HOMENAGEM A VÍTIMAS EM LONDRES: cada vez mais, a identidade “muçulmano” aparece como em oposição ao Ocidente. Esse é o verdadeiro perigo / Darren Staples/ Reuters
Da Redação
Publicado em 23 de março de 2017 às 19h19.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h08.
Lourival Sant’Anna
Ao receber a notícia do atentado que deixou quatro mortos (incluindo o autor) e 40 feridos em Londres nesta quarta-feira, a primeira pergunta na mente de quem acompanha o tema do terrorismo mais de perto não é por que nem como a capital britânica foi atacada, mas como conseguiu evitar isso até agora. Mais fiel aliada dos Estados Unidos, a Grã-Bretanha exerce um papel importante nos bombardeios contra o Estado Islâmico (EI) e outros grupos terroristas, e na Europa é o segundo país de origem dos combatentes radicais na Síria e no Iraque — depois da França.
“Na verdade é um pouco surpreendente que não tenha ocorrido antes”, constata Steve Hewitt, pesquisador de terrorismo na Universidade de Birmingham. As oito prisões de suspeitos — três mulheres e cinco homens — nesta quinta-feira ocorreram em Londres, onde 12% da população é muçulmana, e em Birmingham, onde essa fatia é de 22%. Na Inglaterra e no País de Gales, eles são 5%.
Nas redes sociais, seguidores do EI celebraram o atentado como vingança pelos bombardeios britânicos contra alvos do grupo em Mossul, no Iraque. Alguns posts traziam uma montagem com a torre do Big Ben, no Parlamento britânico, em chamas, lembrando o ataque contra as Torres Gêmeas, em Nova York, em setembro de 2001, e os dizeres: “Em breve. Nossa batalha contra sua terra não começou ainda. Só esperando para chegar aí”.
No último ano e meio, o EI vem fazendo repetidas ameaças à Grã-Bretanha. O vídeo no qual reivindicou os atentados de Paris, que mataram 130 pessoas, terminou afirmando que o país era seu próximo alvo. Alex Younger, diretor do MI6, o serviço secreto britânico no exterior, informou em dezembro que as agências de inteligência e as forças de segurança haviam evitado 12 atentados desde junho de 2013. Nos últimos 17 anos, foram três ataques bem-sucedidos na Grã-Bretanha, deixando um total de 64 mortos.
O atentado de ontem, em que Khalid Masood, de 52 anos, lançou um Hyundai i40 contra pedestres na Ponte Westminster e depois matou a facadas um policial desarmado na entrada do Parlamento, antes de ser abatido por outros policiais, foi o mais sangrento desde 2005, quando atentados a bomba no metrô de Londres deixaram 52 mortos.
Londres é um alvo óbvio não só pela participação do país em campanhas militares contra os grupos terroristas ou o expressivo contingente muçulmano de sua população, mas também pela importância da cidade como um dos símbolos da civilização ocidental. O impacto na economia britânica e na opinião pública mundial de um ataque em um ponto turístico como Westminster fica claro pela nacionalidade das vítimas: um dos três mortos era americano, e dos 29 hospitalizados, apenas 12 eram britânicos; os restantes, cidadãos da França, Romênia, Coreia do Sul, Grécia, EUA, Alemanha, Polônia, China, Irlanda e Itália.
“Terroristas procuram ter muitas pessoas assistindo”, diz Frank Foley, especialista em terrorismo do Departamento de Estudos da Guerra do King’s College, em Londres. “Isso pode ser ainda melhor do que ter muitas pessoas mortas.”
De acordo com o vice-supervisor da Polícia, Mark Rowley, cerca de 3.000 pessoas são consideradas potenciais terroristas na Grã-Bretanha. Dessas, em torno de 500 são alvo de investigações em andamento. Apenas uma pequena parte está sob vigilância física. Especialistas afirmam que são necessários entre 20 e 30 agentes para a vigilância completa de um indivíduo. De 2014 para cá, os investigadores têm feito em média uma prisão por dia.
O caso de Masood mostra o quanto isso significa procurar agulha num palheiro. Nascido no Natal de 1964 em Kent (a sudeste de Londres), ex-professor de inglês convertido ao Islã, Masood morava ultimamente em Birmingham (centro da Inglaterra) e teve muitas passagens pela polícia. Sua primeira condenação, em 1983, foi por “dano criminoso” e a última, em 2003, por posse de arma branca — uma faca, como a que ele usou para matar o policial Keith Palmer, de 48 anos, nesta quarta-feira. Obcecado por musculação, ele também foi condenado por lesão corporal e crime contra a ordem pública.
A primeira-ministra Theresa May disse que ele era uma “figura periférica”, que “não era parte do atual quadro da inteligência”. Embora tenha sido investigado no passado por ligações com terroristas, ele não estava entre os 3.000 suspeitos, segundo apurou o jornal The Guardian. “Masood não era objeto de investigações atuais e não havia informação prévia de sua intenção de realizar um ataque terrorista”, informou uma nota da Polícia Metropolitana.
Apesar das oito detenções desta quinta-feira, a polícia acredita que Masood atuou sozinho. Ao reivindicar o atentado, o EI disse que o seu autor era um “soldado” do grupo. Mas não mencionou seu nome, que não havia ainda sido divulgado pelas autoridades britânicas. Esse lapso sugere que Masood não teve contato com o EI, que costuma dar o máximo de detalhes de seus “soldados” quando reivindica atentados, para demonstrar que a ordem partiu do grupo.
Masood era o que se chama no jargão de “auto-radicalizado”. Esse dado torna o desafio de repressão ao terrorismo ainda mais difícil: um dos métodos mais eficazes de detecção de conspirações terroristas é a interceptação das comunicações entre planejadores, facilitadores e executores. Se não há coordenação e contato, não há esse tipo de detecção. Nessa linha de raciocínio, a ameaça é reforçada pela simplicidade do ataque, que não contou com armas de fogo nem explosivos, mas com um carro e uma faca — objetos que não podem ser excluídos do nosso cotidiano.
O ministro das Relações Exteriores da Grã-Bretanha, Boris Johnson — por sinal, ex-prefeito de Londres —, fez nesta quinta-feira um apelo na ONU em Nova York, para que os provedores de internet e as redes sociais se esforcem mais para evitar a incitação ao terrorismo e a propaganda extremista: “Eles têm de olhar o material que está subindo nos sites deles, têm de adotar medidas para vigiar, para derrubar sempre que possam”.
Já o vice-supervisor da Polícia exortou a população a denunciar qualquer atitude suspeita. Segundo Mark Rowley, a contribuição dos cidadãos tem sido “extraordinária”. O disque-antiterrorismo recebeu 22.000 ligações nos últimos 12 meses — mais do dobro do ano anterior. “As informações vão desde mudanças no comportamento de alguém até atividades suspeitas. Às vezes uma denúncia dá início a uma investigação. Às vezes corrobora ou acrescenta a algo que já sabemos.” A polícia distribuiu para a imprensa um podcast com histórias de denúncias que ajudaram em investigações. Numa delas, um professor visitante estrangeiro informou a direção da escola depois que um aluno lhe fez perguntas detalhadas sobre que tipo de bactérias podem ser usadas para matar pessoas.
O atentado desta quarta-feira reabriu uma discussão na Grã-Bretanha sobre se o país não é excessivamente frouxo com a segurança. A facilidade com que Masood chegou ao portão do Parlamento, que costuma ficar aberto por causa do entra-e-sai de carros, o fato de a primeira-ministra estar lá no momento, e de o policial morto estar desarmado, levam uma parte dos especialistas a exigir mais medidas de segurança. May foi colocada às pressas num carro por agentes a paisana e levada para seu gabinete próximo ao Parlamento.
Há mais de dois anos, o nível de ameaça de um ataque terrorista no país é considerado pelas autoridades como “grave”, o que significa que ele é altamente provável. O EI é considerado a principal ameaça, mas a Al-Qaeda e ultra-nacionalistas — como o que matou no ano passado a deputada trabalhista Jo Cox, que fazia campanha pela permanência da Grã-Bretanha na União Europeia — também são preocupações.
Assim como os Estados Unidos, a Grã-Bretanha proibiu a partir desta terça-feira o embarque de laptops, tablets, DVD players, câmeras fotográficas, videogames e outros aparelhos eletrônicos em voos provenientes do Egito, Amã, Kuwait, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Marrocos e Turquia. Somente celulares e aparelhos médicos são permitidos na cabine dos aviões. O restante tem de ser despachado. A medida foi uma resposta à suspeita de que a Al-Qaeda na Península Arábica (AQAP) desenvolveu um explosivo não-metálico que se encaixa como se fosse uma peça nesses aparelhos. Um dispositivo desses foi usado em fevereiro do ano passado em um atentado em um vôo da Daallo Airlines, que partia da capital da Somália, Mogadiscio, para Djibuti.
As investigações indicaram que o explosivo, que matou o passageiro (cadeirante) que o trazia e forçou o avião a voltar para Mogadiscio, estava dentro de seu laptop. O atentado foi reivindicado pelo grupo somali Al-Shabaab, ligado à (AQAP). No mês seguinte, um dispositivo parecido explodiu em um laptop antes do embarque na cidade somali de Beledweyne. Especialistas da consultoria de segurança Stratfor acham que se tratava de testes coordenados pela AQAP. O fato de os EUA e a Grã-Bretanha proibirem seu embarque indica a hipótese de ameaça iminente de ataque, conclui relatório da Stratfor.
Alex Younger, diretor do MI6, o serviço secreto britânico, afirmou em dezembro que a Grã-Bretanha sofre um nível de ameaças terroristas “sem precedentes”, que inclui não só atentados convencionais mas também ataques cibernéticos. Ele disse que o EI conta com uma “estrutura de planejamento de ataque externo altamente organizada”, que lhe permite promover atentados “sem ter de sair da Síria”, e concluiu: “Não podemos estar seguros contra as ameaças que emanam daquela terra a menos que acabe a guerra civil”.
Nem os conflitos no Oriente Médio nem o terrorismo têm data para acabar.