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Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.
Se existe uma empresa em que os efeitos da crise americana foram sentidos com intensidade inaudita é a rede de cafeterias Starbucks. Acostumada a um processo contínuo de expansão, a companhia viu sua média de vendas por loja cair 3% durante o ano de 2008, ante um crescimento médio de 5% em 2007. No primeiro semestre deste ano, a queda foi de 5%. Seus cafés especiais passaram a ser rejeitados pelos consumidores. Diante do cenário de baixa, muitos dos problemas da Starbucks foram atribuídos à figura do fundador da rede, o empresário Howard Schultz, dono de um estilo peculiar de gestão, que, em nome da pureza do modelo de negócios, tentou criar uma estrutura híbrida, com tamanho de corporação aliado a valores e práticas de lojinha de esquina. Schultz sempre relutou em adotar condutas como racionalização de matérias-primas e processos de produção (que para ele são coisa do McDonald's) ou mesmo prosaicas pesquisas de mercado sobre produtos (com o argumento de que sua empresa não é a Procter&Gamble). Nos últimos meses, diante dos maus resultados, ele foi finalmente convencido por seu corpo de executivos a lançar mão de algumas dessas medidas - mas o incômodo permaneceu. Desconfortável com as "concessões", Schultz desafiou seus executivos: "Se vocês tivessem de competir com a Starbucks, que tipo de loja fariam?"
O resultado veio a público no dia 24 de julho, quando foi inaugurada em Seattle, cidade que foi o berço da Starbucks, a 15th Ave. Coffee & Tea. Na vitrine, abaixo do logotipo, a discreta menção "Inspirada pela Starbucks" denota a origem do empreendimento. Dentro da loja, a situação é radicalmente diferente. As mesas são feitas de madeira rústica, proveniente de um velho navio, e de mármore. O cardápio conta com 16 variedades de grãos de café, como o Guatemala Antigua, cultivado a 2 000 metros de altitude, e o havaiano Kona. O barista torra e moe a variedade escolhida pelo cliente na hora. Ele ainda oferece quatro métodos para produzir o café - do coado tradicional a uma versão produzida em uma máquina La Marzocco, criada em Florença nos anos 20. A loja também oferece algumas marcas de cerveja, vinhos e doces folhados. Enquanto degusta seu café especial, o cliente pode se distrair com eventuais apresentações de saraus literários e shows musicais ao vivo. Um cenário que nada lembra as lojas da Starbucks, com seus liquidificadores de misturar café com gelo, cafeteiras automáticas e copos de papelão (a nova loja usa apenas xícaras de louça). "Em certa medida, a 15th Ave. Coffee & Tea é uma reação àquilo em que a Starbucks se transformou nos últimos anos", disse a EXAME John Moore, ex-executivo de marketing da empresa e hoje consultor de marcas. "Seu fundador quer que a empresa se reconecte ao que a tornava especial no passado, quando era uma pequena rede."
Tal desejo hoje parece cada vez mais longínquo. Espalhada por 40 países, a Starbucks tornou-se uma corporação no mais estrito significado do termo: 10,4 bilhões de dólares de faturamento por ano e cerca de 170 000 funcionários. Se fosse brasileira, ela estaria entre as dez maiores companhias do país segundo o anuário Melhores e Maiores, de EXAME. A companhia tem ações listadas na bolsa e compete hoje cabeça a cabeça com McDonald's e Dunkin' Donuts, que, nos últimos tempos, têm investido firme no mercado de café (detalhe: com preços bem mais atraentes ao consumidor). Foi por essa razão, aliás, que Schultz acabou convencido por seus executivos a adotar medidas mais profissionais para melhorar os resultados da empresa. Uma delas foi padronizar processos de produção para cortar custos. Com isso, o tempo necessário para a preparação de doces e salgados de massa folhada passou de 45 para 25 minutos - o que gerou uma economia de 60 milhões de dólares no último trimestre. Os baristas passaram a seguir seis passos-padrão para tirar um café expresso. Antes, cada um fazia do seu jeito, o que gerava todo tipo de desperdício. A rede também passou a investir em publicidade, uma estratégia que Schultz sempre criticou por acreditar que o grande chamariz da Starbucks eram as lojas e a experiência que o cliente vivia dentro delas.
Forçado a trilhar um caminho diferente do que gostaria, Schultz ficou exultante quando foi pela primeira vez à loja da 15th Ave. Coffee & Tea. A empolgação foi tamanha que, ali mesmo, ele anunciou a abertura de outras duas filiais na cidade de Seattle. Com a nova marca, a Starbucks junta-se a empresas que realizaram um movimento conhecido no mundo do marketing como trading up, ou seja, subir na escala de sofisticação e preços como forma de transferir valor a produtos mais baratos. É o que fizeram no passado nomes como a montadora japonesa Toyota, que lançou a Lexus, marca de carros de luxo que hoje concorre com a Mercedes- Benz e a BMW no mercado americano e transfere parte de seu prestígio aos modelos de massa da companhia. O problema é que, mesmo que seja bem-sucedida, a iniciativa da Starbucks deve trazer resultados limitados. Primeiro porque, como mostra a própria trajetória da rede, a ideia da 15th Ave. Coffee & Tea não pode ser aplicada em grande escala. Depois porque os inimigos da companhia hoje são bem mais parrudos. "A Starbucks não está perdendo clientes para pequenas lojas que oferecem música e poesia, mas para os gigantes do fast food", disse a EXAME Al Ries, presidente da Ries & Ries, consultoria especializada em marketing de varejo com sede em Atlanta.
Sob inúmeros aspectos, a experiência da 15th Ave. Coffee & Tea é louvável. Mas ela serve mais como laboratório (e para aplacar a consciência de Schultz) do que como solução para os problemas da rede. Pragmaticamente, haveria espaço para algumas poucas lojas com essa proposta, em locais descolados, mas sua contribuição para o resultado geral da companhia seria pequena. Basta lembrar que a Starbucks já possui outra rede de cafeterias - a Seattle's Best Coffee, com 540 lojas espalhadas pelos Estados Unidos. A empresa foi adquirida por Schultz em 2003 para atuar justamente em um segmento mais sofisticado que o da Starbucks (e até hoje não decolou). Uma opção seria converter as lojas Seattle's Best Coffee para a nova bandeira, mas ainda assim a rede não avançaria além de uma participação de 3% no faturamento do grupo, criando uma forte dissonância em relação às lojas comuns. Outra opção seria transformar todas as lojas da Starbucks de acordo com o novo modelo. "Isso seria um movimento radical, improvável e muito custoso", afirma Ries, da Ries & Ries. Se Schultz deseja fortalecer a Starbucks, vai precisar, mais e mais, se afastar de suas convicções. Mas, hoje, ele não parece pronto para isso.