Varejo olímpico
Com atraso, crescem em São Paulo as megastores para os aficionados dos esportes
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h55.
Sexta-feira, 1 hora da tarde. Uma turma de oito adolescentes entra na megastore de esportes Centauro, no Shopping West Plaza, na zona oeste de São Paulo. Só um deles foi à loja com intenção de comprar: o auxiliar administrativo Anderson Chagas, de 18 anos, que tinha um jogo de futebol agendado para aquela noite e precisava de um tênis novo. Os amigos que o acompanhavam não foram apenas para dar palpites. Aproveitaram para se divertir em uma das três miniquadras que a Centauro deixa à disposição dos clientes para lazer e teste de produtos. Seguindo o exemplo de algumas grandes redes de livrarias e lojas de eletrodomésticos, a Centauro tem um objetivo claro: proporcionar lazer aos clientes para que passem o maior tempo possível na loja -- e gastem mais.
"A estratégia é fidelizar o cliente com entretenimento", diz o empresário Sebastião Bomfim, presidente da Centauro. "Queremos tornar o momento da compra especial, quase mágico." Bomfim afirma ter se inspirado não em uma rede específica, mas sim na tendência do varejo em geral de tentar conjugar compra com lazer. "Não basta colocar os produtos à venda", diz. "É preciso oferecer outros atrativos para entreter o consumidor."
A Centauro começou como uma microempresa em Belo Horizonte, há 20 anos. É hoje a maior rede de lojas especializadas em esporte no país. Seus 28 pontos-de-venda faturaram 90 milhões de reais no ano passado. Em São Paulo, a Centauro abriu cinco lojas nos últimos três anos -- que respondem por 23% da receita total. O crescimento da Centauro, que se acentuou a partir de 1995, acompanhou o desenvolvimento do varejo esportivo. Segundo um estudo realizado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) a pedido da Confederação Brasileira de Voleibol, a indústria do esporte movimentou no ano passado mais de 42 bilhões de reais. Desde 1995, o setor vem crescendo ao ritmo acelerado de 8,5% anuais.
Saraiva dos esportes
A chegada da Centauro a São Paulo, no fim de 1999, iniciou uma transformação no varejo esportivo da capital. Tradicionalmente, as lojas de esportes eram pequenas, com menos de 100 metros quadrados. Na maioria, lojas independentes, com exceção da pioneira Bayard, que atua no ramo há 47 anos e tem sete lojas na capital. Foi a Centauro que trouxe à cidade o conceito de megastore de esportes. São lojas com cerca de 2 000 metros quadrados, onde mais de 70 consumidores podem comprar com conforto ao mesmo tempo. "Fizemos com o esporte o que a Saraiva fez com as livrarias", compara Bomfim, referindo-se à rede que lançou em 1996 a moda das megastores culturais em São Paulo. A Centauro tem quatro grandes lojas na cidade e planeja abrir outras 12 no estado nos próximos dois anos.
O professor e economista Istvan Kasznar, que coordenou o estudo da FGV sobre a indústria esportiva, diz que o crescimento do formato de megastore ocorre com atraso no país. "Na Flórida, já se vêem shoppings e grandes magazines esportivos desde 1975", diz. A estratégia de promover a experimentação de produtos no ponto-de-venda está bastante disseminada nos Estados Unidos. Em suas enormes lojas, a REI, de Seattle, dispõe de rochas para o cliente fazer escalada esportiva, montes de terra para quem quiser provar botas e até rios artificiais para teste de caiaques. Cada esporte conta com um espaço próprio para experimentação.
A divisão dos produtos por modalidade esportiva é outro modelo adotado pela Centauro. Os corredores da loja reproduzem uma pista de atletismo. O cliente passa do futebol ao tênis, do judô ao surfe, da ginástica ao esporte de aventura. Há produtos com todo tipo de tecnologia -- e para todos os bolsos. A chuteira mais cara, que não tem costuras e pesa menos de 200 gramas, custa quase 500 reais. Uma bicicleta de fibra de carbono e liga de alumínio é vendida por 17 000 reais. Há também um macacão de natação que reproduz a pele de um tubarão: é feito sob medida e não sai por menos de 1 000 reais.
Toda essa sofisticação mostra como o mercado de artigos esportivos evoluiu nos últimos anos. Fred Wagner, sócio e diretor da rede paulistana Track & Field, diz que o desenvolvimento de tecidos inteligentes por empresas como Rhodia e DuPont favoreceu a diversificação e a especialização do setor. A Track & Field é outro exemplo de empresa que cresceu com a expansão do mercado esportivo. A rede foi criada em 1990 por Wagner e mais dois sócios, atletas que não encontravam roupas adequadas para a prática esportiva. Assim como eles, outros paulistanos estressados que viam no esporte uma válvula de escape e uma forma de melhorar a qualidade de vida não acharam no mercado os modernos -- e caros -- produtos que o esporte exigia. "Percebemos um nicho a ser explorado", diz Wagner. Cinco anos depois da inauguração da primeira loja, no Shopping Iguatemi, na zona sul da capital, a Track & Field iniciou sua expansão pelo país. A rede conta hoje com 27 lojas em sete cidades e cresce 25% ao ano.
Quem entra numa Track & Field em busca de uma simples calça de moletom ou shorts de náilon se surpreende com a variedade de produtos "inteligentes", como camisetas que não absorvem o suor, meias que previnem bolhas e maiôs que não estragam com o cloro da piscina. A estratégia de Wagner é fazer parcerias com indústrias. Assim, pode lançar itens exclusivos e apresentar as últimas novidades em suas lojas. A Track & Field está recebendo agora tecidos com fator de proteção solar, roupas com esferas de vidro que brilham à noite e camisetas com cápsulas de cheiro que são liberadas à medida que o atleta transpira. Para o consumidor entender o produto high tech que está comprando, todas as lojas da rede seguirão o modelo da moderna unidade do Iguatemi, onde 40 monitores de plasma explicam as funções dos diversos tecidos inteligentes. "Hoje, um consumidor de artigos esportivos encontra numa loja em São Paulo o mesmo produto que está nas vitrines da 5a Avenida, em Nova York", afirma Gumercindo Moraes Neto, diretor de marketing da Azaléia, dona da marca Olympikus -- carro-chefe da empresa e líder nacional no mercado de tênis esportivos.
Potencial paulistano
São Paulo é a vitrine da evolução do mercado de esportes no país. A cidade mergulhou de vez na onda de que "esporte faz bem à saúde". Segundo a pesquisa da FGV, há mais de 21 milhões de metros quadrados de espaços esportivos no estado, ou 37% do total do país. Só na capital são cerca de 1 000 academias, que, juntas, faturaram 240 milhões de reais em 2000. Há espaço para muito mais. "A prática de esportes urbanos em São Paulo está em franco crescimento, mas ainda é pequena para seu potencial", afirma Kasznar, da FGV. "Só 1,58% dos paulistanos fazem ginástica. Esse índice poderia chegar a 46%."
Muitas marcas da bilionária indústria esportiva enxergaram esse potencial. A Reebok Fitness, por exemplo, escolheu São Paulo para abrir as suas duas primeiras lojas de equipamentos esportivos no mundo. A italiana Fila instalou na metrópole a segunda loja da marca, depois de ter inaugurado a primeira em Milão. Seis em cada dez tênis Digital Personal Trainer -- modelo da Rainha que mede velocidade, tempo e distância percorrida -- são vendidos em São Paulo. O motivo? "O paulistano investe em tecnologia esportiva", diz o consultor Marcos Paulo Reis. Essa foi a razão que levou a Azaléia a lançar o tênis Olympikus Gravitor durante o Grande Prêmio de Fórmula 1 do Brasil, no ano passado. O modelo possui um sistema de amortecimento com um princípio similar ao dos chassis dos carros de corrida. Desenvolvido por um ex-engenheiro da Nasa, o tênis consumiu 3,5 milhões de dólares de investimentos e cinco anos de pesquisas. A empresa não divulga os resultados, mas já se prepara para ampliar sua capacidade de produção: a terceira fábrica do grupo está sendo erguida em Sergipe.