Mundo

Mulheres são mais vulneráveis às mudanças climáticas

Fatores socioeconômicos e culturais potencializam as vulnerabilidades do sexo feminino aos desastres provocados pelos eventos climáticos extremos, avalia pesquisadora


	Dados foram apresentados pela pesquisadora mexicana Úrsula Oswald Spring, que integra o IPCC
 (Xavi Gomez/Getty Images)

Dados foram apresentados pela pesquisadora mexicana Úrsula Oswald Spring, que integra o IPCC (Xavi Gomez/Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 6 de setembro de 2012 às 09h11.

São Paulo - As mulheres e meninas representam atualmente 72% do total de pessoas que vivem em condições de extrema pobreza no mundo. Em função disso e da combinação de uma série de outros fatores socioeconômicos e culturais, elas representam hoje as maiores vítimas de desastres provocados por eventos climáticos extremos, como inundações e furacões.

Os dados foram apresentados pela médica e antropóloga mexicana Úrsula Oswald Spring durante o workshop “Gestão dos riscos dos extremos climáticos e desastres na América do Sul – O que podemos aprender com o Relatório Especial do IPCC sobre os extremos?”, realizado em agosto pela Fapesp, em São Paulo.

Professora da Universidade Nacional Autônoma do México, a pesquisadora mexicana, que é membro do IPCC, explica as razões e quais ações são necessárias para diminuir a vulnerabilidade das mulheres e meninas aos impactos das mudanças climáticas.

– Quais são os grupos humanos mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas globais?

Úrsula Oswald Spring – Primeiro, as mulheres e meninas. Em segundo lugar, os grupos indígenas refugiados em comunidades com línguas e culturas diferentes das suas. E em terceiro todas as pessoas que vivem em cidades em pobreza extrema, em zonas de alto risco e de violência, sem apoio governamental, ilegais, sem emprego e expostas às intempéries climáticas.

Coincidentemente, esses três grupos humanos também são os mais discriminados. Há um problema de discriminação estrutural e uma combinação catastrófica de fatores socioeconômicos, ambientais e culturais que potencializam as vulnerabilidades desses três grupos humanos aos impactos das mudanças climáticas.

– O que torna as mulheres e meninas mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas?

Úrsula – Mundialmente, elas representam 72% dos pobres extremos e, sem recursos financeiros, é muito difícil enfrentar os impactos dos eventos climáticos extremos. Além disso, as mulheres foram educadas a cuidar dos outros e, por isso, assumimos o papel de “mãe de todos”. Esse processo, que chamo de teoria das representações sociais, também nos torna mais vulneráveis, porque temos o papel de proteger primeiramente os outros, para depois nos preocuparmos conosco.


Por trás de tudo isso também persiste há milhares de anos um sistema político excludente, reforçado por todas as crenças religiosas, denominado sistema patriarcal, que preceitua a autoridade de um ser – o homem –, resultando em muita violência, exclusão e discriminação contra as mulheres.

O capitalismo, por sua vez, se aproveitou do sistema patriarcal e construiu um sistema vertical, excludente, autoritário e violento, que permitiu que hoje 1,2 mil homens comandem a metade de todo o planeta e que as mulheres tivessem pouco poder de decisão e de veto em questões que lhes afetam diretamente.

– Diante desta realidade, o que é preciso fazer para diminuir a vulnerabilidade das mulheres e meninas aos impactos dos eventos climáticos extremos?

Úrsula – Não vale a pena destruir, por exemplo, essa capacidade das mulheres em querer ser a mãe de todos. Mas é necessário treiná-las para que esse processo de cuidar dos outros seja mais eficiente e que não seja realizado ao custo de sua própria vida, mas que possa beneficiar todo um conjunto de pessoas, incluindo ela e suas filhas. E isto implica em mais condições para que possam ter maior poder de decisão.

– Como seria possível realizar esse processo?

Úrsula – Sobretudo, possibilitando o maior acesso das mulheres à educação. De acordo com o Banco Mundial, todo país islâmico que investe na educação de suas mulheres aumenta imediatamente 1% de seu PIB. Outra ação é dar mais visibilidade ao trabalho das mulheres, que muitas vezes não é valorizado.

Nos Estados Unidos o trabalho feminino representa 38% do PIB. É preciso dar visibilidade a essa participação econômica das mulheres. Alem disso, são necessárias leis que garantam maior equidade e participação das mulheres em todos os processos decisórios. Teríamos que usar sistemas de cotas para mulheres para reverter a discriminação, que seria um passo para garantir maior equidade. Desgraçadamente, as catástrofes e os desastres provocados pelos eventos climáticos extremos irão ajudar no processo de dar maior poder às mulheres.


– De que maneira?

Úrsula – No México, por exemplo, a produção campesina está nas mãos dos homens. Mas está passando para as mãos das mulheres, porque os homens migraram para os Estados Unidos em busca de emprego. Na nova condição de chefes de família, elas estão tendo que tomar decisões sobre as mais variadas questões.

Nós precisamos ajudá-las nesse processo de “empoderamento”, possibilitando que elas tenham acesso a tecnologias sustentáveis, que lhes permitam, por exemplo, se proteger dos riscos de desastres causados pelos eventos climáticos extremos.

– Além da questão do “empoderamento”, que é um processo que demanda longo prazo, que ações mais urgentes devem ser tomadas para preparar as mulheres para enfrentar os eventos climáticos extremos?

Úrsula – É preciso possibilitar e treinar as mulheres para que em um momento de perigo iminente, por exemplo, elas tenham o direito de sair de casa. Muitas comunidades proíbem que uma mulher saia de casa se não está acompanhada por um homem. Isso é uma discriminação e uma forma de controle que é preciso superar com leis de equidade de gênero. Além disso, é preciso treinar mulheres para aprender a nadar, a correr, a trepar em uma árvore, e permitir que possam usar uma roupa mais adequada para realizar essas atividades.

Eu assisti os Jogos Olímpicos de Londres e me chamou a atenção a vestimenta das atletas da natação e de corrida da Arábia Saudita. Apesar de estarem vestidas de forma diferente das atletas de outros países, ao menos elas vestiam uma calça que lhes permitia correr, sem infringir os códigos religiosos. Esse é um tipo de ação que poderíamos socializar. Poderíamos aproveitar os Jogos Olímpicos para promover em todos os países islâmicos esse tipo de ação, e dar cursos de natação e de corrida para as mulheres.


– Dentre os três grupos humanos que a senhora aponta como os mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, qual apresenta maior resiliência?

Úrsula – Só os indígenas têm a capacidade adquirida ao longo de milhares de anos de administrar situações muito difíceis sem contar com ajuda internacional, nacional ou estatal, mas sim sozinhos. Eles se adaptaram às mudanças climáticas e cultivaram durante milhares de anos e da mesma maneira vegetais, como batatas, resistentes à seca, ao frio e ao calor, e desenvolveram sistemas muito eficientes e baratos de irrigação e fertilização da terra.

É preciso aproveitar esses conhecimentos tradicionais e vinculá-los às tecnologias modernas para nos adaptarmos às mudanças climáticas. Mas estamos perdendo esses conhecimentos tradicionais porque a última geração de indígenas que ainda detêm esses conhecimentos, que são jovens, já passou pela escola, fala outras línguas que não a materna e está perdendo sua cultura indígena. Se não fizermos nada, vamos perder mundialmente esses conhecimentos tradicionais que permitiriam desenvolver soluções locais para enfrentar as mudanças climáticas.

– Que iniciativas existem hoje para promover essa aproximação de conhecimentos tradicionais com os científicos?

Úrsula – No México, por exemplo, foi criada a Universidade Campesina do Sul. Lá são integrados grupos locais, que são constituídos hoje basicamente por mulheres – há 20 anos eram formados, em sua maioria, por homens –, e com base nas necessidades desses grupos nós disseminamos um processo de educação baseado no método de Paulo Freire, em que eles aprendem a partir de sua própria realidade.

– O que é ensinado na Universidade Campesina do Sul?

Úrsula – Um dos temas com os quais trabalhamos é agricultura orgânica, ensinando as mulheres a trabalhar com hortas familiares, para garantir seus próprios alimentos e de sua família. Outro tema é o manejo de água. Há muita água não potável, como a utilizada para lavar as mãos, por exemplo, que é muito fácil de tratar e que pode ser utilizada junto com dejetos orgânicos de sanitários secos como melhoradores de solo para ajudar a recuperar a fertilidade natural do solo.


Outro tema ao qual temos nos dedicado é o da medicina alternativa. A medicina moderna é muito cara e a maior parte das pessoas não tem recursos para utilizar o sistema de saúde. Em função disso, estamos criando modos de integrar a medicina tradicional mexicana, que utiliza ervas e métodos tradicionais de cura, como vapores, com a medicina moderna.

É um conjunto de ações voltadas para potencializar o uso dos conhecimentos científico e tradicional e tentar buscar soluções para enfrentar coletivamente problemas das mais variadas ordens, como o das mudanças climáticas. Porque não são grandes obras que protegem as pessoas de uma catástrofe provocada por um evento climático extremo, como uma inundação, mas sim pequenas obras, contanto que sejam muito eficientes.

– Na opinião da senhora, como será possível enfrentar os riscos das mudanças climáticas em escala mundial, em um momento em que diversos países passam por graves crises econômicas e têm problemas mais urgentes para resolver?

Úrsula – Há condições de grande incerteza em relação às mudanças climáticas porque, além das crises econômicas, grande parte das pessoas no mundo nunca presenciou uma situação de desastre causado por um evento climático extremo. Mas se algumas pessoas ainda não passaram por uma situação dessas, é preciso justamente pensar em maneiras de se preparar para enfrentar os eventos climáticos extremos, que ocorrerão com maior frequência nos próximos anos.

E uma das formas de se fazer isso é descentralizando a gestão dos riscos das mudanças climáticas, levando em contas as condições próprias de cada região. O problema climático na Amazônia, por exemplo, não é o mesmo que ocorre na parte alta dos Andes. Os tipos de manejos nessas regiões são muito diferentes.

Por isso, os países precisam descentralizar as ações. A gestão dos riscos de mudanças climáticas pelos países irá depender de uma boa gestão local. Os primeiros 10 minutos de uma situação de risco, como uma inundação ou deslizamento, são cruciais e não há ajuda internacional que possa socorrer. Por isso, é preciso investir fortemente em prevenção e treinamento em nível local para enfrentar os riscos de um evento climático extremo.

Acompanhe tudo sobre:Aquecimento globalClimaEntrevistasMeio ambienteMudanças climáticasMulheres

Mais de Mundo

Desi Bouterse, ex-ditador do Suriname e foragido da justiça, morre aos 79 anos

Petro anuncia aumento de 9,54% no salário mínimo na Colômbia

A discreta missa de Natal em uma região da Indonésia sob a sharia

Avião fabricado pela Embraer cai no Cazaquistão com 67 pessoas a bordo