Invest

Fundos exclusivos de previdência deixarão de existir? Entenda as novas regras

Segundo especialistas, mudanças nas resoluções que regulamentam o setor de seguros e de previdência privada visam evitar que os benefícios fiscais da modalidade sejam usados para outros fins

 (Nora Carol Photography/Getty Images)

(Nora Carol Photography/Getty Images)

Rebecca Crepaldi
Rebecca Crepaldi

Repórter de finanças

Publicado em 21 de fevereiro de 2024 às 15h30.

Última atualização em 23 de fevereiro de 2024 às 14h46.

Em uma tentativa de minar as brechas na regulamentação dos fundos de previdência privada, o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) publicou na última terça-feira, 20, as resoluções nº 463 e 464, que tratam das regras de funcionamento do setor de seguros e previdência privada, como o Plano Gerador de Benefícios Livres (PGBL) e os Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), em fundos abertos e fundos exclusivos.

As mudanças fazem parte de uma estratégia de arrecadação do governo. Isso porque as novas regras visam impedir o movimento de fuga da tributação dos fundos exclusivos e fundos offshore com a migração dos super-ricos para os fundos exclusivos de previdência. É o que explica Joaquim Gomes Especialista da Mesa de Alocação da RJ+ Investimentos.

“Ainda que o volume seja relativamente baixo, o governo percebeu que há uma tendência de cada vez mais os grandes investidores ‘driblarem' as regras referentes aos fundos exclusivos e offshores por meio dos fundos exclusivos de previdência, já impondo portanto uma limitação no produto para fechar o cerco”, diz o especialista.

Com a instituição do come-cotas nos fundos exclusivos e a tributação anual nos fundos offshore, a alternativa identificada por investidores qualificados foi migrar recursos para fundos exclusivos de previdência, que não têm come-cotas e pode chegar a alíquota mínima de 10% pela tabela regressiva após 10 anos - menor que os 15% anuais instituídos para os fundos offshore, por exemplo.

Fundos exclusivos de previdência serão limitados

A solução encontrada pelo Ministério da Fazenda para impedir esse movimento foi limitar os fundos exclusivos de previdência, vedando que um segurado não pode “manter mais que R$ 5 milhões em um plano VGBL quando ele e seus familiares tiverem mais que 75% das cotas do fundo de investimento atrelado ao plano. E mesmo sem ser em planos familiares, um investidor também não poderá ter mais de R$ 5 milhões investidos em fundos exclusivos de previdência.

Ricardo Jorge, especialista em mercado de capitais e sócio da Quantzed, explica que geralmente, os fundos exclusivos de previdência têm um grande montante patrimonial e conseguiam diferir o pagamento do imposto, dado que esses fundos não têm o critério de come-cotas como outros veículos.

"O que muda com essa nova determinação é que esse canal fica ainda mais estreito para esses investidores que têm muitos recursos, fica mais difícil para eles criarem estratégias que diferem o pagamento de impostos”, diz.

À EXAME Invest, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) destacou que considerando dados de janeiro de 2024 existem, atualmente, 4.227 fundos exclusivos de previdência, com patrimômio de R$ 1,4 trilhão. Dentre esse número, existem os fundos com planos familiares com mais de R$ 5 milhões investidos, mas a Anbima ressalta que o montante equivale ao universo total e que não é possível afirmar quantos se enquadram nas novas regras do CNSP.

Segundo Jorge, o mercado também notou essa movimentação no ano passado em outros tipos de fundos. “Alguns investidores decidiram migrar as suas posições de fundos exclusivos de renda fixa para fundos de renda fixa. Essa foi uma das soluções. Uma parte desses recursos foi, inclusive, direcionada para fora do país”, comenta.

Em sua análise, os investidores estão percebendo que se aqui não tem a vantagem tributária, não faz sentido continuar com o dinheiro haja vista os riscos do Brasil. Então houve também uma parcela desses investimentos que aproveitaram esse momento para expatriar os valores para paraísos fiscais, lugares que oferecem melhores condições tributárias. “Houve uma migração muito forte de recursos para o Uruguai, por exemplo”, destaca.

Estímulo à formação de previdência

Além de tentar evitar o uso dos fundos exclusivos de previdência para uma estratégia tributária, o Ministério da Fazenda afirmou que as mudanças são para tornar os produtos de previdência e seguros de pessoas mais transparentes, compatíveis e adaptados às necessidades dos investidores, estimulando a formação de poupança previdenciária no país.

“A medida, relacionada principalmente aos produtos PGBL e VGBL, tem como objetivo principal tornar os produtos de previdência complementar aberta e seguro de pessoas mais modernos, de modo a atender melhor às necessidades dos consumidores, criando condições mais favoráveis à formação de poupança previdenciária no país e à ampliação da eficiência e da competitividade no segmento”, publicou a Superintendência de Seguros Privados (Susep).

Assim como nas novas regras estipuladas para os títulos Letra de Crédito Imobiliário (LCI), Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI), Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e Letra Imobiliária Garantida (LIG), o governo tenta regulamentar o VGBL e o PGBL para poderem atender o objetivo pelo qual foram criado.

O que mudou?

Somado ao limite para criação de fundos exclusivos, outras mudanças focadas nos investidores de previdência foram estabelecidas. Dentre as alterações, há uma nova abordagem em relação às rendas, oferecendo aos consumidores a oportunidade de determinar os critérios para o recebimento de seus rendimentos antes deles acontecerem.

À exemplo, a Susep cita que o investidor poderá ter a opção de usufruir uma renda, enquanto mantém os aportes ao plano, possibilitando aproveitar taxas de mercado em momentos favoráveis, além de definir o tipo e o período da renda no momento da contratação da própria renda e não mais no momento da contratação do produto. O objetivo “é viabilizar a criação de produtos de caráter previdenciário que sejam menos engessados e mais flexíveis às necessidades e ao momento de vida do consumidor”, publicou o órgão.

Além disso, a nova regulamentação prevê a possibilidade dos planos instituídos, ou seja, aqueles planos de previdência fechados empresariais, que preveem uma contribuição mínima por parte dos instituidores, estabelecerem cláusula de adesão automática em suas disposições contratuais.

Como explica André Rosa, professor do curso de Direito da Faculdade Anhanguera, até então, essa contribuição por parte do trabalhador não era obrigatória durante um período inicial da adesão. “Agora, a mudança diz que o regulamento do plano de previdência pode estipular um período de contribuição inicial do colaborador, como pode também dar uma carência. Em resumo, em um primeiro momento pode seguir sem ônus, mas agora o esse regulamento e a empresa podem dizer como será a adesão.”

A atualização normativa também enfatiza a relevância de fornecer informações claras aos consumidores, incluindo alertas sobre a compatibilidade dos produtos com suas exigências individuais e peculiaridades. Por exemplo, notificando-os sobre a liberdade de escolher em qual empresa contratar sua renda com base nas condições mais vantajosas, e não apenas na disponibilidade dos recursos, além de recomendar a redução da exposição a riscos nos investimentos à medida que se aproxima a data de usufruto dos benefícios.

*Matéria atualizada com novos números enviados pela Anbima na sexta-feira, 23. 

Confira as últimas notícias de Invest:

Acompanhe tudo sobre:Fundos de previdênciaPrevidência privadagrandes-investidoresImpostos

Mais de Invest

Dólar fecha em queda de 0,84% a R$ 6,0721 com atuação do BC e pacote fiscal

Alavancagem financeira: 3 pontos que o investidor precisa saber

Boletim Focus: o que é e como ler o relatório com as previsões do mercado

Entenda como funcionam os leilões do Banco Central no mercado de câmbio