Educação financeira também é educação
Questões financeiras estão presentes em todos os aspectos da vida e, por isso, não podem ser abordadas como algo isolado da educação
Redação Exame
Publicado em 31 de março de 2023 às 07h22.
Por Sigrid Guimarães*
Muito se tem falado sobre educação financeira para crianças e jovens. Mas, no geral, com o objetivo de que aprendam a gerir seu dinheiro. O problema dessa ideia é que as questões financeiras estão presentes em todos os aspectos da vida e, por isso, não podem ser abordadas como algo isolado da educação. Em geral. Afinal, dinheiro não é um fim em si mesmo, mas um meio para suprir necessidades e realizar sonhos.
Juntamente com a extenuante atividade de adivinhar as necessidades e garantir a sobrevivência daquela criança que, de início, não dispõe de nada além do grito e do esperneio. Nossa missão, portanto, é criar as condições para que ela se torne independente. Talvez, na maior parte do tempo, o duro e sublime papel dos pais seja orientar os filhos na construção das suas prioridades – a tal escala de valores – e, ao mesmo tempo, ensiná-los a administrar aquilo que possuem para alcançarem o que pretendem.
Logo vêm a escola, os amigos, os passeios e as festinhas e, sem a nossa presença constante, eles terão que tomar decisões cada vez mais complexas, frequentemente envolvendo gastos. Surge, então, a questão da mesada. Você terá suas razões para estabelecê-la ou não. A única coisa que não recomendo a ninguém é que caia na tentação de o fazer para simplificar sua própria vida, e não como uma ação pedagógica que vai lhe dar trabalho e exigir um acompanhamento.
É indispensável perceber o grau de maturidade do seu filho, características de personalidade, o entorno e a interação social. Impor a uma criança a responsabilidade de tomar decisões superiores a sua capacidade de julgamento pode resultar em uma sensação de incompetência que talvez a marque por toda a vida. Ela pode se angustiar ou, pior, aceitar a incompetência para as finanças como um dado da sua identidade.
O mais aconselhável é começar por um restrito leque de despesas regulares, como lanche e transporte, e adicionar um pequeno percentual que lhe permita economizar ou fazer frente a imprevistos. Ela deve entender que a mesada não é um ganho, um prêmio, uma grana a mais, mas a transferência da liberdade e da equivalente responsabilidade de administrar certos gastos. Muito mais do que dinheiro, o que você está delegando a seu filho é a tarefa de determinar o valor que algumas coisas têm para ele e distinguir entre o mais e o menos importante: um lanche portentoso ou o cinema, duas idas ao cinema sem pipoca ou apenas uma com tudo a que tem direito?
Essas pequenas escolhas podem ter implicações para a segurança de uma criança. Uma mesada não o desobriga saber se e como seu filho se alimentou, como e quando se locomoveu, de onde para onde e com quem. Acompanhar as contas semanalmente, ao menos durante os primeiros meses, é realmente uma boa ideia.
Mesmo com todos esses cuidados, é possível que, em algum momento, você se veja diante do dilema de compensar ou não gastos equivocados e excessivos. – O que fazer, cobrir ou não o prejuízo?
Desde que você consiga tratar do assunto com objetividade, episódios desse tipo são uma excelente ocasião para fazê-lo compreender as consequências das suas escolhas. Uma solução razoável seria, por exemplo, fazer um adiantamento e descontá-lo em prestações suaves o bastante para que não lhe falte dinheiro para o necessário, mas não tanto que ele não sinta falta dos supérfluos. Dificilmente pagar a conta sem nenhuma contrapartida ou impor um castigo arbitrário, desconectado do fato, será construtivo. Na verdade, em ambas as hipóteses, você estaria subtraindo a independência que delegou a ele e, talvez, fomentando uma confusão entre dinheiro e afeto, uma associação tão nefasta que merece um parágrafo próprio.
Quem nunca assistiu a conflitos e escolhas equivocadas geradas pela identificação entre dinheiro e afeto: pais que se desdobram para satisfazer caprichos de filhos carentes ou pagam caro para alimentar a dependência; irmãos que se comportam como credores ou devedores sem nenhuma base contábil para isso; pessoas que extraem vantagens da manipulação de sentimento de culpa...?
Não é raro que, com os melhores sentimentos e o desejo de compensar sua ausência no dia a dia, pais, ou mesmo avós, estabeleçam uma mesada ou ofereçam presentes em dinheiro superiores à capacidade de discernimento do filho ou neto. Para além da confusão subjetiva entre atenção e dinheiro, já bastante ruim por si mesma, seu filho pode, na prática, estar gastando com critérios nocivos ou impulsionado por motivos errados, como impressionar colegas ou ludibriar os responsáveis. Os piores resultados incluem situações de perigo que você certamente não gostaria que ele corresse.
É normal que ajustes para cima ou para baixo sejam necessários até que se encontre o valor adequado, o que só significa que você está mais a par das condições do seu filho. Bem orientada, a mesada é uma experiência de crescimento com inúmeros aprendizados para pais e filhos. Para as crianças e jovens, um dos maiores ganhos é o entendimento de que os pais não são os donos do mundo. A vida social tem regras próprias às quais todos estamos submetidos, e chorar, espernear ou sorrir encantadoramente não paga a conta da cantina. Acompanhando suas decisões sobre gastos, você tem a valiosa oportunidade de guiá-lo nessa travessia, discutir suas relações com o mundo exterior e seus critérios de escolha.
*Sigrid Guimarães é sócia e CEO da Alocc Gestão Patrimonial