Índia paralisa exportação da AstraZeneca — Brasil aguarda milhões de doses
A decisão pode afetar o envio de mais doses prontas de vacina para o Brasil e para outros países mais pobres, amplamente dependentes da produção do Instituto Serum
Carolina Riveira
Publicado em 24 de março de 2021 às 15h05.
Última atualização em 25 de março de 2021 às 06h21.
A Índia paralisou temporariamente as exportações da vacina da AstraZeneca feitas pelo Instituto Serum.
A informação foi reportada primeiro pela agência Reuters, não oficializada pelo Serum e pelo governo indiano. A decisão teria sido tomada para acelerar a vacinação internamente na Índia em meio ao aumento dos casos de covid-19 no país, segundo fontes próximas ao governo.
Segundo divulgado no site oficial do governo indiano, não há exportações de vacinas saídas da Índia desde a última quinta-feira. "Sem exportações. Nada [será enviado] até o momento em que a situação na Índia se estabilize", disse uma fonte próxima ao governo à Reuters.
A decisão deve afetar o envio de mais doses prontas de vacina para o Brasil e outros países mais pobres, amplamente dependentes da produção do Serum feita em parceria com a AstraZeneca. Foi o Serum o responsável por enviar ao Brasil as quatro milhões de doses da vacina da AstraZeneca que foram usadas no país até agora.
Outro lote mais recente, de cerca de um milhão de doses, chegou no fim de semana via Covax Facility, consórcio da Organização Mundial da Saúde no qual o Brasil pagou para participar e adquirir parte dos imunizantes. Maior produtor de vacinas do mundo, o Serum também é parceiro da Covax na oferta de doses.
A Fundação Oswaldo Cruz aguarda ainda a vinda de outras oito milhões de doses prontas do Serum, que chegariam mensalmente a partir de abril.
Apesar de o governo indiano não ter confirmado oficialmente que as exportações estão paralisadas, a situação foi comunicada aos parceiros globais.
O jornal indiano Times of India informou no domingo, 21, que o presidente do Serum, Adar Poonawalla, enviou carta a Brasil, Marrocos e Arábia Saudita afirmando que as entregas atrasariam. Entre os motivos, no entanto, o executivo não falou sobre a demanda interna indiana, mas citou o incêndio que atingiu o Serum em janeiro deste ano.
A Fiocruz confirmou no domingo que recebeu a carta do Serum. Disse também nesta semana que o suprimento de vacinas previsto para os próximos meses deve ser menor do que o esperado, em parte devido a atrasos na fábrica própria da fundação.
O número de mortes por covid-19 tem subido na Índia. O país passou de menos de 90 mortes diárias há um mês, em fevereiro, para a casa de mais de 250 mortes nesta semana, segundo os dados compilados pela Universidade Johns Hopkins.
Ao todo, a Índia já vacinou mais de 50 milhões de pessoas, e tem aplicado mais de duas milhões de doses por dia. A taxa é alta e comparável aos melhores programas de vacinação no mundo, como nos EUA, mas a Índia tem o desafio de vacinar 1,4 bilhão de pessoas. Proporcionalmente, só 3% dos indianos receberam a primeira dose da vacina.
A discussão não acontece só na Índia. A exportação de vacinas em meio à crise da covid-19, e a preocupação com novas variantes, tem feito outros países começarem a estudar a restrição de exportações.
O principal caso é na União Europeia, também com a AstraZeneca: em meio ao atraso de entrega de doses da fabricante anglo-sueca, os países da UE tem discutido barrar exportações saídas de fábricas locais. Neste mês, a Itália barrou a exportação de milhares de doses que haviam sido vendidas pela AstraZeneca para a Austrália.
Já nos EUA, o governo tem um estoque estimado em 30 milhões de doses já prontas da AstraZeneca que não estão sendo usadas, e vem sendo pressionado a compartilhá-las com outros países.
Vacinação no Brasil
Além das vacinas vindas da Índia e via Covax, a Fiocruz também começou neste mês a produzir internamente as vacinas da AstraZeneca por meio de insumo importado, o que deve acelerar a oferta de vacinas no Brasil. Nesta semana, foram entregues as primeiras 1 milhão de doses.
Nesta terça-feira, 23, a Fiocruz reajustou o cronograma de entregas, e diz que terá menos doses em abril do que o previsto em meio a problemas na fabricação interna. Serão agora 3,9 milhões de doses em março, 18,8 milhões em abril, 21,5 milhões em maio, 34,2 milhões em junho e 22 milhões em julho.
No segundo semestre, o instituto deve começar a fabricar seu próprio insumo, sem necessidade de importação, entregando outras 110 milhões de doses.
No momento, a vacinação brasileira acontece sobretudo com a Coronavac, da chinesa Sinovac e envasada no Brasil pelo Instituto Butantan. De cada dez doses aplicadas no Brasil, nove são da Coronavac.
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