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O tae kwon do da LG

Em apenas seis anos, a empresa coreana já luta pelos primeiros lugares no mercado brasileiro de eletroeletrônicos. Qual é a sua receita?

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h55.

Em 1997, quando a fabricante coreana de produtos eletroeletrônicos LG começou a operar no Brasil, quase ninguém sabia que empresa era essa. Numa tentativa de divulgar os produtos da marca, um de seus executivos chegou a telefonar para uma rede de lojas a fim de marcar uma visita. Foi barrado pela telefonista. "Acho que o senhor está enganado", disse ela. "Aqui nós não mexemos com leite." A zelosa funcionária simplesmente havia associado a então desconhecida LG à Elegê, empresa de laticínios do Rio Grande do Sul.

Passados apenas seis anos, é difícil encontrar alguém minimamente informado que nunca tenha ouvido falar na LG. Nesse período, os coreanos foram conquistando espaço nas prateleiras do varejo e na casa dos consumidores. Neste ano, a LG espera faturar 600 milhões de dólares, cerca de 50% a mais do que em 2002. "Vamos terminar 2003 com mais aparelhos de TV comercializados do que a Philips", diz Breno Marcelino da Silva, diretor de vendas da LG. "Só ficaremos atrás da Semp Toshiba."

Diferentemente das enti dades que representam os seto res de automóveis e de supermercados, a associação dos fabricantes de eletroeletrônicos, a Eletros, que recebe os dados de vendas do mercado, não divulga números por empresa. Nenhum instituto de pesquisa audita esse mercado. Dá para dizer que a LG virou um incômodo para marcas tradicionais, como Philips e Sony? Dá. EXAME ouviu seis grandes varejistas do setor, entre hipermercados e redes de eletroeletrônicos. Todos confirmaram que a LG está pelo menos entre os três maiores fabricantes de TV, DVD e videocassete. Diante da confirmação, surge outra questão: como, em tão pouco tempo, uma marca completamente desconhecida dos brasileiros conseguiu se posicionar ao lado de outras que estão por aqui há décadas? Resposta rápida: com uma tática guerrilheira de marketing que inclui sacrifícios na rentabilidade para oferecer preços mais baixos e a militância até do presidente da subsidiária brasileira na hora de sentar à mesa para negociar com os varejistas.

A primeira investida veio logo que a LG se estabeleceu no Brasil -- os preços da marca coreana eram até 10% mais baixos do que os oferecidos por seus concorrentes. "Esse percentual é alto para produtos eletroeletrônicos tão parecidos entre si", diz Gelson Luiz Palavro, da rede gaúcha Lojas Arno. "Sem uma política de preços agressiva, o consumidor não levaria os produtos da LG para casa", reforça o consultor Eugênio Foganholo, especializado em varejo. "Não haveria estímulo para que ele deixasse de dar preferência a marcas já conhecidas."

Mas apenas preços baixos não bastavam. Era preciso que o pessoal da linha de frente, os vendedores que acabam convencendo o consumidor final a levar esta ou aquela marca, fossem treinados pela LG para saber explicar as características dos seus produtos. Esse tipo de treinamento nada custa para os lojistas, mas, mesmo assim, nos primeiros tempos da LG eles não queriam saber de liberar seu pessoal ainda que fosse por algumas horas -- achavam muito mais vantajoso e cômodo que permanecessem nas lojas, dedicando-se a oferecer as marcas já conhecidas.

Como os vendedores não iam à LG, então a LG foi até eles. Uma equipe de promotoras foi contratada especialmente para não arredar o pé das lojas. Elas passavam o dia inteiro na cola dos vendedores, aproveitando qualquer brechinha entre o atendimento a um consumidor e outro, tentando fazer a cabeça deles, catequizando-os sobre as virtudes da LG. "Elas mostravam até fotos da nossa fábrica em Manaus para provar que éramos uma empresa de verdade", conta Breno Silva. Fora do horário de trabalho, a LG levava os vendedores a shows de Ivete Sangalo como uma forma de agradar-lhes. "Nenhum outro fabricante tem uma atuação tão agressiva com esse pessoal", diz Marcelo Bazzali, diretor de comércio de eletrônicos do Pão de Açúcar.

Para convencer os lojistas a expor um aparelho de TV ou de DVD da LG no lugar de um tradicionalíssimo Philips ou Sony, a direção da empresa coreana foi à luta. No começo, os varejistas estranharam que o vice-presidente em pessoa viesse negociar preços e prazos de pagamento. A prática, nada usual nesse mercado, é adotada até hoje. "Sem dúvida a LG é a fabricante de eletroeletrônicos que tem os executivos mais próximos dos revendedores", diz Eldo Moreno, diretor-superintendente das Lojas Colombo, rede com mais de 300 pontos-de- venda espalhados pelo sul do Brasil e no estado de São Paulo.

Esse comportamento não mudou quando o coreano Choong Bong Cho desembarcou em São Paulo, em março do ano passado, para dirigir a LG. Antes de ser transferido para o Brasil, esse executivo de 49 anos, há 23 na empresa, trabalhou nas subsidiárias da LG na Inglaterra, França, Alemanha e Polônia. Em português ele só consegue falar uma palavrinha aqui, outra ali, como "samba" e "obrigado". Mas isso não o impede de também participar ativamente dos encontros com os revendedores. "Posso delegar muitas coisas, mas não esse contato direto", diz Cho. "Não dá para comandar uma empresa como essa sentado no céu." Num inglês fluente, "Mister Cho", como é chamado na empresa, tem negociado espaço para a venda de refrigeradores, lavadoras e aspiradores de pó -- produtos que a LG ainda não fabrica no Brasil, mas já quer testar qual é a receptividade do consumidor brasileiro. Se for boa, "Mister Cho" não descarta a possibilidade de produzi-los aqui.

É também nessas ocasiões que a LG negocia espaço nas lojas para TVs de plasma e de p rojeção, produtos sofisticados e caros, com preços na faixa de 50 000 reais. "É uma forma de divulgarmos nossa capacidade tecnológica", diz Soon Jae Heo, diretor de marketing da LG. (Há três anos no Brasil, Heo já fala fluentemente o português e adotou o nome de Jaime, que aparece entre parênteses em seu cartão.) O que a LG oferece em troca desses espaços? "Para o lojista, espaço é dinheiro, especialmente se for ocupado por produtos de baixo giro", diz o consultor de varejo Nelson Barrizzelli. Em troca, a LG entra com uma porcentagem maior que a dos concorrentes no custo dos anúncios que os lojistas fazem na imprensa. Essa prática, comum no mercado, obriga os fabricantes de eletroeletrônicos a arcar com algo entre 1% e 1,5% desses gastos. A LG chega a oferecer 2%. Pode parecer pouco, mas quem está no setor diz que não é. "Os produtos de som e imagem oferecem margens muito apertadas e a briga é por centavos", diz Vanderlei Marafon, gerente nacional de eletroeletrônicos do Carrefour.

Desde que chegaram ao Brasil, os coreanos têm enfrentado dias difíceis. Eles desembarcaram num momento ruim, exatamente quando o mercado de eletroeletrônicos começou a encolher, depois de um grande aumento na demanda, logo após o Plano Real. Além disso, vários varejistas que quebraram, como Mappin, Mesbla e Arapuã, eram grandes clientes da LG. "Nessa época, a LG cogitou ir embora do país", diz Breno Silva, diretor de vendas da LG. Mesmo com o faturamento de 600 milhões de dólares neste ano, a subsidiária brasileira é apenas um pontinho no mapa global da LG -- um grupo que fatura 55 bilhões de dólares por ano e tem filiais em 73 países. Diversificado, o grupo tem negócios no setor de petróleo, higiene pessoal, confecções e é proprietário até de um time de futebol na Coréia, o LG Cheetahs. (No Brasil, a LG patrocina o São Paulo. Desde 2001, os coreanos pagam 2 milhões de dólares por ano para estampar seu logo na camisa do tricolor paulista.)

No ano passado, o presidente Cho despendeu boa parte do seu tempo tentando convencer a matriz de que valia a pena continuar investindo no Brasil. Os executivos na Coréia, preocupados com a instabilidade que prevaleceu em 2002, não estavam dispostos a colocar mais um centavo aqui. A insistência trouxe resultados. "Consegui mais 80 milhões de dólares para os próximos anos", diz Cho. "Esse dinheiro era necessário para melhorar nosso fluxo de caixa." Neste ano, Cho espera exibir à matriz, em Seul, um lucro de 30 milhões de dólares. Sua meta para 2004 é ganhar 50 milhões de dólares sobre um faturamento de 800 milhões.

Talvez não seja fácil entregar esses resultados. Os analistas acham que, para aumentar o lucro, mais cedo ou mais tarde a LG vai precisar fortalecer suas margens. "Praticar preços muito baixos para ganhar mercado é uma faca de dois gumes", afirma o consultor Foganholo. "É um tremendo desafio conseguir recompor a rentabilidade sem perder espaço." Que tal uns golpes de tae kwon do?

ESPAÇO CONQUISTADO
Participação de mercado dos principais produtos da LG em 2003*
(vendas já realizadas para o comércio até o final do ano)
Videocassetes
37%
Monitores de computador
32%
DVDs
25%
TVs
20%
Celulares**
18%
* Em unidades vendidas
** Apenas CDMA
Fonte: LG
TÁTICA COREANA
As estratégias da LG para enfrentar a competição
1 Aperto na rentabilidade
Nos primeiros anos no Brasil, os preços eram entre 5% e 10% inferiores aos
da concorrência
2 Comprometimento da alta gestão
O presidente e o vice-presidente da subsidiária brasileira participam diretamente
das negociações com as lojas
3 Parcerias com o varejo
A LG entra com uma porcentagem maior do que a dos concorrentes no custo
dos anúncios veiculados pelos revendedores

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