Homem distribui máscaras no Líbano: a explosão no porto matou mais do que o coronavírus, mas hospitais lotados preocupam (AFP/AFP Photo)
Carolina Riveira
Publicado em 21 de agosto de 2020 às 09h13.
Última atualização em 21 de agosto de 2020 às 23h16.
"E agora? Além desse desastre, a catástrofe do coronavírus?", lamenta Roxane Moukarzel. A moradora de Beirute, no Líbano, ainda está em estado de choque após a explosão que devastou bairros inteiros da cidade em 4 de agosto. Enquanto isso, os libaneses voltam ao confinamento nesta sexta-feira, 21, em razão de outra tragédia: o aumento de casos da covid-19.
Ao confinamento, adotado por duas semanas, soma-se um toque de recolher das 18h às 6h, para fazer frente aos índices recordes de contaminação dos últimos dias. O Líbano, que tem cerca de 7 milhões de habitantes, chegou a 10.952 casos, incluindo 113 mortes.
São menos mortes por coronavírus do que causadas pela própria explosão, que deixou 181 mortos e milhares de feridos na capital. Mas, há um mês, o número de mortes por coronavírus era menos da metade.
Preocupada com as consequências da epidemia, Moukarzel é a favor do confinamento, em particular após a explosão no porto da capital, que lotou os hospitais do país.
"Do ponto de vista econômico, fechar o país não é bom porque as pessoas querem vender, mas é melhor perder um pouco do que adoecer", afirma Moukarzel. "Não há vagas nos hospitais. Se as pessoas começarem a adoecer, onde vão colocá-las?", questiona a mãe de 55 anos.
Um primeiro confinamento de um mês pelo coronavírus havia sido imposto em meados de março, antes de ser gradualmente suspenso. Mas o aeroporto só voltou a reabrir em 1º de julho, e com atividade reduzida. Um novo confinamento foi imposto no final de julho, mas durou apenas cinco dias em razão da explosão -- após a tragédia, milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra o governo e pedir reformas. O governo do primeiro-ministro Hassan Diab renunciou dias após a explosão.
As autoridades temem que o setor da saúde tenha dificuldades para responder a um novo pico de infecções pelo corovírus, especialmente porque alguns hospitais perto do porto, além de lotados, também foram seriamente danificados.
O reconfinamento não afetará os esforços de limpeza e resgate nos bairros mais afetados pela explosão, segundo as autoridades. Lojas de alimentos, supermercados e outros comércios poderão funcionar, mas com medidas preventivas.
A pandemia de covid-19 apenas acentuou a crise econômica sem precedentes no Líbano, com alta da inflação, restrições draconianas às retiradas de dólares e milhares de pessoas que perderam seus empregos ou grande parte de sua renda.
Mesmo antes da explosão de uma enorme quantidade de nitrato de amônio armazenada no porto - o que provocou a ira dos libaneses, que acusam as autoridades de serem responsáveis por sua negligência - o índice da população considerada pobre dobrou com a crise, de acordo com estimativas da ONU.
A explosão em porto de Beirute provocou danos estruturais a muitos edifícios. Sentado em sua oficina de carpintaria, em um distrito de Beirute longe do porto, Qassem Jaber, de 75 anos, não vê como outro confinamento seria útil. "Não há trabalho. As pessoas não têm dinheiro e não têm nada para comer", diz.
O comerciante está determinado a permanecer aberto para ajudar as pessoas a reconstruírem suas casas. "O que o coronavírus tem a ver? Estamos superando", acrescentou.
Para este muçulmano xiita, o Hezbollah agiu bem, convocando seus apoiadores a evitarem grandes reuniões este ano por ocasião do Ashura, que comemora o martírio do ímã Hussein, neto do profeta Maomé, um dos eventos fundadores do Islã xiita.
Normalmente, milhares de xiitas se reúnem nas ruas para as comemorações, que acontecem na sexta-feira. Mas o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, ordenou que as comemorações públicas fossem suspensas devido ao ressurgimento da epidemia.
"A situação saiu do controle, há muitos casos e os hospitais não podem mais lidar com isso", afirmou Nasrallah na segunda-feira, instando seus partidários a simplesmente colocarem bandeiras pretas na frente de suas casas e empresas para marcar o evento.
"Eles cancelaram o Ashura para que ninguém fosse infectado", aponta Jaber. "Todos os dias, temos 100, 200, 300 novos casos. Se eles mantivessem o Ashura, todos estariam colados uns aos outros. Não seria bom", acrescentou.