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Bolsonaro não terá autoridade política para imitar Trump, diz Peter Hakim

Em entrevista a EXAME, presidente do centro Diálogo Interamericano comentou a eleição 2018 e alertou para o perigo que a democracia brasileira enfrenta

Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência da República (Ricardo Moraes/Reuters)

Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência da República (Ricardo Moraes/Reuters)

Gabriela Ruic

Gabriela Ruic

Publicado em 8 de outubro de 2018 às 11h38.

Última atualização em 8 de outubro de 2018 às 11h55.

São Paulo – “Chocante. Inimaginável”, é assim que o cientista político americano Peter Hakim descreveu o resultado do primeiro turno da corrida presidencial no Brasil que consagrou Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) como os finalistas na disputa. O segundo turno das eleições 2018 está marcado para acontecer em 28 de outubro.

Hakim é presidente emérito de Diálogo Interamericano, organização não-governamental que é um dos maiores e mais respeitados centros de análise e debate sobre a política externa na América Latina, e concedeu uma entrevista por escrito a EXAME na qual avaliou o contexto atual do país e o cenário de um possível governo de Bolsonaro.

Segundo o seu diagnóstico, só um “milagre genuíno” é capaz de eleger Haddad e teme que um governo Bolsonaro seja “extremamente fraco”. Além disso, nota que o candidato do PSL não terá a autoridade política para conseguir imitar os feitos do presidente americano Donald Trump, figura com a qual o brasileiro é frequentemente comparado. Sobre a democracia no Brasil hoje, deixa alerta: “ela corre um grande perigo – e tem poucos defensores poderosos”.

Abaixo, confira a entrevista completa.

EXAME - Como você vê os resultados do primeiro turno das eleições 2018? O que ele nos mostra?

Peter Hakim – Chocante. Inimaginável. Não ele, não no Brasil, a mais moderada das nações da América Latina. O resultado mostra, em primeiro lugar, como estava errada a intuição de dos analistas brasileiros e estrangeiros no ano passado, quando a maioria previa que Bolsonaro fracassaria, que o Brasil não era uma sociedade altamente polarizada, pronta para votar na extrema-direita, que a maioria dos brasileiros rejeitaria o extremismo e o ódio que o candidato estava vomitando.

Segundo, o resultado sugere que os eleitores brasileiros não são mais compassivos, moderados ou tolerantes com as diferenças políticas, raciais e religiosas que eleitores de outros lugares do mundo – e que os brasileiros votam para defender o que percebem ser seus interesses pessoais e de suas famílias e não em valores ou normas mais abrangentes.

Terceiro, a distribuição dos votos precisa ser melhor avaliada, mas me parece sugerir que classe e diferenças regionais desempenharam um papel descomunal no comportamento eleitoral no Brasil.

Por fim, me parece que os eleitores brasileiros são similares aos eleitores do restante da América Latina, dos Estados Unidos e da Europa no sentido de que, uma vez decidido o candidato, positivamente ou negativamente, novas informações são interpretadas de modo a confirmar suas crenças, são consideradas irrelevantes ou até falsas.

EXAME – O que podemos esperar da corrida eleitoral daqui em diante?

Peter Hakim – A não ser que testemunhemos uma ruptura massiva e inesperada (talvez um milagre genuíno) nas próximas três semanas, Bolsonaro será eleito o presidente do Brasil. Embora ainda seja matematicamente possível que ele perca, as chances de que isso possa acontecer são remotas.

Ele precisa vencer com apenas um a cada dez votos dados aos outros candidatos além de Fernando Haddad (PT). Na Argentina e na Costa Rica, por exemplo, não teríamos segundo turno. Seu desempenho nesse primeiro turno seria suficiente para declará-lo presidente. Lembrando que Bolsonaro tem uma narrativa de campanha muito mais potente que Haddad.

O ex-capitão do Exército precisa apenas continuar repetindo uma pergunta simples: “por que alguém desejaria trazer ao poder o mesmo partido e os mesmos políticos responsáveis pelas condições deploráveis no Brasil hoje? ” Não importa quão simplistas, erradas ou ineficientes suas soluções possam ser, Bolsonaro tem a agenda e a mensagem que funcionaram brilhantemente até aqui.

A estratégia de Haddad, em contraste, não tem muito conteúdo. Se limitou majoritariamente em identifica-lo com Lula e reforçar que a vitória traria o Brasil de volta ao passado idílico em que Lula um dia foi o líder. E isso me parece uma fantasia no Brasil de hoje. Haddad precisa de um milagre.

EXAME – Como você enxerga um possível governo do Senhor Jair Bolsonaro?

Peter Hakim – Muito incerto e difícil de prever. Minha própria expectativa é a de que será um governo extremamente fraco. Bolsonaro tem pouquíssimas conquistas em seu nome e não parece ser um líder. Ele também não tem experiência em gerenciar assuntos políticos ou em ter dirigido qualquer tipo de empreendimento ou organização. Ele admite sua ignorância sobre economia e comércio, áreas imensamente desafiadoras que estão confrontando o Brasil.

Minha percepção é a de que as direções políticas e econômicas serão ditadas pelos tradicionais detentores do poder, especialmente aqueles na direita conservadora de quem Bolsonaro depende. Neste grupo está o setor do agronegócio, comércio, finanças, indústrias, empresários de médio porte, líderes do Congresso, autoridades locais e estatais, líderes religiosos e as forças armadas.

Se esse cenário estiver correto, a ameaça às instituições brasileiras, a economia, progresso social e serviços públicos virá de uma liderança política excessivamente poderosa, centralizada, sem a menor ideia clara sobre onde está indo.

Bolsonaro não terá a autoridade política ou o controle sobre o maquinário que são necessários para imitar líderes como Donald Trump (Estados Unidos), Vladimir Putin (Rússia) ou Tayyip Erdogan (Turquia). O risco, na realidade, é um governo fraco, errático e incompetente que simplesmente não tem poder, estratégia ou competência para desenvolver ou implementar uma agenda séria na política, economia e segurança.

Acho difícil imaginar que seu governo tenha a habilidade para montar um programa que efetivamente atenda à atual teia de problemas que o Brasil enfrenta – como restaurar a disciplina fiscal da economia, remover obstáculos para expandir o comércio e investimentos, sustentar os esforços anticorrupção.

EXAME – Como você percebe a democracia no Brasil neste momento?

Peter Hakim – A democracia brasileira foi gravemente ferida, está profundamente angustiada e continuando a se deteriorar. Essa eleição um dia foi vista como um potencial caminho para o Brasil superar seus traumas. Contudo, em vez disso, focou uma luz forte em muito do que está errado com a democracia e o Estado de Direito no Brasil, sem que se abrisse o curso para soluções realistas.

A polarização do eleitorado, a lista fraca de candidatos, o rechaço dos eleitores ante todos eles (mesmo aqueles nos quais votaram) e a maldade das campanhas presidenciais são sinais alarmantes de uma democracia extremamente cansada. A corrupção erodiu a integridade, a qualidade, a credibilidade e a eficiência de todas as instituições públicas no Brasil – e é um fator imperativo na desconfiança da população sobre as autoridades do país e todas as suas instituições. Mesmo no Judiciário, que fez os maiores esforços contra a corrupção que qualquer outro país da América Latina.

Uma economia fraca, vacilante e incerta combinada com desemprego, queda na renda e nos programas sociais, os altos índices de mortes violentas e outros crimes contribuem para a desconfiança, o pessimismo e empurra os brasileiros em direção ao desespero. Agora, com um presidente que tem pouco interesse na democracia, direitos humanos, integridade constitucional ou Estado de Direito, a democracia brasileira corre um grande perigo – e tem poucos defensores poderosos.

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