Decepção e medo na periferia de Lima, após autogolpe frustrado de Castillo
"Votei nele porque era uma pessoa nobre e sabia das situações que todos os peruanos vivemos. Votei em uma esperança", disse à AFP uma das integrantes do grupo Mulheres Unidas
AFP
Publicado em 9 de dezembro de 2022 às 17h53.
Última atualização em 9 de dezembro de 2022 às 17h58.
Um grupo de mulheres soube do autogolpe frustrado no Peru em meio a panelas fumegantes, enquanto cozinhava lentilhas para os moradores de Villa Torre Blanca, um bairro empoeirado em um morro nos arredores de Lima, sem água potável ou saneamento.
Vários moradores deste bairro votaram no ano passado em Pedro Castillo , o professor rural de esquerda de 53 anos, que cresceu na pobreza e durante sua campanha percorreu a cavalo parte do Peru, com a promessa de lutar contra a corrupção.
" Votei nele porque era uma pessoa nobre e sabia das situações que todos os peruanos vivemos. Votei em uma esperança", disse à AFP uma das integrantes do grupo Mulheres Unidas, Ricardina Condori, de 46 anos, em sua casa simples de madeira, onde cria preás para se alimentar.
"Em me senti muito decepcionada e triste (...), tive vontade de chorar. Tomara que a nova presidente nos dê esperança, que nunca se esqueça do povo", comentou esta mãe de três filhos.
As seis mulheres que cozinhavam em uma pequena casa de madeira e telhado de amianto ficaram chocadas na quarta-feira, quando, antes de os legisladores debaterem seu impeachment, Castillo anunciou a dissolução do Congresso , um toque de recolher e que governaria por decreto.
O golpe fracassou desde o começo, o Congresso votou sua destituição e Castillo, ex-presidente e líder sindical de esquerda, foi preso.
Cidadãos se sentem esquecidos pelo governo
A vice-presidente Dina Boluarte, uma advogada de 60 anos, assumiu a Presidência após a destituição de Castillo e se tornou a primeira mulher a governar o Peru.
"Fico contente que seja uma mulher que está governando o país; agora, que não se esqueça das pessoas vulneráveis dos morros porque aqui nós somos esquecidos pelas autoridades", pediu Edith Acurio, de 44 anos.
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Esta comunidade de casas precárias, construídas com tábuas desconjuntadas e chão de terra batida fica em Carabayllo, na periferia norte de Lima, onde muitos moradores só conseguem se alimentar graças às cozinhas comunitárias.
As refeições são vendidas aos moradores de baixa renda a 3,30 soles (4,49 reais). O dinheiro ajuda a que a iniciativa comunitária seja autossustentável. Os que não podem pagar, levam a comida de graça.
O abismo entre os ricos e os pobres é enorme no Peru. A classe média é quase inexistente e o país registra há décadas altos índices de pobreza, que se aprofundaram com a pandemia.
O Peru teve a pior taxa de mortalidade por covid-19 do mundo em relação à sua população e cinco milhões de peruanos se tornaram pobres em 2020, segundo estatísticas oficiais. Agora, um quarto dos 33 milhões dos peruanos vive na pobreza.
"No momento em que anunciava o golpe de Estado, para nós, para as áreas periféricas, parecia um sonho. Achávamos que tudo tinha ficado escuro, de repente cheguei a pensar em uma nova Venezuela", relatou à AFP Fortunata Palomino, de 58 anos, presidente da Red de Ollas Comunes (Rede de Cozinhas Comunitárias) de Lima.
"Se (Castillo) ficasse no poder, não sei o que aconteceria. Os peruanos começariam a fazer as malas", disse.
No morro, muitas casas exibem bandeiras peruanas esgarçadas, tremulando sobre os telhados.
Em Lima, mais de 2.000 cozinhas comunitárias alimentam 222.000 famílias, segundo Palomino.
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