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Setor de commodities vai sofrer mais com a crise, diz professor

Professor de Wharton diz que desaceleração da economia mundial terá impacto direto em empresas e países produtores de matérias-primas, como o Brasil

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.

O professor Mauro Guillén, diretor do Lauder Institute e professor de gestão internacional na escola Wharton (Universidade da Pensilvânia), acredita que as empresas e países ligados ao setor de commodities vão sofrer mais com a crise financeira nos Estados Unidos e Europa devido aos seus efeitos sobre o crescimento da economia mundial. Segundo ele, por ter no petróleo e no gás 65% de suas exportações, a Rússia deve sofrer mais que países como Brasil, Índia e China. A Rússia também teria um sistema financeiro mais frágil e uma inflação não tão sob controle quando os demais Bric. Já o Brasil e a Índia têm a vantagem de possuir um sistema financeiro sólido, que não está contaminado por papéis podres. No entanto, o Brasil tem o agravante de registrar déficit em conta corrente. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Ontem à noite eu achei uma entrevista que o senhor concedeu em junho ao Financial Times, respondendo a perguntas dos leitores sobre exatamente o mesmo tema de que estamos falando hoje: como a crise deve afetar os mercados emergentes. De junho para cá, muita coisa mudou, não é mesmo? Por exemplo, naquela época, o senhor dizia que os altos preços das commodities beneficiariam os emergentes ainda por bastante tempo, mas hoje vemos uma grande queda nesses preços...

Sim, exatamente. Muitas das perguntas naquela época eram sobre como os mercados emergentes, incluindo o Brasil, reagiriam. Acredito que há duas variáveis muito importantes que precisamos ter em mente nesse quesito: a primeira diz respeito ao quão dependentes das exportações de commodities, incluindo petróleo, os países são. A segunda é sobre a balança de pagamentos, ou seja, sobre haver ou não um déficit em conta corrente. Para as economias emergentes que são dependentes da exportação de commodities, se as pressões financeiras piorarem e se houver uma recessão nos Estados Unidos e na Europa, isso as afetará proporcionalmente.

Dos países dos Brics, qual é a situação?

Dos Bric, a Rússia é o país que está sofrendo mais e que tem as piores perspectivas, por serem exportadores de petróleo. Se houver uma grande recessão nas potências ocidentais, isso prejudicará muito o país.

Quão dependente de exportações de petróleo a Rússia é hoje?

Enormemente. Gás e petróleo correspondem a 65% das exportações da Rússia. Mais da metade. Essencialmente, isso significa que se o preço dessas commodities cair, isso causará problemas. A conseqüência imediata será uma redução no valor do superávit comercial. Depois, acarretará uma desaceleração no crescimento do PIB do país.

É possível calcular o impacto sobre o PIB russo de uma possível queda nas exportações e no valor do petróleo?

Atualmente o país está crescendo a aproximadamente 7,8% ao ano. Essa taxa poderia cair em um ou dois pontos porcentuais. A Rússia não corre o risco de entrar em recessão, portanto, mas pode ter problemas. E eles também têm tido problemas financeiros. Eles tiveram que suspender por um dia a bolsa de valores na semana passada porque os preços estavam caindo muito aceleradamente. Mas, novamente, entre os Bric, a Rússia será o mais afetada. O Brasil é em parte exportador de commodities, mas também exporta produtos industrializados. O problema dele é que, ao contrário da Rússia, o país apresenta um déficit em conta corrente. O saldo comercial é positivo, mas há um déficit em conta corrente. Isso pesa. Não é o caso, evidentemente, da China. O problema da China é que ela vende boa parte de seus produtos para os Estados Unidos e agora vai precisar se basear mais no crescimento do mercado doméstico para conseguir sustentar um crescimento da ordem de 10%. O impacto sobre a China será menor do que teria sido uma década atrás, pois hoje ela tem um mercado doméstico muito melhor desenvolvido e diversificou mais os mercados além dos Estados Unidos, como para os outros mercados emergentes. Ainda assim, a China ainda depende muito do mercado americano para exportações.

Qual será o país menos afetado pela crise entre os Bric?

A Índia. Por duas razões: as empresas indianas são exportadoras, mas o país tem um mercado doméstico forte. A classe média está crescendo muito rápido. E o tipo de produto que eles exportam são itens de que as pessoas ainda necessitam, especialmente serviços em TI. E eles não enfrentam muita concorrência nesses campos.  Além disso, a Índia não é um país exportador de recursos naturais ou commodities. Esses fatores a tornam mais resistente que os demais Bric contra a crise.

E quanto ao desafio da inflação? Eles enfrentam uma das piores taxas entre os Bric, não é? E isso tem afetado especialmente os mais pobres, que formam a maior parte da população...

Sim, esse problema é de fato grave, mas tem pouca relação com a crise. A maior parte das pessoas pobres na Índia não operam na economia global, mas operam em nível local de subsistência. Para eles, as decisões políticas locais, como sobre os preços do transporte público, são muito mais importantes. Em suma, claro que todas as economias as economias irão sofrer em alguma escala com a desaceleração global, mas, dentre os quatro Brics, acredito que a Índia será a menos afetada.

E quanto ao Brasil?

O Brasil está crescendo a uma taxa muito satisfatória, como você sabe. Mas o Brasil é um exportador. Os maiores parceiros comerciais são Argentina, Estados Unidos e Europa. Então, se houver uma recessão nos Estados Unidos e na Europa, obviamente as empresas brasileiras vão sentir o baque. O Brasil também é um exportador de commodities. Exporta outros produtos, mas, sobretudo, commodities. Eu não acho que o Brasil será tão prejudicado quanto a Rússia, mas será mais afetado que a Índia ou a China.

O senhor ordenou os países segundo o quanto serão afetados levando em consideração basicamente as exportações. E quando levamos em conta os sistemas financeiros de cada um desses países, o que temos?

Sim, esse é um ponto muito importante. De fato, o Brasil tem instituições financeiras muito bem capitalizadas, não tem grandes bancos de investimento que tenham comprado grandes volumes de títulos podres, como é o caso de diversos outros países. A situação, no entanto é diferente na China e na Rússia. Na China, temos muitos bancos que contraíram empréstimos. Não somente para imóveis, mas para empresas em geral. A crise terá reflexos sobre todos esses créditos. No caso da Rússia, o país passou por um processo muito rápido e caótico de privatizações dez anos atrás. E muitos dos empreendedores que compraram as companhias faziam parte das oligarquias. E no início dessas empresas, não raro houve desvios de capital e movimentação pouco transparente em benefício próprio das oligarquias. Poucas pessoas tinham controle sobre isso. A questão é que muitos desses oligarcas começaram como banqueiros e, durante o processo de privatizações formaram grandes grupos de companhias em torno desses bancos. Alguns desses bancos estão praticamente falidos, pois eles canalizaram muito dinheiro para essas companhias. Sem dúvida o sistema financeiro russo está em uma situação muito pior que o do Brasil.

Também nesse quesito, então, a Rússia ocupa a pior colocação entre os Bric?

Acredito que sim. E, nesse quesito, diria que tanto a Índia como o Brasil estão a salvo.

A Índia também não se contaminou com esses títulos podres?

A Índia também possui bancos sólidos.

E quanto à China?

A China tem enfrentado problemas com seus bancos e tem tentado reestruturar alguns deles. O problema parece ser que muitas empresas, especialmente empresas que operam no mercado local e provinciano, tomaram empréstimos cujo lastro não era bom. Nesse caso não se trata de crédito imobiliário, mas crédito para financiamento de empresas. Mas novamente, a situação da China não é tão ruim quanto a da Rússia.

Com esse contexto nos respectivos sistemas financeiros, como cada um dos Bric deve reagir à crise?

Dentre os Bric, é importante notar que os problemas da Rússia e da China têm mais a ver com questões locais do que com a crise global (apesar de ser verdade que muitos investidores na China compraram títulos e ativos que agora valem muito menos nos Estados Unidos). Mas os problemas, especialmente na Rússia, têm natureza local.

Sim, a maioria das fragilidades dos Bric têm causas locais, mas com a crise, essas fragilidades os prejudicam, por exemplo, agravando o problema da inflação em cada um deles. Como os Bric estão lidando com esse problema? Todos estão sofrendo também depreciação de suas moedas, não estão?

Sim, e isso basicamente significa que eles estão importando inflação. A inflação está se tornando um grande problema, mais na Rússia do que nos demais. Esse é um problema mais grave na Rússia, mas também é alto e está crescendo na Índia, China e Brasil. Mais uma vez quem está em pior situação é a Rússia (14,7% é o dado mais recente que tenho aqui).

E por que a situação é pior na Rússia?

Há dois motivos: primeiro devido ao grande boom dos preços de petróleo e gás, que injetaram muito dinheiro no país. E, segundo, o banco central não mudou sua estratégia diante desse grande influxo para conter a circulação de dinheiro no país.

E na Índia, o que está pressionando os preços?

Na Índia, o índice é alto, mas é preocupante. Segundo o dado mais recente de que disponho, está em 8,3%. A causa da inflação na Índia é como a de vários outros países emergentes: rápido crescimento. Normalmente o crescimento vem com inflação, a menos que haja intervenção. No caso da Índia, como em outros países, o banco central não intervém para não limitar o aquecimento da economia.

Qual é a situação no Brasil e na China no que diz respeito à inflação?

Na China, a inflação está em torno de 5 a 6%, não muito alta. A razão é que a China está passando por um grande boom de investimentos. O governo está injetando muito dinheiro na economia, em obras de infra-estrutura, etc. E, claro, a economia está superaquecida por muitos anos. Recentemente o crescimento caiu um pouco para em torno de 10%, mas a causa é basicamente a mesma: o crescimento está muito acelerado e se a inflação não for controlada, começará a limitar o crescimento.

E na China o que mais pressiona a inflação nesses países são os preços do petróleo e dos alimentos, certo?

Sim, e esse é mais um ponto importante. Em cada um desses países, esses produtos têm determinado peso na cesta de itens cujos preços compõem a taxa de inflação. E os preços desses itens estão subindo muito rapidamente. No Brasil a inflação também está crescendo. Há cerca de um ano, o índice estava em torno de 4% e agora está em torno de 6%. As raízes disso são semelhantes: a economia está crescendo rapidamente e o banco central não quer desencorajar esse crescimento elevando demais a taxa de juros básica. É uma situação clássica. Ao mesmo tempo em que não é desejável diminuir o crescimento, a inflação começa a causar problemas no país. Novamente, dos Bric, quem está em pior situação é a Rússia, embora os demais não estejam em posição confortável. Todos precisam ter atenção sobre esse assunto.

Outro ponto que afeta os Brics e, na verdade, todos os países nesta crise, é o acesso ao crédito. Como cada um dos Bric será afetado quanto a esse ponto?

Essa pergunta é muito específica e eu não tenho elementos suficientes para discuti-la, mas essencialmente, se nos próximos um ou dois anos, se o a inflação não for controlada, o crédito para pessoas e empresas se tornará mais limitado. Se o problema da inflação persistir, teremos um problema de crédito mais grave.

Quando olhamos para as últimas semanas, que têm sito críticas, como cada um dos Bric têm reagido?

O país que está sofrendo mais é a Rússia. No entanto, eu não atribuiria a situação atual no país estritamente à crise nos Estados Unidos. A situação está muito crítica agora, especialmente devido ao estouro da crise na Geórgia. Cerca de dez dias atrás, a Rússia precisou suspender o pregão porque os preços estavam caindo muito rapidamente. Há uma turbulência muito forte na Rússia agora, e a situação pode ser muito agravada caso aconteça de fato uma recessão nos Estados Unidos e na Europa, o que afetará a demanda por petróleo e gás. A Índia, China e Brasil ainda estão agüentando firmes. As duas economias que serão menos afetadas por toda essa turbulência serão a Índia e o Brasil.

Dois fatores que devem ajudar a China a atravessar essa turbulência são suas grandes reservas em moeda estrangeira e o grande mercado consumidor. Esses dois fatores combinados não podem garantir uma boa performance apesar da desaceleração global?

Sim, sem dúvida a China dispõe de grandes reservas. Mas a queda dos preços das commodities vai resultar em um crescimento mais moderado dessas reservas. Mas, de fato, essas reservas funcionam como um colchão para suportar a economia durante alguns meses de agonia global.

E, falando em commodities, um dos pontos que me chamou atenção na entrevista que o senhor concedeu sobre este tema em junho deste ano, o senhor destacava muito os altos preços como uma vantagem para os países emergentes exportadores de commodities. Agora a situação mudou muito, não é mesmo?

Sim. As commodities estão caindo especialmente devido à queda da demanda asiática. A situação mudou desde então. E os preços devem continuar caindo, a menos que a economia dos Estados Unidos se recupere rapidamente, já que eles são os maiores importadores de petróleo, uma das commodities que estão desvalorizando mais.

E quanto às outras commodities?

Também vão cair, as demais, como metais, etc., têm visto sua demanda diminuir, devido à desaceleração global. Menos os alimentos, porque as pessoas precisam comer ainda durante a crise.

O senhor poderia citar alguns exemplos de setores e empresas que estão sofrendo com a crise?

Bom, com certeza, todos os negócios relacionados ao mercado imobiliário e de construção e os bancos. Nós ainda não estamos vendo uma grande ameaça a grandes indústrias, com exceção das indústrias de bens duráveis, como a de automóveis. Esses segmentos têm visto suas vendas cair de 5 a 10% em comparação com o ano passado, especialmente nos Estados Unidos. Quando há uma crise, a primeira coisa que as pessoas deixam de comprar são bens duráveis. Se você tem um carro, em vez de trocá-lo em cinco anos, você adia essa troca, o que derruba as vendas. Isso está acontecendo sobretudo nos Estados Unidos e na Europa.

E nos Bric, quais são os setores e empresas mais afetadas?

Negócios relacionados à exportação de commodities, petróleo, etc.

O último ponto que eu gostaria que o senhor comentasse é sobre investimentos estrangeiros diretos. A Unctad acabou de publicar seu novo relatório, que revelou uma situação muito favorável ao Brasil, o melhor avaliado entre os Bric. Quais são as perspectivas para os demais países dos Bric, em sua opinião?

Nesses países, a economia ainda está crescendo os investidores estrangeiros vão continuar sendo atraídos por isso. Eu não arriscaria estimar que os Bric deverão sofrer uma queda nos investimentos mais grave do que os demais países no mundo devido à crise.

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