Marketing

Mudanças do consumidor são menores do que se imagina

Antropólogo Everardo Rocha analisa a importância das decisões de compra no ambiente social e o reflexo de produtos e serviços na identidade do consumidor


	Consumidora carrega sacola de compras: mais exigente, o consumidor busca além de objetos, experiências e valores
 (Macdiarmid/Getty Images)

Consumidora carrega sacola de compras: mais exigente, o consumidor busca além de objetos, experiências e valores (Macdiarmid/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 6 de março de 2013 às 13h40.

Rio de Janeiro - Os últimos sete anos são significativos para o consumo com o ingresso da nova classe média no mercado e com inovações tecnológicas que modificaram as formas das empresas se comunicarem com seu público. Apesar de todas as inovações em relacionamento, canais, experiência e tecnologia, o reflexo do desenvolvimento tecnológico nas escolhas de compra é pouco expressivo.

Alguns aspectos do consumo persistem independentes do tempo e se repetem em todas as classes sociais. As mudanças culturais são menores do que a mídia propaga, pois as pessoas continuam em busca de encantamento por meio de produtos e serviços e as escolhas de compra auxiliam na construção de relacionamentos e contextos sociais.

Mais exigente, o consumidor busca além de objetos, experiências e valores. Com a nova renda da classe média as viagens de avião se tornaram mais comuns fora da camada rica da sociedade, criando novos parâmetros para classificar o consumidor e fazendo exigências ao mercado tais como uma rede de hotéis mais ampla, atendimento inclusivo nos aeroportos e variedade de produtos.

Apesar das mudanças de demandas e de mercado, culturalmente a estrutura do consumo se mantém desde a revolução industrial, criando um desafio às marcas de inovarem através do conteúdo, entregando sentimentos junto com seus produtos. Os canais digitais são importantes armas na disseminação de informação das marcas e divulgação de suas linhas e têm sido utilizadas largamente. Porém, os novos meios não interferem diretamente nas escolhas do shopper.

Prova disto é que as pessoas tendem a reproduzir nas redes sociais o seu estilo de vida particular, inclusive se relacionando com o mesmo perfil de amigos. Sendo assim, o universo digital serve ao consumo na divulgação, informação e experiência, mas não é suficiente para alterar o target de uma marca.


“O Facebook é global, mas os perfis são reflexos dos comportamentos que as pessoas já tinham. Se pegarmos uma mulher de alta classe média carioca, 40 anos, que estudou em locais de elite, e observarmos a página dela, dos 400 amigos, todos têm as mesmas características. Fazemos patotas dentro da globalização, continuamos nas mesmas relações e consumos, só que em outro meio”, diz Everardo Rocha, Antropólogo.

- O que de fato mudou no comportamento de consumo das pessoas nos últimos sete anos?

Everardo Rocha - O consumo é algo absolutamente central no mundo em que vivemos. Não por acaso desde os anos 1960, nós o batizamos de sociedade de consumo. Não chamamos de sociedade de dinheiro, de sexo, de produção: chamamos de consumo, normalmente de nariz torcido achando que é uma forma crítica. Um fenômeno cuja importância é tão grande que chega a dar nome a uma experiência social merece uma reflexão compatível com o seu tamanho.

Durante muito tempo, ele foi abandonado: as ciências sociais se voltaram para o estudo da produção e seu impacto na vida social, cultura e política, enquanto o consumo foi tratado como subproduto. Hoje existem duas maneiras centrais de olhar para este fato: a forma que vê o fenômeno como uma maneira de desenvolver o próximo fenômeno, e o estudo do consumo para vender mais, que é a vertente do marketing.

- O que mudou no fenômeno do consumo?

Everardo Rocha - Existe uma questão crucial. Os fenômenos culturais em geral são conservadores. Por mais que a mídia queira que tudo mude o tempo todo e tenha sempre coisas novas, porque o novo vende notícias e produtos, percebemos que a cultura muda muito menos do que a gente imagina. Quando tentamos entender as mudanças, verificamos que existem aspectos invariantes importantes. A estrutura que forma um fenômeno se mantém.


O conteúdo é que se altera, porque os sistemas de classificação de identidade se dão a partir dos objetos que as pessoas carregam: roupas, carros, ambiente e circuitos sociais dos quais participam. A partir daí, o indivíduo se diferencia de determinadas pessoas e se assemelha a outras. É um processo estrutural e não importa se é feito pelas redes sociais, produtos ou pelos anúncios.

- Já que a estrutura básica do consumo se mantém, o que muda entre a comunicação de um produto ao longo dos anos?

Everardo Rocha – Um bom exemplo é o guaraná que utiliza o jovem para vender produto desde a década de 1930. O personagem se mantém, mas muda o perfil de acordo com a época para favorecer a compra e a venda. O mesmo acontece com a mulher na venda de eletrodomésticos: um fato mudou, ela deixou de ser exclusivamente dona de casa, mas outro aspecto permaneceu, ela continua comprando estes produtos. Logo as mudanças mais fortes na maneira de comunicar para o consumo são as plataformas. Hoje contamos com celulares, redes sociais, o que não existia algum tempo atrás.

- As plataformas tecnológicas mudam o consumo?

Everardo Rocha - Muda menos do que imaginamos. O Facebook é global, mas os perfis são reflexos dos comportamentos que as pessoas já tinham. Se pegarmos uma mulher de alta classe média carioca, 40 anos, que estudou em locais de elite, e observarmos a página dela, dos 400 amigos, todos têm as mesmas características. Fazemos patotas dentro da globalização, continuamos nas mesmas relações e consumos, só que em outro meio.

– Quais regras não mudaram e vão se manter por bastante tempo?

Everardo Rocha - Independente do que o comprador queira com o produto, ele diz algo para as outras pessoas e isso não está sob o controle de quem o utiliza. Portanto, falar de consumo individual como fenômeno da vida e da cultura é bobagem. Se uma pessoa comprar um determinado celular, ele diz alguma coisa independente do proprietário, ou seja, o consumo comunica por si só. As escolhas de consumo são classificatórias: o consumidor chama algumas coisas e indivíduos para perto e afasta outros.


De um lado, ele é uma ponte, de outro um muro. A terceira coisa que não muda é que o produto sempre tende a aparecer com alguma coisa que traduz um universo mágico e mitológico, porque ele se comunica com outros objetos, outras pessoas, e fala sempre de um mundo de prazeres e felicidade onde toda a narrativa é fantástica. Se disser: empresário, de terno, com carro de luxo e perguntar qual a marca do relógio dele, automaticamente a pessoa completa a frase com Rolex porque os objetos dialogam entre si.

– O que o potencial de renda da classe C alterou na sua forma de consumir?

Everardo Rocha - A classe média, que possui a média da renda, não se sente como classe média. Esse conceito envolve uma série de valores. O que o fenômeno econômico altera é o consumo. Nesse caso, faz com que pessoas que não tinham acesso a certos produtos e serviços possam comprar, por exemplo, conteúdo midiático, estético e até viagens aéreas. Quando um grupo de pessoas tem acesso a certas coisas, outras também passam a querer as mesmas coisas. O comportamento se mantém: para se aproximar de determinados grupos, a escolha de produtos é semelhante.

– Até que ponto isso altera a relação das pessoas com o consumo?

Everardo Rocha - Este movimento impacta a estrutura social e passa a exigir melhores aeroportos, rede hoteleira maior, mais empresas para atender os novos públicos. São mudanças básicamente de mercado e não de estrutura. As exigências aumentam: se a pessoa já ia para Cabo Frio, com uma renda maior vai querer ir para Búzios. Em uma sociedade como a França que possui rendas bem distribuídas, os cidadãos se diferenciam na maneira como falam, se comportam. Aqui no Brasil, daqui a um tempo a viagem para Nova Iorque não vai classificar uma pessoa como rica ou classe média. O que vai determinar isso são fatores como a classe escolhida para o voo, qual circuito vai fazer e qual tipo de produtos vai trazer.

- As pessoas hoje querem tudo rápido. O que isso altera no consumo e de que forma é possível ganhar o tempo do consumidor?

Everardo Rocha - Quando alguém compra um objeto, compra a experiência de pertencimento. O mercado começa a chamar de consumo de experiência. O cliente entra em uma loja e tem uma experiência, é a coisa da magia: a temperatura sempre igual, o brilho das coisas, o cheiro permanente, o ambiente como um todo. As pessoas querem ter mais coisas e mais rápido. No fundo, faltará sempre tempo para a quantidade de produtos e serviços que a indústria coloca nas nossas vidas. Isso leva a outra noção de tempo e aprendizado para lidar com a cultura material.


- Qual o papel dos produtos na identidade do consumidor?

Everardo Rocha - A Mary Douglas dizia que os objetos marcam rituais, são marcadores simbólicos da experiência social. As pessoas começam a ter uma relação afetiva com eles. Utilizar uma caneta deixada pelo pai segue um ritual afetivo. Para o consumo, a junção de meios de comunicação, publicidade, marketing e design concebem um objeto para que ele seja algo mais do que ele mesmo, do que a sua dimensão técnica e funcional, ou seja, para que transmita sentimento.

- De que maneira as novas formas de consumir alteram as relações sociais?

Everardo Rocha - Para viver socialmente, as pessoas precisam saber mexer com a cultura material que as cerca. Numa sociedade tribal, no mundo medieval ou na renascença, se você não sabe lidar com a cultura material que te cerca, você não vive. Cada um que nasce tem que se adaptar às transformações dessa cultura material. A ideia fundamental é cada vez mais os indivíduos viverem em função da produção e consumo que cresce e se diversifica cada vez mais sustentando o mercado. Esse processo não tem mais volta, a não ser que mudemos de sociedade.

- Com rotinas agitadas, as pessoas utilizam o consumo para suprir carências emocionais?

Everardo Rocha - A produção nos últimos 250 anos é o centro da experiência humana. Algumas instituições mais antigas do que qualquer profissão como família e religião, tendem a resistir à vida voltada para o trabalho. Quando a estrutura social começa a dar muito peso ao viéis capitalista, isso tira espaço das outras coisas. Esse processo acontece há pelo menos dois séculos e se acelera, tomando cada vez mais espaço da experiência existencial humana. As pessoas vão para o consumo para sarar carências. Mas também porque sem ele, não tem produção. Os dois estão interligados. Elas batem muito no consumo e se esquecem de bater na produção: se tem consumo é porque ele é necessário para que o mundo, tal como o conhecemos, exista. O consumo é parte do jogo da produção, pois o crescimento tem que ser em conjunto. A preocupação maior hoje é fazer dinheiro. Nos últimos 220 anos, as pessoas vivem para trabalhar. Antes a produção não era o centro na vida delas, era parte da vida. Hoje não se pergunta de quem você é filho como era tempos atrás: perguntamos em que você trabalha e isso já classifica.

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