Exame Logo

Hillary: em busca do vice ideal

Na teoria, a democrata Hillary Clinton tem uma das tarefas mais simples da história recente das eleições americanas. Seu adversário é malquisto no próprio partido, quer expulsar os imigrantes e não tem uma estratégia de campanha que vá além de sua própria língua. Para piorar, é um empresário com um longo histórico de fracassos e […]

Hillary Clinton (Win McNamee/Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 21 de junho de 2016 às 13h19.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h24.

Na teoria, a democrata Hillary Clinton tem uma das tarefas mais simples da história recente das eleições americanas. Seu adversário é malquisto no próprio partido, quer expulsar os imigrantes e não tem uma estratégia de campanha que vá além de sua própria língua. Para piorar, é um empresário com um longo histórico de fracassos e que precisa desesperadamente de dinheiro — seu caixa de campanha tem apenas 1,3 milhão de dólares, ante 41 milhões de Hillary. Ela está à frente nas pesquisas, é verdade, mas a margem está longe de ser folgada: 45 pontos a 39.

O grande problema de Hillary, concordam analistas, aliados e opositores, é a falta de carisma. O jornal The New York Times chegou a considerar Hillary a candidata mais preparada da história das grandes democracias. Mas o problema pode estar justamente aí. Ex-senadora, ex-primeira dama e ex-secretária de estado, ela passou tanto tempo burilando a arte de fazer política que é incapaz de ser vista como uma pessoa de carne e osso.

Veja também

Depois de Trump, ela é a candidata mais odiada da história recente do país — as pesquisas mostram que somente 41,8% dos eleitores aprovam Hillary. Ao longo das semanas e dos debates Hillary pode até resolver alguns desses problemas. Mas, a essa altura do campeonato, é mais fácil escolher um vice que preencha todas essas lacunas.

O democrata Walter Mondale, vice-presidente na gestão de Jimmy Carter, entre 77 e 81, gosta de dizer que quem antecipou que ele seria o escolhido foi sua esposa, após uma jantar com o futuro presidente. “Vocês se deram muito bem”, respondeu ela ao ser perguntada o motivo da conclusão. O histórico democrata de fato é de vices e de presidentes que se dêem bem. Mas nem sempre foi assim. Robert Kennedy e seu vice, Lyndon Johnson, nos anos 60, se odiavam, mas Johnson era fundamental para que Kennedy ganhasse os votos do Sul. Deu certo, e Johnson acabou assumindo com o assassinato de Kennedy, em 1963.

Nomes com grandes ambições políticas podem se afastar da chapa de Hillary com o medo de confirmar a sina: vices não costumam ganhar as eleições. Walter Mondale, o vice de Carter, sofreu uma derrota dramática nas eleições de 1984, perdendo em 49 estados quando encabeçou a disputa para presidente contra Ronald Reagan. Al Gore, vice de Bill Clinton, se tornou uma figura carismática na luta ambientalista e chegou a ganhar o Prêmio Nobel da Paz em 2007, mas também não conseguiu derrotar Bush nas eleições de 2000. Joe Biden, vice de Obama, é popular dentro do partido, e poderia até se candidatar como vice de Hillary, mas nunca foi realmente cotado para a Casa Branca. Afinal, quem será o vice de Hillary?

Os grandes nomes

Um dos primeiros nomes cogitados é o de Bernie Sanders. Senador independente pelo estado de Vermont, Sanders foi o azarão das primárias. Não se acreditava que poderia ir longe, mas reinventou a forma de arrecadar dinheiro — bateu o recorde de arrecadações individuais, com mais de 80 milhões de dólares —, conquistou o apoio dos democratas mais jovens e dos universitários e deu problemas para Hillary até o final da corrida.

Embora ele tenha um apelo forte entre as parcelas mais à esquerda do eleitorado e dos americanos independentes, sua nomeação é improvável. A briga pela corrida nas primárias desgastou a ambos com ofensas e troca de farpas. Quando derrotado, Sanders praticamente não mencionou o feito histórico de Hillary ao ser a primeira mulher candidata de um dos grandes partidos. “Escolher Sanders simplesmente não vai acontecer. Clinton perderia mais votos do meio do que ganharia na esquerda que não vota nela”, afirma o cientista político Robert Erikson da Universidade Columbia.

Outro nome fortemente ventilado é o de Elizabeth Warren, senadora por Massachussets. Ela foi a última senadora a apoiar a candidatura de Hillary e é vista como uma das mais populares democratas dos Estados Unidos. Erikson afirma que ela seria a única opção viável para ter duas mulheres na cédula. Também é a favorita dos eleitores democratas, segundo uma pesquisa recente, que mostra que Elizabeth tem o apoio de 35% dos eleitores.

De personalidade forte, Warren já mostrou que está disposta a colocar a mão no coldre para atacar o concorrente republicano Donald Trump — há poucas semanas afirmou que Trump não era nada mais do que um “valentão racista de pele fina”. Seu nome deixaria a campanha de Hillary mais popular e ajudaria a impedir que Trump domine o noticiário ainda mais. Com uma visão econômica mais à esquerda, ela tem alta rejeição aos executivos de Wall Street — foi uma crítica feroz de Timothy Geithner, ex-secretário do Tesouro da administração Obama. A vantagem dessa posição é que ela que poderia trazer para o lado de Clinton os eleitores de Bernie Sanders, preocupados com o aumento da desigualdade no país.

No entanto, a nomeação de Warren e seu populismo econômico poderiam jogar a parcela mais rica da população americana diretamente no colo de Trump, resolvendo os problemas de financiamento do empresário. Além disso, não é certo que tanto Hillary quanto o eleitor médio americano estejam preparados para a quebra de paradigma que seria duas mulheres compondo uma chapa. Em 2008, na corrida pela nomeação democrata contra Barack Obama, todas as opções de Hillary eram homens brancos.

Considerado uma aposta segura por cientistas políticos, o senador Tim Kaine foi sondado pela equipe de Obama em 2008, ficando apenas atrás do atual vice, Joe Biden. Kaine foi governador da Virgínia, época em que conseguiu dar uma resposta política rápida ao tiroteio da Universidade Tecnológica de Virgínia. O feito no passado e sua voz no atual debate sobre armamento nos Estados Unidos, fez dele um senador pelo estado em 2013.

O maior problema de Kaine é que ele é tão entediante quanto bom para o cargo. Embora isso possa ser uma característica boa para um vice que não deseja chamar a atenção, compor uma chapa com o senador pode significar que Clinton não consiga trazer nenhum voto indeciso ou independente, tampouco excitar a base de eleitores democratas.

Questão de representatividade

Mirando em um candidato jovem, surge com força o nome de Julián Castro, atual Secretário de Urbanismo, que pode complementar o perfil de Hillary. Descendente de mexicanos, jovem (41 anos) e bastante conhecido no âmbito nacional, Castro pode ajudar a lutar contra o discurso anti-imigrantes de Trump, a ganhar votos em um estado tradicionalmente republicano e a trazer vigor para a chapa. No Texas, Castro tem pouco espaço para crescer. Ganhar uma corrida eleitoral para governador ou senador por lá é tradicionalmente difícil para os democratas, e seu irmão, Joaquín Castro, já é congressista pelo distrito de onde ambos vieram. Por esse motivo, Obama o nomeou para a secretaria de urbanismo, onde poderia ganhar projeção nacional para crescer.

Ao mesmo tempo, esse é o seu problema: Castro não tem experiência para estar a um passo da presidência — o maior cargo eletivo que ocupou foi o de prefeito de San Antonio, onde o regime executivo é baseado numa administração de conselheiros, com um deles assumindo a principal cadeira.

Questão de geografia

Como costuma acontecer, as eleições de 2016 nos Estados Unidos devem ser decididas em estados e regiões chave — a Flórida, a região conhecida como cinto industrial, com Pensilvânia e Ohio, e o meio-oeste americano. Trump e Clinton devem brigar até o fim pelos eleitores desses lugares. O cientista político Robert Erikson acredita que em qualquer cenário Trump vá vencer na Flórida, mas as outras disputas ainda estão em aberto. “Hillary deve fazer campanha na Georgia e no Arizona, onde as mudanças podem ajudar a campanha democrata e Trump espera vencer no nordeste industrializado”, explica.

Nessa perspectiva, uma das escolhas de Hillary gira em torno do estado de Ohio. O senador Sherrod Brown é um político de carreira, que tem uma pauta muito ligada à de Bernie Sanders, o que poderia trazer seus eleitores sem a carga que seria o próprio Sanders. Brown também é popular por suas políticas pró-trabalhadores, fator que ajudaria Hillary tanto em Ohio quanto na Pensilvânia. Clinton já afirmou que admira a experiência política do companheiro de partido.

No entanto, assim como Castro, as forças de Brown são suas fraquezas. A exemplo de Sanders, suas considerações sobre política econômica são tão populistas que ele é autor do livro “Mitos do livre mercado”. Clinton, na outra mão, é bastante pró-mercado e encontraria dificuldade em dar apoio ao vice nessa pauta em um eventual governo.

Outro problema: uma vitória de Clinton com Brown significaria que ele teria que abandonar o cargo de senador do estado de Ohio. Mas pela legislação americana, no caso de vacância de uma vaga legislativa, quem indica o suplente é o governador do estado, atualmente o republicano John Kasich. Ele não deve praticar o fair-play e indicar um democrata. Perder uma vaga no Senado não parece ser o tipo de risco que o Partido Democrata esteja disposto a correr.

Para vencer ou para governar?

Uma velha dicotomia das eleições nos Estados Unidos é a escolha do “vice-para-vencer” e do “vice-para-governar”. Há algumas décadas, a escolha entre um dos dois podia ajudar a decidir o pleito, mas o conceito parece estar perdendo força nos últimos anos.

Em 2008, o republicano John McCain escolheu a polêmica e controversa governadora do Alaska, Sarah Palin, como uma opção que o ajudaria a ganhar. Barack Obama ficou com uma figura mais comedida, porém ainda popular junto aos democratas, Joe Biden, que o ajudaria a governar sem causar alarde. A história nós já sabemos. Para Hillary Clinton, vale o mesmo conselho: o melhor nome será aquele que chamar menos a atenção, mas não ao ponto de ser um vice decorativo.

( Thiago Lavado )

Acompanhe tudo sobre:Exame Hoje

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Mundo

Mais na Exame