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Dados sobre remédios são usados para direcionar anúncios

Informações de compra de remédios, antes confidenciais, agora são utilizadas por fabricantes de remédios e empresas de internet para direcionar anúncios nos EUA


	Remédios: setor diz que a técnica cumpre as leis federais de privacidade americanas
 (Getty Images)

Remédios: setor diz que a técnica cumpre as leis federais de privacidade americanas (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 12 de dezembro de 2014 às 15h56.

Washington - Desde os tempos dos laxantes de óleo de rícino e das pílulas de mercúrio para tratar a sífilis, há entre farmacêuticos e pacientes um pacto tácito: seja qual for o artigo, as informações da compra são confidenciais.

Mas isso mudou. Fabricantes de remédios e empresas de internet estão unindo forças discretamente para vincular os registros farmacêuticos dos EUA a contas on-line a fim de direcionar anúncios às pessoas de acordo com suas condições de saúde e com os remédios que elas compram com receita.

Em um processo do qual pouco se sabe, empresas terceirizadas designam códigos numéricos exclusivos aos pacientes de acordo com o histórico de remédios receitados. Essa prática também é empregada pelos sites para acompanhar seus usuários registrados.

Os dois conjuntos de dados podem ser vinculados sem que os nomes passem a outras mãos, o que possibilita que as empresas farmacêuticas identifiquem grupos de usuários que utilizam um determinado remédio e enviem anúncios específicos para eles através da web.

Essa prática se tornou um dos pilares das iniciativas de marketing da indústria farmacêutica, que hoje é avaliada em US$ 1 trilhão. O setor diz que a técnica cumpre as leis federais de privacidade em relação aos medicamentos porque o nome dos pacientes não é revelado.

Mesmo assim, os críticos veem aí uma violação da privacidade.

“Os publicitários estão usando nossos dados médicos como se fossem as informações de compra de uma calça ou um livro”, disse Jeff Chester, diretor executivo do Centro para a Democracia Digital, grupo de Washington dedicado à privacidade. “É uma falta de escrúpulos. Essas são decisões muito pessoais e confidenciais”.

Ponto cego

O crescente uso da técnica está gerando a preocupação de que os avanços tecnológicos estejam desfazendo a proteção garantida pela Portabilidade e Responsabilidade de Seguros de Saúde (HIPAA), uma lei federal dos EUA sobre a privacidade médica, de acordo com entrevistas realizadas pela Bloomberg a mais de 60 executivos e reguladores do setor e defensores da privacidade.

Os sites e as empresas de dados existem devido a um ponto cego, porque a HIPAA é aplicada a médicos, hospitais, farmácias, empresas de seguros e seus contratados.

O processo que preocupa Chester e outras pessoas é conhecido como matchback e representa o maior avanço em análise de dados médicos, um setor que, de acordo com projeções da McKinsey and Co., terá mais de US$ 10 bilhões em receita até 2020.

O matchback funciona assim: empresas chamadas corretoras de dados – a IMS Health Holdings Inc. é uma das maiores – reuniram milhares de registros de receitas médicas, comprados de gestores do programa de benefício farmacêutico, como a Express Scripts Holding Co. e a CVS Health Corp.

As corretoras utilizam algoritmos para substituir o nome dos pacientes por um código numérico. Elas então estabelecem parcerias com sites que utilizam o mesmo software para transformar os dados de seus usuários. As empresas farmacêuticas pagam aos sites para correlacionar ambos os lados. À maioria dos consumidores que preencheram uma receita em uma farmácia nos últimos anos foi atribuído um código permanente que pode ser usado para enviar-lhes anúncios personalizados.

Tendência mais ampla

“Isso tem a ver com acompanhar os pacientes de modo anônimo ao longo do tempo”, disse Jody Fisher, diretora de gerenciamento de produto para os EUA na IMS, com sede em Danbury, Connecticut. A empresa possui dossiês sobre mais de 500 milhões de pacientes de todo o mundo. “Isso ajuda as partes interessadas a identificar padrões de comportamento que podem tornar a assistência médica mais eficiente”.

Entre as empresas de dados que realizam matchbacks, além da IMS, estão a Symphony Health Solutions, que é parte da companhia de private-equity Symphony Technology Group, em Palo Alto, Califórnia, e a Crossix Solutions Inc., uma startup de Nova York.

Haren Ghosh, ex-diretor de análise e pesquisa da Symphony Health Solutions, disse que a técnica é mal interpretada e que as preocupações com a privacidade estão diminuindo a capacidade das empresas de oferecer mais valor às farmacêuticas e aos pacientes.

O objetivo é aumentar a personalização de anúncios sem saber o nome dos pacientes.

Ler a mente

Só que uma receita de Viagra ou de Prozac, por exemplo, não é a mesma coisa que uma lista de compras, e à medida que se sabe mais sobre matchback, os pacientes vão ficando mais preocupados de que as informações médicas circulem pela internet.

“O fato de que algo seja permitido pela lei não significa que seja correto moralmente”, disse Aaron Laxton, 35, assistente social de Saint Louis, Missouri, que foi diagnosticado com HIV há três anos.

Laxton, que relatou sua jornada após o diagnóstico em uma série de vídeos no YouTube, disse que não se surpreende quando vê anúncios de remédios contra o HIV ao navegar pela rede, mas teme ser alvo de uma forma mais sutil de perfilamento com base em seu histórico médico. Ele disse que com frequência vê anúncios de remédios para dormir – um tipo de medicação que ele utiliza há muito tempo, apesar de raramente falar sobre isso ou fazer buscas relacionadas na internet.

“É uma sensação misteriosa de que talvez o computador esteja lendo a minha mente”, disse ele. “É quase como se o computador fizesse com que o anúncio aparecesse antes mesmo de o pensamento aparecer em sua cabeça”.

A ideia é exatamente essa. E matchbacks resolveram uma das maiores dores de cabeça de marketing para a indústria farmacêutica: eles derrubam a barreira de médicos, farmacêuticos e seguradores que antes existia entre os fabricantes de remédios e os clientes.

Vigilância tolerada

É possível que os matchbacks farmacêuticos sejam vistos como invasivos, mas eles também são um resultado lógico de um trabalho de décadas para personalizar a experiência informática, uma tendência que é adotada por muitos consumidores, de acordo com Paul Arthur, professor de Humanidades Digitais na Universidade de Western Sydney.

“Agora toleramos muito mais, e até celebramos, a vigilância”, disse Arthur.

As empresas que fazem matchbacks poderiam estar violando as leis de privacidade se não informarem aos consumidores que os dados deles estão sendo usados com este fim, de acordo com Peder Magee, advogado sênior do departamento de privacidade e proteção de identidade da Comissão Federal de Comércio dos EUA.

Categorias confidenciais

Desde 2011, o Yahoo.com, o maior portal de internet dos EUA, utilizou a IMS para fazer matchbacks e direcionar anúncios aos usuários registrados que provavelmente estivessem com doenças específicas, disse Suzanne Philion, porta-voz da empresa com sede em Sunnyvale, Califórnia.

Cerca de 100 milhões de pessoas estão registradas nos bancos de dados da IMS e do Yahoo, de acordo com Bill Drummy, fundador e CEO da agência de publicidade Heartbeat Ideas, que já trabalhou com ambas as empresas. Nem o Yahoo nem a IMS quiseram fazer comentários sobre o número.

“Esses anúncios não são direcionados individualmente”, disse Philion, em comunicado enviado por e-mail. “Há certas categorias médicas confidenciais que são excluídas da publicidade orientada e todos os anúncios e o direcionamento publicitário cumprem totalmente a HIPAA”.

A política de privacidade do Yahoo não menciona a prática. Google Inc., Facebook Inc. e Microsoft Corp. disseram que não utilizam matchbacks de remédios vendidos sob receita. WebMD, o principal site de saúde dos EUA não quis dizer se utiliza matchbacks.

A empresa disse que se empenha em apoiar as necessidades dos seus anunciantes e em proteger a privacidade dos usuários, de acordo com o porta-voz Michael Heinley.

Anonimato

Embora a prática esteja se tornando mais conhecida, os fabricantes de remédios vão enfrentar o desafio de convencer os consumidores e os pacientes de que os matchbacks são legítimos e de que os códigos de segurança não podem ser violados.

“Estão brincando com o termo ‘anônimo’”, disse Joe Turow, professor de Comunicação na Universidade da Pensilvânia, que já depôs ante o Congresso sobre empresas que lidam com dados médicos. “Agora, o anonimato se tornou uma espécie de eufemismo para a possibilidade de rastrear alguém”.

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