Mercados

O boom foi artificial? O que esperar das varejistas e os desafios à vista

Supermercados e varejistas digitais devem voltar a apresentar resultados fortes, mas, com fim do auxílio emergencial no radar, horizonte segue nebuloso

Compras online: pandemia revoluciona operações do setor e varejo digital ganha pelo menos 7,3 milhões de novos clientes no país (The_burtons/Getty Images)

Compras online: pandemia revoluciona operações do setor e varejo digital ganha pelo menos 7,3 milhões de novos clientes no país (The_burtons/Getty Images)

GG

Guilherme Guilherme

Publicado em 27 de outubro de 2020 às 17h47.

Última atualização em 27 de outubro de 2020 às 18h54.

A temporada de balanços do terceiro trimestre já está a pleno vapor, com resultados do Santander, CSN e Klabin já divulgados, mas, pelo menos para as varejistas, ela só irá começar nesta quarta-feira, 28, com o balanço do Grupo Pão de Açúcar (GPA) após o encerramento do pregão. É hora de seguir investindo em ações de varejo? Monte a melhor estratégia com os especialistas da EXAME Research.

Passado o boom do início da pandemia, quando famílias chegaram a fazer estoques de alimentos dado o grau de incerteza provocado pelo coronavírus, a expectativa é que os resultados dos grupos de supermercados Pão de Açúcar e Carrefour comecem a se normalizar. Pelo consenso de mercado, eles devem vir fortes, mas não muito acima do que já vinha sendo apresentado. O que deve continuar crescendo em ritmo acelerado, segundo analistas consultados pela EXAME, é o ritmo das vendas online do setor.

No segundo trimestre, as vendas digitais de produtos alimentares do GPA haviam crescido 274% em relação ao do mesmo período de 2019 e as do Carrefour, 377%. Para Pedro Serra, gerente do Research da Ativa Investimentos, o hábito de fazer compras online em supermercados deve se tornar cada vez mais comum, o que deve manter esses números altos. “Ninguém tem prazer em comprar produto de limpeza na loja. É uma coisa que pode fazer por celular e, se funcionar bem e o preço for razoável, o consumidor vai voltar a fazer. Mas, a tendência é os supermercados voltarem ao que eram antes da pandemia”, comenta.

Os sinais dessa tendência já são observados nos últimos dados de vendas no varejo divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em agosto, o segmento apresentou queda de 2,4% no volume de vendas, ainda que tenha acumulado alta de 6,7% nos oito primeiros meses do ano. A inflação dos alimentos também é outro fator a se observar, segundo Bruno Lima, analista de renda variável da EXAME Research. “No curto prazo, o consumidor tende a trocar para marcas mais baratas. Em vez de pegar um arroz premium, pega outro. Isso até pode favorecer os produtos dos próprios supermercados, que trazem uma margem maior, mas pode ter piora de receita”, afirma.

Lima, por outro lado, acredita que as vendas online devem continuar ganhando força não só entre os supermercados, mas no varejo como um todo. “Uma parte desse fenômeno veio para ficar. Agora o consumidor entendeu que não tem mistério. Ele precisava se sentir tranquilo para fazer compras nesse ambiente e a pandemia ajudou nisso”, diz.

Varejo digital

De acordo com a consultoria Nielsen, 7,3 milhões de brasileiros fizeram compras online pela primeira vez no primeiro semestre do ano, correspondendo a um crescimento de 40% no período. As companhias que mais se beneficiaram desse movimento, obviamente, foram aquelas que já estavam com canais de vendas digitais maduros, como Magazine Luiza, Via Varejo e B2W. A coroação pelo bom desempenho no período é evidente em suas próprias ações, que estão entre as que mais valorizaram no ano. Entre elas, a que mais subiu foi a do Magazine Luiza. Com alta de 111% no ano, o desempenho do Magalu na bolsa só está atrás dos papéis da WEG, que já subiram 143% desde o início de janeiro.

As vendas digitais do Magazine Luiza explodiram no segundo trimestre e chegaram a compensar as perdas com as lojas físicas, impulsionando as vendas totais a aumentar 49% em relação ao mesmo período do ano passado. A Via Varejo, que também divide suas operações entre varejo físico e digital, passou por processo semelhante, com crescimento anual de 280% de seu canal online. Mas diferentemente de sua concorrente, não conseguiu aumentar sua receita líquida.

Paloma Brum, economista da Toro Investimentos, acredita que os resultados dessas companhias irão continuar fortes no terceiro trimestre. “Elas tendem a continuar se beneficiando desse novo comportamento dos consumidores.” A economista também destaca os avanços no marketplace. “A pandemia acelerou a entrada de pequenos e microempreendedores para a plataforma dessas companhias. Essas empresas não tinham como vender em suas lojas físicas e precisavam de uma opção. E elas já tinham uma solução pronta. Isso deve seguir crescendo.”

Pelo consenso de mercado, as três companhias com forte exposição digital devem apresentar receitas superiores às do segundo trimestre. Apesar dos bons desempenhos, o mercado já discute se esse crescimento esperado já não estaria nos preços. Com a segunda maior alta do ano, as ações do Magazine Luiza estão com preço/lucro de 448 vezes. Ou seja, caso o lucro se mantivesse estável e ela distribuísse sua totalidade aos acionistas, demoraria 448 anos para recuperar o preço pago pelo ativo. O preço elevado, por sinal, foi um dos fatores que levaram a EXAME Research a reduzir o peso da companhia na carteira recomendada a clientes.

Vestuário

Atrasadas na digitalização das vendas, as varejistas de vestuário tentaram acelerar o desenvolvimento de suas plataformas online durante a pandemia. Mas ainda sofrem com a barreira cultural. “O setor de moda vai além da comodidade de comprar de casa. As pessoas gostam de experimentar, ver como ficou. Não é como comprar uma geladeira”, comenta Serra.

Por estarem atrás nesse processo e pela dificuldade adicional para promover as vendas em canais digitais, o desempenho do setor tem sido fraco tanto na parte operacional quanto na bolsa de valores. Entre as companhias listadas, todas acumulam perdas no ano. A Renner, tida como a que tem a melhor estrutura operacional, é a que tem o melhor desempenho na bolsa entre elas. Ainda assim, seus papéis vêm de perdas significativas de mais de 25%. Já as ações da Marisa, que têm o pior desempenho do segmento na bolsa, acumulam desvalorização de cerca de 45% no ano.

Com a reabertura das lojas no terceiro trimestre, é esperado que as varejistas de moda apresentem números bem superiores aos do trimestre anterior, mas ainda abaixo dos registrados no mesmo período do ano passado. Segundo os dados do IBGE, as vendas do setor de vestuário, tecidos e sapatos acumulavam queda de 33,4% até agosto. Por outro lado, o ritmo de recuperação vem acelerando, tendo atingido altas mensais de 27,9% em julho e 30,5% em agosto, quando as vendas ficaram apenas 6,5% inferiores às de agosto de 2019.

“A demanda pelo varejo de moda estava muito reprimida durante o período de isolamento social mais forte. A partir do terceiro trimestre, quando houve a reabertura de lojas, ainda que com horário de funcionamento restrito, houve demanda positiva para essas companhias, com as vendas evoluindo”, diz Brum. Apesar do aumento das vendas, Lima alerta para o efeito das promoções nesse período. “Algumas devem sentir pressão na margem bruta devido às atividades promocionais. O terceiro trimestre para elas deve ser melhor do que tem sido, mas ainda fraco.”

Incertezas futuras

Ainda que a dinâmica de resultados mude a depender do segmento, o fim do auxílio emergencial, que alavancou as vendas do varejo a patamares recordes, é visto como a principal ameaça ao desempenho futuro de todo o setor. “Isso tudo ainda é uma incógnita. Não se sabe se haverá outro programa no lugar, como o Renda Cidadã, ou qual será seu tamanho. Isso pode ter complicações em todas as ações do setor”, alerta Bruno Musa, sócio da Acqua Investimentos. Segundo ele, nesse cenário, os papéis que mais valorizaram, como os do Magazine Luiza e Via Varejo, “naturalmente, são os que têm mais espaço para devolver preço”.

Os temores sobre o fim do auxílio já ultrapassaram as barreiras do mercado e chegaram aos comerciantes. De acordo com dados da Fundação Getulio Vargas (FGV) divulgados nesta semana, em setembro, a confiança do comércio teve a maior queda em seis meses e a terceira maior desde 2015, pouco antes do impeachment de Dilma Rousseff.

No mercado, a situação é vista como uma encruzilhada para o governo, já que a extensão do auxílio ou a implementação de um novo programa social mais robusto pode seguir estimulando a economia, mas também agravar ainda mais a situação fiscal do país. “E mesmo se houver expansão de um programa social, é bem provável que o nível do varejo fique aquém do atual no ano que vem”, comenta Brum.

Outra incógnita que pode recair sobre o setor é como o mercado de trabalho irá se comportar no país. Segundo o IBGE, a taxa de desemprego, que segue crescendo na pandemia, atingiu 14% em setembro. E para a economista Paloma Brum essa taxa tende a aumentar ainda mais. “À medida que a economia reabre e o auxílio diminui, há uma busca natural por emprego e essas pessoas acabam entrando na estatística. Esse boom que vimos no varejo não é um crescimento natural.”

Para Lima, se continuar do jeito que está, a tendência é de piora do setor de consumo como um todo. “Por mais que reabram shoppings, lojas de rua, está tudo ainda muito parado. A economia do Brasil está dopada. O que estamos vendo no setor de consumo nos últimos meses não é, de forma alguma, o natural.”

Acompanhe tudo sobre:Açõesbolsas-de-valoresMercado financeiroVarejo

Mais de Mercados

Shutdown evitado nos EUA, pronunciamento de Lula e Focus: o que move o mercado

Dólar fecha em queda de 0,84% a R$ 6,0721 com atuação do BC e pacote fiscal

Entenda como funcionam os leilões do Banco Central no mercado de câmbio

Novo Nordisk cai 20% após resultado decepcionante em teste de medicamento contra obesidade