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Em meio a novas tensões raciais, Pence promete lei e ordem

Vice-presidente de Donald Trump no EUA fala na convenção republicana e tenta associar democratas ao caos e à anarquia

Mike Pence: vice-presidente dos EUA criticou os protestos que estão acontecendo no país (Travis Dove / The New York Times/Bloomberg)

Felipe Giacomelli

Publicado em 27 de agosto de 2020 às 06h15.

A terceira noite da convenção republicana aconteceu com o pano de fundo de um novo acirramento das tensões raciais nos Estados Unidos .

O principal discurso foi feito pelo vice-presidente Mike Pence. Ele repetiu temas ouvidos nas duas noites anteriores: somente Donald Trump será capaz de impedir que o caos tome conta das ruas das cidades americanas.

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“O presidente Trump e eu sempre vamos apoiar o direito de protestar pacificamente, mas o que vemos é violência e saques. A violência tem de acabar.”

O tema da lei e da ordem é uma das bandeiras da campanha de reeleição de Trump e deve voltar a ganhar importância depois do mais recente caso de violência policial contra um homem negro, ocorrido na noite de domingo.

Jacob Blake foi alvejado com sete tiros pelas costas por um policial branco quando tentava entrar em seu carro, na cidade de Kenosha, estado de Wisconsin. Blake está internado em estado grave e perdeu o movimento das pernas.

Menos de três meses depois dos protestos que chacoalharam o país após o assassinato de George Floyd, existe o temor de que uma nova onda de manifestações tome as ruas americanas.

A estratégia de Trump e do Partido Republicano tem sido destacar os atos isolados de violência e associar o democrata Joe Biden a uma suposta “anarquia”.

Pence repetiu a afirmação de que Biden é a favor de cortar verbas da polícia, apesar de o democrata já ter se posicionado contra a ideia.

“A população sabe que não temos de escolher entre apoiar a polícia e estar ao lado dos afro-americanos para melhorar suas vidas, sua educação, seus empregos e sua segurança.”

Outro argumento repetido várias vezes nos últimos dias é que Biden tem um projeto de governo “socialista”. “Ele é um cavalo de Troia da esquerda radical”, afirmou Pence. “Biden vai nos colocar no caminho do socialismo e do declínio.”

Falando ao vivo do Forte McHenry, palco de uma batalha da Guerra de Secessão e objeto de um poema que serviu de inspiração para o hino nacional dos Estados Unidos, Pence perguntou: “Se Biden for eleito, a América continuará sendo a América?”

O vice também tentou defender a atuação do governo federal no combate à pandemia. Mas várias de suas afirmações foram falsas ou enganosas. Ele afirmou que Trump estabeleceu parcerias com os governadores. Na realidade, durante passou boa parte da crise em guerra aberta contra os líderes estaduais, especialmente os do partido da oposição.

O vice também afirmou que a decisão de proibir a entrada de viajantes da China “salvou inúmeras vidas”. Não há como determinar quantas vidas foram salvas por essa medida, mas sabe-se, por exemplo, que no epicentro de Nova York o coronavírus foi trazido da Europa.

Até ontem, o total de vítimas de Covid-19 nos Estados Unidos ultrapassava 179 000, como quase 6 milhões de casos registrados.

Tensões raciais

Na tarde de ontem, o time de basquete Milwaukee Bucks (que é de Wisconsin) não entrou na quadra para disputar uma partida dos playoffs da NBA contra o Orlando Magic.

A decisão foi tomada pelos jogadores. A liga suspendeu as três partidas que estavam marcadas para ontem. A NBA é considerada a liga esportiva mais progressista do país.

Na retomada da temporada, interrompida por causa da pandemia, os times estão usando uniformes com slogans do movimento Black Lives Matter, que pede o fim da violência policial contra a população negra.

Três jogos de beisebol previstos para ontem também foram adiados por causa das tensões raciais. “Respeitamos a decisão de diversos atletas de não jogar. A Major League Baseball se mantém unida por mudanças em nossa sociedade e somos aliados na luta para acabar com o racismo e a injustiça”, afirmou um comunicado da liga. A WNBA, liga profissional feminina, também cancelou as partidas de ontem.

O incidente envolvendo Jacob Blake foi gravado por um homem que estava numa casa, do outro lado da rua. O vídeo foi amplamente divulgado. Blake estaria tentando separar uma briga entre duas mulheres quando a polícia chegou.

O vídeo mostra uma discussão entre os policiais e Blake, que tenta entrar em seu carro – onde estavam seus três filhos, de 3, 5 e 8 anos. Depois de abrir a porta do motorista, um dos policiais o agarra pela camiseta e abre fogo à queima-roupa.

Na noite do próprio domingo, quando o vídeo começou a circular nas redes sociais, manifestantes foram às ruas da cidade para protestar. Desde então, houve confrontos com a polícia de Kenosha, quebra-quebra e carros incendiados.

Na madrugada de ontem, duas pessoas foram mortas a tiros. Kyle Rittenhouse, um adolescente de 17 anos foi preso, suspeito da autoria de pelo menos um dos crimes.

Em contas de redes sociais associadas a Rittehnouse, ele se declarou apoiador de Donald Trump e postou a frase “Blue Lives Matter”, um movimento que defende a polícia (o uniforme dos policiais nos Estados Unidos costuma ser azul).

Também há posts de Rittenhouse posando junto a armas e vídeos do jovem praticando tiro ao alvo. Numa entrevista em vídeo publicada no Twitter por um jornalista do site Daily Caller, ele diz que sua missão “é proteger” os negócios do vandalismo e a população.

A lei do estado de Illinois, onde mora o rapaz, proíbe que menores de 18 anos tenham armas de fogo.

A conivência de Trump com grupos civis armados é amplamente documentada. Depois dos distúrbios de Charlotteville, há três anos, ele afirmou que havia “gente muito boa” entre os milicianos supremacistas brancos que marcharam na cidade.

Em abril deste ano, dezenas de homens portando armas de guerra invadiram a assembleia legislativa de Michigan demandando a reabertura do estado. Trump postou mensagens pedindo a “libertação” de Michigan.

E, em junho, quando casos isolados de violência foram registrados nos protestos por justiça racial, ele afirmou que “quando começam os saques, começa os tiros”. A mensagem, considerada uma incitação à violência, foi amplamente condenada pela oposição e por defensores dos direitos civis.

Vozes femininas

Outro tema da noite de ontem foram as mulheres. Kayleigh McEnany (porta-voz da Casa Branca), Karen Pence (mulher do vice-presidente, Mike Pence) e Kellyanne Conway (assessora de Trump) deram depoimentos sobre o respeito que o presidente tem pelas mulheres.

Trump “confia e faz confidências às mulheres”, afirmou Conway. “Ele me ajudou a destruir uma barreira [para as mulheres] na política.”

Conway foi uma das diretoras da campanha vencedora em 2016 e está na Casa Branca desde o início do mandato de Trump, no papel de assessora especial.

Considerada uma das pessoas mais próximas do presidente – e uma sobrevivente, dada a alta rotatividade dos assessores mais próximos de Trump --, Conway anunciou sua demissão no fim de semana passado, para dedicar mais tempo à família.

Com diversas mulheres escaladas para falar na primeira hora da noite de ontem, a tentativa da campanha Trump era conquistar o voto feminino. O candidato democrata tem uma vantagem de mais de 20 pontos percentuais entre as eleitoras.

A avaliação é que o presidente seria misógino (dados os vários comentários sexistas e ofensivos feitos por ele) e grosseiro. Muitas mulheres, apesar de alinhadas politicamente com Trump, se recusam a votar no presidente.

O voto feminino é essencial para as aspirações de qualquer candidato a presidente dos Estados Unidos. As mulheres compõem 53% do eleitorado

Trump fala hoje

O presidente encerra a convenção democrata na noite de hoje. Ainda não foram divulgados detalhes sobre os temas que Trump pretende abordar.

Uma das grandes expectativas é se e como ele vai se referir ao caso de Kenosha. Nos primeiros dias dos protestos pela morte de Floyd, em junho, Trump disse: “Sou seu presidente da lei e da ordem”. Ele também pediu que a polícia “dominasse as ruas”.

Ao equiparar as manifestações – em sua imensa maioria pacíficas – com anarquia e ameaças à segurança dos “cidadãos de bem”, Trump tinha dois objetivos: falar de um tema caro à sua base e ao mesmo tempo desviar o assunto da pandemia.

Até a noite de ontem, Trump não havia se manifestado em relação ao sete tiros disparados contra Blake. Mas, no Twitter, o presidente afirmou estar enviando forças federais para “restaurar a lei e a ordem” em Kenosha.

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