Eleitores votando antecipadamente nesta semana, em Iowa: quase 4 milhões de pessoas já votaram nos EUA (Rachel Mummey/Bloomberg)
Carolina Riveira
Publicado em 6 de novembro de 2020 às 16h28.
Última atualização em 6 de novembro de 2020 às 17h43.
A eleição americana chega nesta sexta-feira a seu terceiro dia de apuração na disputa entre Donald Trump e Joe Biden. Ainda que as projeções se confirmem e o democrata Joe Biden atinja 270 votos no colégio eleitoral, os votos pelo correio têm sido contestados pelo presidente Donald Trump e a apuração pode se arrastar para uma batalha judicial.
A demora no anúncio do vencedor desde a votação, que terminou na terça-feira, 3, tem feito brasileiros -- que costumam saber os resultados horas depois do fechamento das urnas -- fazerem piadas na internet com o sistema americano.
E atiçou a curiosidade: as buscas por "como funciona a eleição americana" triplicaram na comparação com a última eleição em 2016, segundo a empresa de dados de redes sociais Decode, com base em dados do Google.
Os EUA são donos da democracia moderna mais longeva do mundo, que funciona desde 1789. Entre as democracias mais antigas, nos séculos 18 e 19, estão sobretudo os países da Europa Ocidental e o Canadá. Já os demais países começaram a adotar o modelo democrático moderno já no século 20, a maioria depois da Segunda Guerra Mundial.
Os americanos têm um sistema eleitoral praticamente único no mundo, em que o presidente em um modelo não parlamentarista é eleito por voto indireto. O formato vem de sua primeira e até hoje única Constituição. Cada um dos 50 estados (mais o Distrito de Colúmbia) têm uma certa quantidade de votos dos 538 que compõem o chamado colégio eleitoral -- a Califórnia é a que mais tem votos, 55. O candidato vencedor precisa de 270 desses votos.
Assim, há "51 eleições" diferentes: quem ganha a maioria em um estado leva todos os votos do colégio eleitoral, não importa o quão apertada seja a eleição. As únicas exceções são Maine e Nebraska.
A eleição de 2020 não é o único caso de demora americana em divulgar o vencedor. Outro exemplo clássico no país são as eleições de 2000, em uma disputa acirrada na Flórida entre George W. Bush e Al Gore. Bush venceu com pouco mais de 500 votos, mas em meio às disputas judiciais, o resultado demorou cinco semanas até ser oficializado -- após desistência de Gore.
Abaixo, listamos como funciona o modelo eleitoral em alguns outros países e os principais fatos sobre eles, segundo as legislações compiladas pela organização ACE Electoral Knowledge Network.
É mais comum que votar seja voluntário, o que acontece em 85% dos mais de 200 países avaliados pela ACE. O voto obrigatório, como no Brasil, é menos comum e só acontece em 33 países estudados, a maioria dos sul-americanos, alguns africanos, na China e na Austrália.
Ainda que votar não seja obrigatório, em metade dos países do mundo (quase todos os europeus e sul-americanos) é obrigatório ao menos se registrar como eleitor, mesmo para quem não vai votar. A questão é que, na maioria dos países, esse registro eleitoral é "imperceptível" porque é automático e via censo do país, como no Brasil e em boa parte dos europeus.
Mas em outros o próprio cidadão tem de se registrar para votar. Mesmo nesses lugares, há casos como Nova Zelândia e Reino Unido, em que o cidadão é obrigado a se registrar mesmo que não vá votar. Já nos EUA e no Canadá, o cidadão precisa se registrar só caso queira votar. Mas o registro não automático vem sendo um dos pontos mais questionados nesta eleição americana, em que sobretudo o Partido Democrata acusa os republicanos de estarem dificultando o registro de eleitores.
Na maioria dos países da América do Sul, África e Oriente Médio, é uma autoridade nacional especificamente eleitoral quem cuida do registro dos eleitores. Na Europa Ocidental, é o próprio governo quem faz o registro, sem um órgão eleitoral específico.
Nos EUA, cada estado tem suas regras de votação e, como se viu nos últimos três dias, também de apuração. Ao contrário de países como o Brasil, os EUA também não têm uma autoridade eleitoral nacional para a apuração dos votos, como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) brasileiro. O modelo fragmentado de divulgação dos resultados faz os americanos precisarem do compilado dos veículos de imprensa para acompanhar a apuração nacionalmente.
O voto de papel é o mais comum. Um total de 209 dos 227 países estudados pela ACE usam cédulas de papel, mas há neste grupo países onde o sistema é misto, parcialmente eletrônico (como na Índia e nos EUA); os casos mais peculiares são Suíça e Canadá, onde é possível até votar pela internet.
Só 12 países permitem votação de cidadãos menores de 18 anos em eleições nacionais, como fazem Brasil e Argentina; a idade mínima na maioria dos lugares é de 18 anos.
Um quarto dos países usava voto pelo correio antes da pandemia, total ou parcialmente. Além dos EUA, estão nesse grupo quase todos os países da Europa Ocidental.
Um caso clássico é na Suíça, onde o país inteiro pode votar pelo correio, com duas semanas de antecedência. Nos EUA, cada estado define suas regras e datas e quem será elegível para votar à distância.
Para eleger o chefe de Estado, o sistema de eleição direta, em um ou dois turnos, é o mais comum. É como no Brasil, em que o presidente é eleito com voto direto da população, com eleição em um ou dois turnos. No Brasil e no resto da América do Sul, além de outros lugares, o chefe de Estado é também o chefe de Governo.
Já nos modelos parlamentaristas, comum nos países europeus, o chefe de Governo costuma ser o primeiro-ministro, que é escolhido pelo Parlamento, este sim eleito pela população. É comum que o primeiro-ministro seja o líder de um partido que teve muitos votos populares e cuja coalizão foi vencedora.
Há ainda casos de países não parlamentaristas, como a França, em que o presidente é chefe de Estado (neste momento, Emmanuel Macron) mas há também um primeiro-ministro, que é chefe de Governo. Mas, ao contrário dos países parlamentaristas, o premiê é escolhido indiretamente, no geral pelo presidente. Também é o caso da Rússia, onde o atual presidente Vladimir Putin pode escolher seu primeiro-ministro.
Contagem de votos: O voto é facultativo e o país também usa cédulas em papel e faz contagem manual dos votos. Como nos EUA, é possível votar de forma antecipada pelo correio, mas a regra vale para o país inteiro.
Sistema político: A Suíça funciona no sistema proporcional, e eleitores elegem as duas câmaras no Parlamento. Não há um presidente, mas um órgão executivo chamado de Conselho Federal, com sete membros escolhidos pelos parlamentares.
Uma curiosidade é que os eleitores também têm a possibilidade de escolher diversos candidatos de seu "cantão" (os distritos na Suíça) para o Parlamento, em vez de só um como costuma ser no resto do mundo. Assim, se seu cantão tem 10 representantes, ele pode simular como gostaria que fossem preenchidas as 10 vagas, embora nem todos façam isso, porque preferem aumentar a chance de eleição somente de seus candidatos preferidos.
Contagem de votos: O voto é facultativo e em papel, e a urna eletrônica parou de ser usada em 2005. As cédulas costumam ser contabilizadas em poucas horas.
Sistema político: Para formar o Parlamento, o Bundestag, os cidadãos votam duas vezes, em um parlamentar de seu distrito e em um partido, em um modelo de representação proporcional mista. A proporção da legenda no voto partidário indica quantas cadeiras pode-se ocupar no parlamento.
O Parlamento formado, então, escolhe o chanceler, que é o chefe de governo, enquanto o presidente é o chefe de Estado e com funções mais cerimoniais.
Como nos demais sistemas parlamentaristas da Europa e do mundo, geralmente o partido mais votado no sistema de representações elege seu líder como chanceler. A atual chanceler, Angela Merkel, é líder de seu partido, a União Democrata-Cristã (UDC), e escolhida chanceler em coalizão com outros partidos conservadores.
Contagem dos votos: O voto é facultativo, mas o registro é automático. Os eleitores votam em papel, numa cédula praticamente branca onde escrevem eles próprios o nome do candidato.
Sistema político: Como na Alemanha, os eleitores votam no Parlamento, com um voto no partido e outro em um representante de seu distrito. A coalizão mais votada escolhe o primeiro-ministro. Depois, o premiê é anunciado formalmente pelo imperador. São 295 distritos, que elegem um representante cada. Outros 180 assentos da câmara são preenchidos pelo sistema de representação mista.
(Com Thiago Lavado)