Soldado colombiano em Antioquia, onde autoridades se encontraram nesta semana: cinco anos do acordo colombiano com as Farc (JOAQUIN SARMIENTO/AFP via Getty Images/Getty Images)
Carolina Riveira
Publicado em 24 de novembro de 2021 às 06h00.
Em 24 de novembro de 2016, o ex-presidente colombiano Juan Manuel Santos assinava um histórico acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Meses depois, o feito renderia também a Santos o prestigiado prêmio Nobel da Paz, pelo fim de uma guerra civil de meio século entre o governo colombiano e a guerrilha.
Fruto de quatro anos de negociações em Havana, Cuba, o acordo de 2016 ainda é considerado um marco na história recente da Colômbia, ao mesmo tempo em que trouxe uma série de decepções desde então.
Os feitos e desafios pós-acordo são lembrados nesta quarta-feira, 24, aniversário oficial da assinatura. Dentre os eventos que marcarão a data, autoridades como o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, estão em território colombiano nesta semana para reuniões com políticos, vítimas das Farc e ex-membros da guerrilha, e para observar o andamento da implementação das promessas do acordo.
Nesta terça-feira, 23, Guterres visitou uma das regiões de atuação das Farc, se encontrou com o presidente colombiano, Iván Duque (radicalmente contra o acordo implementado pelo antecessor), e com o último líder da guerrilha, Rodrigo Londoño "Timochenko".
No geral, observadores internacionais apontam frentes positivas como o fim do conflito armado após mais de 50 anos e o reestabelecimento de parte dos guerrilheiros à sociedade.
Cumprindo um dos pontos do acordo, parte dos membros remanescentes das Farc viraram um partido legalizado sob a condição de deixar para trás os episódios de violência - a legenda mudou de nome no ano passado, passando a se chamar Comunes.
(Também nesta semana, o governo dos EUA anunciou que está avaliando retirar o grupo da lista de terroristas do país.)
Em 2017, as Farc entregaram suas armas e, em 2019, elegeram seu primeiro prefeito. Apesar disso, não houve anistia irrestrita, e vários membros tanto das Farc quanto do Estado colombiano têm tido de comparecer à Justiça para prestar esclarecimentos por crimes passados cometidos na guerra.
Mas a data de hoje também deixa latente os desafios que ainda restam, sobretudo no direito à segurança da população rural colombiana. Em muitos lugares antes controlados pelas Farc, a retirada da guerrilha não foi suficiente para que o governo colombiano se fizesse presente nas regiões.
"O vácuo de poder deixado pela desmobilização das Farc levou a disputas territoriais entre grupos armados novos e existentes", diz a Acnur, agência de refugiados da ONU, na descrição sobre os resultados do acordo.
A Colômbia segue como um dos países do mundo com mais refugiados internos. Todos os meses, dezenas de civis e líderes comunitários ainda são mortos, feridos ou vítimas de sequestro devido à violência na Colômbia.
O Conselho Norueguês para os Refugiados, organização não-governamental, pediu a países como EUA, Canadá, União Europeia ampliem doações para ajudar os refugiados colombianos.
Um dos desafios é uma melhor distribuição de terras para plantio em regiões rurais e apoio estatal para pequenos agricultores, pontos que eram presentes no acordo de modo a garantir que a economia de locais antes controlados pela guerrilha funcione sem atividades ilegais, como o fornecimento de cocaína.
Com as promessas de ampliar o desenvolvimento das regiões afetadas não cumpridas, muitos ex-guerrilheiros também voltaram a pegar em armas, e o novo partido dos ex-Farc está longe de ser uma unanimidade.
"Atrasos e problemas decorrentes da implementação do acordo de paz, como a substituição voluntária de plantações ilícitas ou o desenvolvimento local, aumentaram a incerteza em um ambiente onde o estado permanece fraco", disse a Acnur.
Como o Brasil, a Colômbia vai às urnas para escolher um novo presidente no ano que vem. E para além dos desafios inerentes à violência, há uma boa dose de enfrentamentos políticos que atrapalham a pacificação colombiana.
O atual presidente Iván Duque e seu padrinho político, o ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010), ambos à direita, criticam o acordo, que avaliam como brando com as Farc. "Em nome da paz, como disseram, deram impunidade absoluta a grupos terroristas, e o que isso fez foi criar mais violência", disse Uribe em entrevista anterior à EXAME.
Já o ex-presidente Santos classifica parte das falhas dos últimos anos como falta de vontade política do governo atual para concretizar pontos do acordo, e afirmou nesta semana que ainda resta ao presidente Iván Duque "tempo para unir o país em torno da implementação" do que foi acordado com as Farc.
Santos, também alinhado à direita, foi eleito por ser aliado político de Uribe, mas as partes romperam depois de 2016.
Enquanto isso, a Colômbia lida ainda com a crise econômica intensificada pela covid-19. Após um começo de vacinação lento, há hoje 68% da população vacinada, mas só 46% com a vacinação completa (no Brasil, são 60% totalmente vacinados). O país de 51 milhões de habitantes teve mais de 128.000 mortos oficialmente pela pandemia.
Para além do coronavírus, o governo colombiano foi também amplamente criticado pela violência policial em protestos de rua neste ano — que começaram por uma reforma tributária que aumentaria impostos de forma pouco progressiva, e se ampliaram para pautas como desemprego e desmilitarização da polícia. Os atos deixaram mais de 60 mortos, a maioria civis.
Tudo somado, a aprovação do governo Duque baixou à casa dos 20% neste segundo semestre.
Hoje, nas sondagens para as eleições de 2022, é quase certo que o senador Gustavo Petro, de esquerda, estará no segundo turno - sua eleição seria inédita no país em 20 anos, uma vez que a Colômbia é controlada pela direita desde o primeiro governo Uribe.
Por lei, o presidente na Colômbia não pode se reeleger, de modo que, sem Duque na disputa, uma série de candidatos de centro e direita disputam entre si para tentar chegar ao segundo turno contra a esquerda. As distintas visões sobre as Farc devem se enfrentar, assim como os debates sobre emprego, desigualdade e questões agrárias, diretamente ligadas à violência que ainda assola o país.