanto os jovens ao seu redor pegavam legumes, macarrão e leite.

À medida que a pandemia adentra seu segundo ano, organizações humanitárias na Europa alertam para um aumento preocupante da insegurança alimentar entre os jovens, depois de um fluxo constante de fechamentos de campi, cortes de empregos e demissões na família. Uma parcela crescente está enfrentando fome e tensões financeiras e psicológicas cada vez maiores, aprofundando a disparidade das populações mais vulneráveis.

A dependência da ajuda alimentar na Europa vem aumentando à medida que centenas de milhões de pessoas em todo o mundo enfrentam uma crise intensa e não conseguem atender às suas necessidades alimentares básicas. Enquanto a economia global luta para se recuperar da pior recessão desde a Segunda Guerra Mundial, a fome aumenta.

Distribuição de itens de higiene pela organização Linkee: segurança alimentar aumentou entre os jovens franceses (Andrea Mantovani/The New York Times)

Na França , segunda maior economia da Europa, metade dos jovens adultos agora tem acesso limitado ou incerto aos alimentos. Quase um quarto deles está rotineiramente pulando pelo menos uma refeição por dia, de acordo com o Le Cercle des Économistes, think tank econômico francês que aconselha o governo.

O presidente Emmanuel Macron reconheceu a crise crescente depois que alunos de graduação e pós-graduação se manifestaram em cidades de toda a França, onde o ensino superior é visto como um direito e é financiado pelo Estado. Ele anunciou um plano de socorro rápido, incluindo refeições a um euro diariamente em lanchonetes universitárias, apoio psicológico e uma revisão da ajuda financeira para aqueles que enfrentam um "declínio duradouro e notável na renda familiar".

"A Covid criou uma emergência social profunda e severa que rapidamente deixou as pessoas em dificuldades. Os estudantes se tornaram a nova face dessa precariedade", disse Julien Meimon, presidente do Linkee, banco nacional de alimentos que criou novos serviços dedicados a universitários que não têm comida suficiente.

Fome na França: refeições nos restaurantes universitários são subsidiadas, mas muitos estudantes não podem arcar com os custos (Andrea Mantovani/The New York Times)

A insegurança alimentar entre esse segmento da sociedade não era incomum antes da pandemia. Mas o problema aumentou desde que os países europeus começaram a impor bloqueios nacionais no ano passado para conter o coronavírus.

Organizações de ajuda que alimentavam principalmente refugiados, desabrigados e pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza remanejaram suas operações para também atender a um aumento da demanda entre os jovens. No Restos du Coeur, um dos maiores bancos de alimentos da França, com 1.900 pontos de venda, o número de jovens com menos de 25 anos fazendo fila para refeições aumentou, chegando a quase 40 por cento do total.

Mais de oito milhões de franceses visitaram um banco de alimentos no ano passado, em comparação com 5,5 milhões em 2019. A demanda por ajuda alimentar em toda a Europa aumentou 30 por cento, de acordo com a Federação Europeia de Bancos de Alimentos.

O governo subsidia as refeições nos campi, mas não faz distribuição de alimentos. Conforme o custo da alimentação vai ficando intransponível para estudantes com pouca ou nenhuma renda, administradores universitários recorrem a grupos de ajuda para combater a fome.

A pandemia tem destruído postos de trabalho em restaurantes, no turismo e em outros setores que antes eram facilmente acessíveis aos jovens. Dois terços destes perderam o emprego que os ajudava a pagar as despesas, de acordo com o Observatório Nacional da Vida Estudantil.

"Precisamos trabalhar, mas não conseguimos encontrar emprego", afirmou Iverson Rozas, de 23 anos, estudante de linguística na Universidade Nova Sorbonne, em Paris, cujo trabalho de meio período cinco noites por semana em um restaurante foi reduzido para uma, deixando-o com apenas 50 euros mensais para gastar com comida.

Geladeira de aluno da Nanterre University, com base em doações: perda de postos de trabalho em setores que empregavam jovens, como serviços (Andrea Mantovani/The New York Times)

Demissões na família aprofundam o efeito dominó. Na França, onde o salário líquido médio é de 1.750 euros por mês, o governo gastou centenas de bilhões tentando limitar as demissões em massa e evitar falências – mas isso não protegeu muitos pais da recessão.

Foi o caso de Chéreau, aluna de história e arqueologia do segundo ano da Université Panthéon-Sorbonne, cuja família contribui com cerca de 500 euros por mês para suas despesas.

Pouco depois que ela perdeu o emprego, seu pai também foi demitido, quando a empresa em que ele tinha passado toda a sua carreira faliu. Em seguida, sua mãe entrou em licença remunerada, o que cortou seus ganhos em mais de 20 por cento.

Quando Chéreau esgotou suas economias, acabou se endividando. Então, a comida em sua despensa foi desaparecendo, ela parou de comer quase por completo e rapidamente perdeu peso.

Ela ouvira falar dos bancos de alimentos estudantis por intermédio de amigos, e agora essa é seu único recurso alimentício. Mesmo assim, raciona cuidadosamente o que recebe, e bebe água para combater a fome entre as refeições. "No início, foi difícil, mas agora estou acostumada", disse Chéreau, segurando uma pasta de lição de casa, que trouxe para ficar estudando enquanto esperava na fila de alimentação.

As medidas de Macron, embora bem-vindas, não conseguem ajudar muito. Na cidade de Rennes, no noroeste do país, as refeições a um euro são tão populares que estão atraindo filas com mais de uma hora de duração. Mas muita gente precisa assistir às aulas on-line e não pode esperar tanto tempo. Outros vivem muito longe.

"Muita gente simplesmente fica sem comer", comentou Alan Guillemin, copresidente da associação estudantil da Universidade de Rennes.

Fila para entrega de alimentos: demanda em alta em meio à crise (Andrea Mantovani/The New York Times)

A demanda é tão grande que alguns alunos empreendedores começaram a intervir para atender a uma necessidade urgente.

O Co'p1/Solidarités Étudiantes, banco de alimentos que Chéreau visitou, foi aberto em outubro, quando seis alunos da Universidade de Paris-Sorbonne se uniram depois de ver colegas passando fome.

Auxiliados pelo gabinete da prefeita de Paris e pela Cruz Vermelha, negociaram doações de supermercados e empresas de alimentos como a Danone. Agora, 250 estudantes voluntários organizam massas, cereais, baguetes, leite, refrigerante, legumes e itens sanitários para doar a mil alunos por semana – embora a necessidade seja cinco vezes maior, segundo Ulysse Guttmann-Faure, aluno de direito e fundador do grupo. Muitos reservam on-line um lugar na fila. "No início, todas as vagas eram reservadas em um prazo de três dias. Agora, elas acabam em três horas."

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