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Esquadrão biológico

Insetos e microorganismos criados em laboratório formam um exército para controlar pragas e transmissores de doenças

Insetos e microorganismos criados em laboratório formam um exército para controlar pragas e transmissores de doenças (.)

Insetos e microorganismos criados em laboratório formam um exército para controlar pragas e transmissores de doenças (.)

Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.

A guerra contra a dengue pode ganhar um reforço nos próximos anos. E o batalhão que ajudará a combater a doença, que mata cerca de 20 mil pessoas por ano em todo o mundo, não será formado por um enorme grupo de voluntários que distribui folhetos de orientação. A ajuda virá dos laboratórios das universidades, direto das pesquisas com manipulação genética. Em outubro, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) receberam autorização para fazer testes com uma nova espécie transgênica do mosquito Aedes aegypti, principal vetor do vírus. Outros seis países também estão avaliando o inseto geneticamente modificado pela Oxitec, empresa incubada na Universidade de Oxford, na Inglaterra.

O alvo é atacar o aumento da população dos mosquitos transmissores da dengue. Para isso, os pesquisadores estão fazendo uma experiência com os machos da espécie. Normalmente, os insetos têm no corpo uma toxina natural que controla a renovação das células, determinando quando elas devem morrer para dar lugar às novas. Dois genes atuam nesse processo. O primeiro ativa o segundo, que é o responsável pela liberação da toxina. É esse processo que o experimento altera. O primeiro gene é reprogramado para só autorizar a liberação da toxina na ausência de um antibiótico. Ao copular com os insetos geneticamente modifi cados, as fêmeas Aedes aegypti geram ovos com essa característica. Como as larvas se desenvolvem em ambientes sem o antibiótico, automaticamente seus genes liberam a toxina, que as leva à morte em torno de sete dias.

Margareth Capurro, coordenadora dos testes com o mosquito no Brasil, aposta também em outra frente para o controle da dengue. Há mais de dez anos ela estuda uma forma de mexer no DNA do Aedes aegypti e do Anopheles, gênero do mosquito transmissor da malária. "A ideia é introduzir na população genes que ataquem o vírus da dengue ou o parasita da malária", diz. Por enquanto, ela trabalha principalmente com o mosquito transmissor da dengue. Uma proposta é modificar anticorpos de camundongos e inseri-los nos mosquitos. No organismo dos insetos, essas células reconhecem o vírus e impedem-no de atingir a glândula salivar do inseto. Em laboratório, o método já conseguiu bloquear 99% do vírus. "Mas esse 1% é suficiente para passar a doença", afirma a pesquisadora. Por isso, Margareth está produzindo uma espécie de coquetel de moléculas para aumentar a efi ciência da técnica.

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Inseticidas naturais

Enquanto estudos como esse ainda estão nos laboratórios, uma nova alternativa para o combate aos transmissores de doenças é o controle biológico, popularizado na agricultura, sobretudo em grãos e frutas, há mais de 30 anos. Um projeto pioneiro no Brasil está sendo conduzido na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A pesquisadora Rose Monnerat, coordenadora do estudo, testou a atuação de cerca de 2 700 bactérias sobre as larvas dos mosquitos da dengue e da malária para desenvolver dois bioinseticidas, o Bt-horus e o Sphaerus. As bactérias dos inseticidas destroem o intestino das larvas e as matam.

Os produtos já estão sendo vendidos pela empresa de manejo integrado de pragas Bthek, ao custo mensal médio de 30 centavos por residência. Em 2007, na cidade de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, o Bt-horus foi aplicado em metade dos bairros. As regiões registraram apenas cinco casos de dengue. Nas áreas onde o produto não foi utilizado, o número de pessoas diagnosticadas com a doença foi de 344. Naquele ano, o município de São Sebastião liderava o ranking da dengue nas cidades do Distrito Federal. Depois de cinco meses de tratamento com o inseticida, o índice de infestação domiciliar caiu de 4,6% para 0,6%.

No Acre, que sofre com a malária, os números de contenção da doença são ainda mais surpreendentes. Em 2006, o estado registrou 94 mil casos. No vale do Juruá, a área mais atingida pela epidemia, três cidades respondiam por 91% dos casos do estado. Em Rodrigues Alves, por exemplo, a taxa de infestação chegou a 1 491 casos para cada 1 000 habitantes. "As pessoas contraíam malária mais de uma vez", diz Izanelda Magalhães, gerente da divisão estadual de endemias da secretaria de estado da saúde do Acre. Decidiu-se aplicar o bioinseticida Sphaerus nas regiões urbanas das três cidades, em 1 200 criadouros identificados pelos agentes de saúde. Em paralelo, foram adotadas medidas como a colocação de mosquiteiros e o atendimento rápido aos infectados. O resultado foi produtivo. Dois anos depois, Rodrigues Alves registrou 239 casos de malária para cada 1 000 habitantes. Além dessa efi ciência, Rose ressalta a atuação mais específica dos bioinseticidas como uma vantagem em relação aos inseticidas químicos convencionais. "Eles não são danosos para o meio ambiente. Os peixes que viviam nos criadouros do mosquito da malária, por exemplo, não morreram com a aplicação do produto", diz.

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Fábrica de micro-organismos

Além de conter o avanço de doenças transmitidas por insetos, o controle biológico pode ser adotado para matar pragas agrícolas que atingem diversos tipos de lavouras. O emprego de inimigos naturais no combate às pragas agrícolas não é novidade da nossa era. Há registros de que no século 3 a.C os chineses já usavam formigas nas plantações de citros com esse objetivo. No Brasil, além das bactérias, fungos e vírus também são cultivados como bioinsetidas para proteger as lavouras. "Hoje, temos ferramentas para entender melhor a fisiologia desses micro-organismos, e, assim, criar condições ideais para o cultivo deles em laboratório", afirma a pesquisadora Rose.

Dos três organismos, o vírus é o que atua de maneira mais pontual sobre as pragas, mas também é o mais difícil de produzir em laboratório. Isso porque ele precisa de outros organismos para se desenvolver. A pesquisadora Marlinda Lobo, gestora do Núcleo de Controle Biológico da Embrapa Recursos Genéticos, está desenvolvendo um método de cultivo de vírus em células. "Utilizamos um biorreator para fazê-las crescer. Quando elas atingem uma boa densidade, são infectadas com o vírus", afirma. Um problema enfrentado no cultivo de vírus são as mutações genéticas, comuns durante o processo de multiplicação celular. Por isso, em larga escala, a solução, por enquanto, ainda é produzi-los usando insetos como hospedeiros.

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Machos radioativos

O controle biológico também está presente no cultivo de frutas como manga, uva, goiaba e acerola, produzidas na área baiana do vale do rio São Francisco. Mosquitos machos da mosca da fruta são submetidos à radiação por alguns segundos enquanto ainda estão na fase de pupa, dentro do casulo. "Nesse período, o aparelho reprodutor desses insetos ainda está em processo de desenvolvimento", afirma Rodrigo Viana, engenheiro agrônomo da biofábrica Moscamed. Com isso, os mosquitos se tornam estéreis. Esse processo é adotado para diminuir a população do inseto numa área de 11 500 hectares de plantações na região. A técnica também é adotada em outros estados, como Piauí, Ceará e Espírito Santo. De acordo com o pesquisador, a ideia é utilizar a tática em conjunto com outras ações de controle biológico.

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Terríveis contra as pragas

Laranja: Para conter o greening, uma doença que seca os laranjais, o inseto Tamarixia radiata ataca outro inseto, que transmite a doença

Cana-de-açúcar: Desde a década de 1960, o fungo M.anisopliae é usado para diminuir a incidência da cigarrinha da folha da cana-de açúcar

Uva: As plantações de uva, do vale do São Francisco, recebem machos da mosca da fruta esterilizados por radiação

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