Aumento do uso do sistema privado de saúde deve levar a um reajuste mais elevado dos planos em 2022, diz diretora da Fenasaúde (Fenasaúde/Divulgação)
Marília Almeida
Publicado em 17 de maio de 2021 às 06h03.
A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) deve divulgar nesta semana o percentual do reajuste máximo autorizado para os planos de saúde individuais ou familiares para este ano. A expectativa é que o reajuste anual, aplicável aos planos com aniversário entre maio deste ano e abril de 2022, pode ser zero ou até negativo por causa da queda no número de consultas e cirurgias causada pelo temor da pandemia.
Mas esse alívio para os usuários dos planos, que chega depois de reajustes que chegaram a 40% por causa da suspensão do reajuste em 2020, não deve durar muito. O setor deve fechar o primeiro trimestre com o maior custo assistencial da história, segundo dados da Fenasaúde, entidade que representa as 15 maiores operadoras de saúde do país. Juntas, elas respondem por 40% do mercado.
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A pressão de custos é causada por dois fatores: o atendimento aos pacientes com Covid-19 e a retomada das cirurgias eletivas.
Em novembro de 2020, as despesas das operadoras foram 13,4% mais altas que em fevereiro, mês anterior ao início da pandemia. No primeiro trimestre de 2021, enquanto o Brasil superava 4.000 mortos por Covid a cada dia, os procedimentos chegaram a superar o patamar de 2020 e de 2019, demandando leitos, profissionais de saúde e custos de assistência, segundo levantamento da entidade com base no índice de utilização de 24% dos usuários do sistema.
Os procedimentos eletivos não urgentes sofreram recuo em alguns meses de 2020, mas, já no final do ano passado, haviam voltado à normalidade. Boletim da ANS detectou aumento de 37% no número de autorizações para exames e procedimentos em março deste ano frente ao mesmo período do ano anterior. "Podemos esperar um reajuste acima da média no ano que vem", diz Vera Valente, diretora-executiva da Federação Nacional da Saúde Suplementar (Fenasaúde), à EXAME Invest.
Apesar da pressão de custos e da disparada de preços, o setor de saúde continua a crescer. Incentivado pelo temor da pandemia e uma maior necessidade de segurança de saúde, o sistema privado ganhou aproximadamente 1,3 milhão de novos beneficiários nos últimos nove meses em todo o país, segundo dados da ANS. Em junho, o sistema contabilizava 46,7 milhões beneficiários, o patamar mais baixo de 2020. Em março de 2021, o número bateu a marca 47,9 milhões.
Apesar da notícia positiva na margem, o número ainda está longe do que os planos de saúde perderam em número de beneficiários de 2014 a 2020, o equivalente a cerca de 4 milhões de vidas. Uma das principais razões para o fenômeno é o aumento cada vez maior de preços e o fato de que existem poucas opções de planos de saúde individuais no mercado.
Na visão de Vera Valente, para que o crescimento seja sustentável, é necessário que o setor de saúde passe por uma mudança estrutural. "Precisamos mudar a lei e mudar o modelo de custos", defende.
Veja abaixo a entrevista concedida pela executiva à EXAME Invest.
O reajuste negativo que pode acontecer nos preços dos planos de saúde seria algo inédito? E esse ciclo deve durar?
Houve uma queda na sinistralidade nos últimos 12 meses que deve se refletir no reajuste deste ano. Como houve queda no uso do sistema, adiamento de cirurgias eletivas, houve esse reflexo. Tudo indica que os planos individuais não devem ter reajuste ou o preço deve até mesmo cair neste ano.
Por outro lado, há um maior uso histórico do sistema agora por causa da segunda onda da covid, que tem como característica internações mais longas, de usuários jovens, e retorno forte das cirurgias eletivas. Isso sem contar as sequelas da covid, físicas e mentais, que podem ser perenes e ter impacto grande no sistema.
O reajuste de 2021 reflete o ano de 2020, e 2022 irá refletir esta forte retomada que estamos observando em 2021. É assim que funciona no sistema de mutualismo. Dessa forma, os usuários podem esperar um reajuste maior do que a média no ano que vem.
É natural retomar. Mas o que chamou a nossa atenção é que 70% das cirurgias eletivas poderiam ter sido adiadas por causa dos riscos do vírus. São cirurgias bariátricas, da coluna e de varizes que poderiam ter sido feitas um pouco mais para a frente, e não em um momento de agravamento da pandemia e aumento da demanda por hospitais.
Diferentemente dos individuais, que são obrigados a obedecer o teto da ANS e equivalem a 20% do mercado, os planos coletivos têm o reajuste definido na relação comercial entre contratante e operadora. A Fenasaúde tem alguma expectativa de reajuste para esses 80% dos planos?
Não temos como prever qual será a média de reajuste que será aplicada nos planos de saúde coletivos por adesão ou empresariais. Isso porque cada plano vai pegar um período diferente na pandemia, conforme o aniversário do contrato.
Em cada um deles há um pool de vida, e o cálculo é feito com base nesse conjunto. O uso de exames e procedimentos pode não ter sido necessariamente reduzido para o grupo analisado, e seu perfil etário pode afetar o preço. Existe também o poder de negociação da empresa e da entidade que oferece o plano, que é maior para empresas grandes, e vice-versa. Mas quem não está satisfeito sempre pode fazer a portabilidade.
O fato é que precisamos fazer com que o sistema cresça. Porque existe conexão entre o privado e o público. Se a saúde privada cuida de 48 milhões de pessoas, o equivalente ao tamanho da Espanha, cuidar dessas pessoas desonera o SUS.
E como fazer o sistema crescer?
Uma das formas de crescer é segmentando mais. Hoje os planos de saúde incluem terapias, embute custos com quimioterapia, procedimentos caros. Ninguém aqui está dizendo para eliminar o produto completo, mas colocar mais produtos na prateleira.
Se alguém é jovem, saudável, cuida da saúde, faz atividade física e usa apenas ginecologista, pode querer comprar um plano que dê direito apenas a consultas. É um plano reduzido, mas se não tiver isso a única opção da pessoa pode ser ir para o SUS. Se houver a opção, ela gerencia o seu risco. Quem puder pagar, escolhe o completo.
Outro caminho é o crescimento do plano empresarial. Hoje muitas empresas não oferecem plano de saúde. Mesmo entre pessoas com carteira assinada, metade não tem plano de saúde. Há um movimento forte ESG, de responsabilidade social.
O plano de saúde também é um fator de retenção, atratividade de talentos. Muitas delas são empresas pequenas e médias, que poderiam oferecer mais planos de saúde se flexibilizássemos os custos, segmentando. Mas também existem empresas grandes que só pagam plano de saúde para a diretoria. A base da pirâmide não tem.
E o que impede que essas mudanças ocorram?
O problema é que no Brasil, para que haja qualquer evolução, tem que mudar lei. É possível, mas vai depender do momento. A lei atual tem 23 anos e precisa ser modernizada. O perfil da população e até da tecnologia mudaram.
Já sobre os custos do sistema, que é algo mais fácil de modificar, o predominante hoje é o modelo da cobrança por serviço. Quando um usuário mostra a carteirinha de plano executivo, o médico faz todos os exames porque tem certeza que vai receber por eles. Quanto mais usa, mais ganha. Não preciso nem dizer que vai ter excesso de uso.
Em muitos lugares do mundo, esse modelo está migrando para outro que privilegie o resultado. A remuneração é feita de acordo com o desfecho do problema e o bom resultado produzido para o paciente, com base em eficiência.
Isso passa também por uma mudança de cultura do usuário, que deve gerir melhor o seu uso. Operadoras já começam a optar por um modelo de co-participação e franquia para disciplinar o uso, mas até para isso é necessário flexibilizar a lei. O uso racional do sistema depende de todos.
Lançamos nossa agenda de modernização para a saúde no final de 2019 em Brasília. Hoje o setor lida com muita judicialização. O paciente muitas vezes busca na Justiça coberturas que não estão previstas em contrato, tratamentos, medicamentos e tecnologias novas que ainda não fazem parte do rol da ANS.
Mas a ANS tem de olhar para a tecnologia que é boa para o sistema. Existem procedimentos que custam 10 mlhões de reais, e esse custo é rateado por todos no sistema. Defendemos que haja critérios técnicos e que seja analisado o quanto uma nova tecnologia é benéfica e compensa o aumento do custo do plano.
Na saúde, diferentemente de outros setores, a tecnologia sempre traz custo. Se não tivermos um bom controle dos custos, os preços disparam.
Faltam opções de planos individuais, mas algumas operadoras vêm lançando novos produtos com preços mais acessíveis. Elas são de fato uma alternativa para o consumidor?
Vejo muito barulho e poucos números. Operadoras divulgam planos de saúde que não têm nem mil vidas simplesmente porque não são acessíveis. A Omint está lançando um plano individual, e é uma operadora estabelecida no mercado, pode ser um avanço no sentido de modernização.
Mas o fato é que poucas empresas vendem o plano individual hoje porque ele é engessado. A definição do reajuste pela ANS torna o mercado arriscado para as empresas. O mercado tem de deixar as empresas competirem. Defendemos a flexibilização para que as empresas voltem a vender esses planos.
O que começa a aparecer também são serviços de saúde, que não são planos de saúde. Um plano de saúde é fiscalizado pela ANS, tem reserva financeira para garantir a solvência de sua carteira e compromisso de garantir a sobrevivência do plano. Há uma regulação.
Este tipo de planinho por assinatura geralmente oferece apenas consultas. E depois? Não tem garantia de resolver problemas. Mas o movimento é interessante porque demonstra que há demanda por uma opção acessível. Temos de comparar coisas comparáveis.
Não tem mágica. O motivo do fenômeno da disparada de preços dos planos é o custo alto das novas tecnologias, o excesso de uso do sistema e o envelhecimento da população.
A Prevent Senior é uma empresa que oferece planos mais acessíveis para idosos porque tem estrutura de custos enxuta. É verticalizada, tem apenas hospitais próprios.
O consumidor precisa comparar redes. As novas operadoras que fazem barulho apontam que têm o Einstein na rede. E se o usuário não estiver em São Paulo e não ter acesso ao Einstein, como fica? Na seguradora você elege o médico. Já em uma verticalizada não tem como escolher. É o médico da operadora.
A Fenasaúde mostra que o número de usuários de planos aumentou, mas isso nos coletivos, especialmente os empresariais. E os individuais?
Houve crescimento de 2,5% dos planos coletivos empresariais, mas os individuais cresceram 0,07% e especialmente entre idosos.
A telemedicina, que cresceu com o isolamento imposto pela pandemia, ajudar a equilibrar o sistema?
O modelo no Brasil é muito voltado para o hospital: o paciente vai para lá com qualquer problema que tenha. Se tem um aprendizado que podemos tirar da pandemia é a descentralização.
Levantamento feito pela entidade mostra que, entre fevereiro de 2020 e janeiro deste ano, foram realizados mais de 2,6 milhões de atendimentos de telesaúde no país, segundo dados de 8 das 15 operadoras e seguradoras associadas. São pessoas que deixaram de ir ao hospital. A pandemia também trouxe um maior autocuidado, o que mostra que o uso racional do sistema depende de todo mundo.
Do total de chamadas identificadas no levantamento, 60% foram feitas para casos de urgência e 40% para casos eletivos. Em mais de 80% dos casos, a necessidade do paciente foi totalmente atendida de forma remota. O índice de satisfação dos clientes com esse tipo de atendimento ficou entre 75% e de 94% de avaliações 'bom' ou 'ótimo', dependendo da operadora.
Contudo a telemedicina carece de regulamentação definitiva. O decreto que dá segurança jurídica está amarrado à pandemia. Após a pandemia, caso não haja segurança, os produtos podem deixar de ser ofertados. Há uma discussão no Conselho Federal de Medicina sobre a regulação definitiva e um projeto de lei que tramita no Congresso.
Seria benéfico ter essa regulamentação no país. Temos um problema de acesso: 53% dos médicos estão na região Sudeste. Além disso, a telemedicina oferece comodidade para quem não pode se locomover.