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Sobrou R$ 10? Por que não investir? diz Amanda Dias, do Grana Preta

Influenciadora com voz no público de baixa renda diz que muitas pessoas não sabem que é possível investir com pouco dinheiro e defende que elas busquem poupar dentro da realidade de cada uma

"Se em determinado mês não foi possível poupar, tudo bem. Cuidar do corpo e da saúde também é um investimento", diz Amanda Dias | Foto: Débora Monteiro/Divulgação (Débora Monteiro/Divulgação)

"Se em determinado mês não foi possível poupar, tudo bem. Cuidar do corpo e da saúde também é um investimento", diz Amanda Dias | Foto: Débora Monteiro/Divulgação (Débora Monteiro/Divulgação)

Marília Almeida

Marília Almeida

Publicado em 29 de maio de 2021 às 08h00.

Última atualização em 31 de maio de 2021 às 10h03.

Desempregado ou empreendendo por necessidade? Para a consultora financeira Amanda Dias, o foco deve ser sair da pandemia e da consequente crise financeira causada com saúde e o mínimo de dívidas possível -- se possível sem elas. Se não sobrou dinheiro no mês, tudo bem. Mas se sobrou, nem que sejam 10 reais, por que não investir? É assim que a influencer se conecta com o público de baixa renda e empreendedor, majoritário entre seus 40.000 seguidores.

Amanda Dias criou o canal Grana Preta, no Instagram, para oferecer orientações. O empreendedorismo é um caminho profissional comumente traçado na cidade onde vive: Salvador. "Grande parte do mercado de trabalho na cidade é formado por trabalhadores autônomos e mulheres. No Nordeste, temos um índice grande de desemprego e as pessoas precisam sobreviver. Como as mulheres têm dificuldade maior em acessar vagas e se manter no mercado, empreendem mais", afirma.

Comece a poupar e alcance a sua liberdade financeira. Veja como

Dias também sabe que apenas dizer para o seu público economizar não faz sentido. Ela dá dicas de cursos gratuitos, renda extra e sites de freelancers, além de ensinar como precificar o serviço oferecido.

Ter uma avó que foi empregada doméstica desde os 9 anos, o pai trabalhando em dois empregos e a mãe auxiliando a gerenciar as finanças do pequeno comércio despertou em Amanda o desejo de falar sobre organização financeira para quem não costuma ser levado em consideração quando se trata de conteúdo financeiro.

Para ela, a famosa citação de que dinheiro não traz felicidade "é coisa de quem tem muita grana e quer que o pobre se contente em ter quase nada". "Dinheiro ameniza preocupações e angústias. Faz o mercado e paga o plano de saúde”, define.

Veja abaixo a entrevista de Amanda Dias, do Grana Preta, à EXAME Invest.

Você defende a necessidade de falar sobre educação financeira para a baixa renda. Costumamos superestimar ou subestimar o conhecimento financeiro do brasileiro?

Superestimar. Às vezes recebo perguntas que parecem óbvias, mas não são. Às vezes as pessoas precisam de conhecimento básico.

Tem gente que pergunta se precisa formar a reserva de emergência para depois investir ou se e possível investir no banco. Aparentemente são questões fáceis de responder, mas para quem pergunta é um problema grande.

Você diz que no Brasil as famílias pardas e negras reproduzem a cultura de povos vindos da África, onde as figuras femininas são as protagonistas das economias familiares. Vem daí a importância de falar sobre dinheiro para mulheres negras?

A mulher negra geralmente é a protagonista do orçamento familiar não apenas por causa da herança familiar mas por causa do racismo histórico e do abandono parental e paterno. Existem diversos fatores que implicam nessa configuração.

Contudo não consigo ignorar o espaço que a mulher ocupa, de poder. Eu tive um pai presente, mas ao mesmo tempo tinha uma estrutura de poder na família que sempre circulava pelas mulheres. O primeiro filho da minha avó foi um homem, mas quem detinha o poder da casa era a minha tia, a segunda filha que se tornou a mulher mais velha da casa. Então acredito, sim, que haja um pouco de memória ancestral.

Hoje sabemos que a figura do pai de família é ultrapassada. As mulheres sempre precisaram se virar para ter acesso à renda e encarar um mercado de trabalho segregado. Depois da pandemia essas questões saltaram ainda mais aos olhos.

Existem pesquisas que mostram que é um grande problema para as mulheres se manter no mercado, além de ter de enfrentar o racismo e o machismo. Há uma dificuldade de conciliar a vida pessoal e profissional. Hoje em dia, as jornadas de trabalho são mais longas, e mulheres que têm filho e são as principais responsáveis pelo cuidado da casa e da família não conseguem conciliar isso muito bem. Aí a empresa demite o funcionário que é menos produtivo, e geralmente é a mulher.

Quando comecei a ver como poderia ajudar essas mulheres autônomas, pensei que iria encontrar que precisavam quitar dívidas, mas não. Elas estavam buscando qualidade de vida, além de sobreviver.

Geralmente elas precisam fazer a precificação correta do trabalho que oferecem, senão vão faturar apenas para sobreviver, não vão crescer nem ter qualidade de vida. Muitas mulheres têm dificuldade de cobrar pelo seu trabalho. Elas precisam definir seu próprio salário e aplicar o que sobrar no negócio e para a aposentadoria.

Você faz muitas referências à cultura de povos africanos, como os iorubás. O que eles têm a ensinar sobre finanças e como isso ajuda a engajar a comunidade negra?

A cultura Iorubá é fortemente ligada à negociação e ao empreendedorismo. A prosperidade é tão importante para esse povo que criou Ajè, uma deusa que busca ajudar o ser humano a fazer, ter e gerir dinheiro.

No passado, as mulheres negras disputavam posições de liderança e status como empreendedoras. Elas eram proprietárias de negócios nos comércios de rua e em feiras, eram responsáveis por gerir o dinheiro e dar preço aos produtos. Foram pioneiras em trazer para o país a cultura do comércio de rua. Feirantes e donas de barracas de acarajé não só sobreviveram como enriqueceram a partir desse ofício. Se foi possível no passado, diante de condições mais adversas, é possível agora também.

Muitas seguidoras já têm contato com a história africana, mas não conseguiam enxergar esse local de poder. Recebo relatos de muitas mulheres agradecendo por tornar o empreendedorismo acessível a elas através desse olhar.

Você aponta que há um problema de não identificação com o conteúdo financeiro, que acaba excluindo muitas pessoas da discussão sobre o tema. Falta conexão com a população?

É difícil dizer que é necessário economizar e investir para quem ganha um salário mínimo que não é corrigido pela inflação. Para quem não consegue comprar salada ou fruta. Muita gente vive com o básico, o arroz e o feijão. Quando dá, compra proteína. E muita gente coloca culpa no pobre quando existe na verdade um problema gigante.

Quem está longe dessa realidade geralmente acaba falando besteira. Recentemente um artista que admiro muito disse que pobre quando tem dinheiro compra salgadinho, cerveja e não poupa de 10% a 20% do salário.

O que busco fazer é trabalhar o assunto dentro do que é possível. E é um lugar de fala: tem de conhecer a realidade do público. Hoje, com a minha empresa, consigo ganhar um salário ajustado à inflação e mesmo assim é difícil manter um padrão de vida. É difícil comer bem, pagar tratamento de saúde.

O foco deve estar no que é possível fazer. Muita gente não sabe que dá para investir com 30 reais de forma segura, que existem ações que custam 10 reais. E se em determinado mês não foi possível poupar, tudo bem. Afinal, cuidar do corpo e da saúde também é um investimento. Mas se sobraram 10 reais, por que não economizar?

A inflação ronda a vida do brasileiro e sabemos que seu efeito é mais forte nas classes de menor renda. Ao mesmo tempo, hoje as pessoas conseguem tomar crédito com juros menores. Afinal, é hora de começar a montar a reserva de emergência?

O foco hoje é sair dessa crise vivo, com saúde e com o mínimo de dívidas possível, se possível até sem dívidas. Percebo que o meu público está bem cauteloso em relação a crédito. As pessoas já estão calejadas. Todo mundo conhece alguém que contratou um consignado e levou anos para quitar. Não querem nem ter cartão de crédito. Eu falo que pode ter, desde que caiba no orçamento, mas muita gente não quer nem saber. Já teve experiência ruim com o plástico.

Não basta apontar o dedo e dizer que a pessoa não fez a reserva de emergência quando tinha como. Isso não ajuda ninguém. Tento oferecer soluções. No caso de empreendedoras, busquei mostrar o caminho para a digitalização do negócio na pandemia. Um exemplo é uma menina que vendia poesia no ônibus:  conseguiu fazer um ebook e continuar faturando.

Você diz que passou por muitas dificuldades financeiras, mas via sua mãe revisando notas fiscais, anotando tudo que comprou no caderninho. Foi assim que se interessou por organização financeira?

Minha avó trabalhou como empregada doméstica desde os 9 anos de idade. Para poder sustentar meu pai e seus 12 irmãos, ela também vendia de porta em porta. Meu pai tinha dois empregos: um formal na fábrica, de manhã e à tarde. E à noite ele trabalhava no comércio na rua de sua casa. Eu sempre o vi anotando conta no caderno, fiado, estoque. E ainda tinha tempo para me ensinar a atividade de casa.

Quando cresci percebi que nunca sobrou dinheiro e passamos dificuldades. Mas todo esse sacrifício fez com que hoje eu e meu irmão tivéssemos oportunidade de não sair do zero. Hoje eu e meu irmão temos uma casa. Isso me fez olhar para as finanças com uma perspectiva de longo prazo, e não apenas para mim. O que construímos hoje representa algo grande no futuro. Há uma dificuldade de nos imaginarmos envelhecendo, de planejar.

Meus pais me ajudaram a iniciar a minha empresa. Hoje, sempre que precisam de dinheiro, negociamos. Parte da minha renda serve para que minha mãe complemente a renda do INSS. Investindo em nós eles investiram em si mesmos. A diferença é que posso atualizar o mecanismo, buscar novas formas de investir. No fundo, só a roupagem é diferente.

O que pensa sobre golpes e atalhos que começam a surgir em um cenário no qual as pessoas buscam saber sobre como ganhar mais dinheiro? 

É difícil fazer conteúdo sincero e, enquanto isso, ver que existem pessoas que mentem e enrolam. As pessoas acreditam e depois têm até vergonha de dizer que caíram no golpe. Um amigo começou a atuar como trader na bolsa e em pouco tempo anunciou que estava fazendo uma vaquinha porque não tinha o que comer. Não existe atalho. A pessoa quer ganhar milhares de reais. Mas, primeiro, precisa fazer o básico, que é a reserva de emergência. Isso não pode ser comprometido.

Tenho muita responsabilidade com o meu conteúdo e, talvez por isso, meu público seja majoritariamente feminino. Homens correm mais risco, são estimulados a isso. A mulher se preocupa com o futuro dos filhos e se dão melhor na bolsa porque não ficam na paranóia de ver o que está acontecendo com o papel. Tem gente que coloca glamour, mas não precisa disso e não deveria ser assim.

Você disse que o carro de luxo que o Gil, do BBB, ganhou poderia ser vendido e investido. Estamos todos sujeitos ao consumismo e a buscar bens desejados, até tomando dívida para isso. Como se livrar desse sentimento de ostentar uma vida que não é a nossa?

Busco entender o que faz sentido para a pessoa e questionar: você realmente precisa disso ou é uma construção social, alguém te disse que é uma métrica de sucesso? Muita gente não questiona e absorve uma imagem de sucesso de que precisa se vestir de tal forma e consumir tal produto.

Principalmente na baixa renda, composta majoritariamente por negros, consumir é o diferencial que dará acesso ou não a uma oportunidade, a um lugar, e permitirá que não seja discriminado. São gatilhos profundos. Às vezes é a marca que pesa, não o produto em si. Levo isso para a discussão, tento desconstruir.

Você cita o método do potinho. É uma forma mais interativa de guardar dinheiro?

É uma ferramenta bem visual, o que é importante para quem começa a organizar as finanças. Em diversos potes, um para cada setor do consumo, coloco dinheiro em espécie no valor que posso gastar naquele mês. Agora passei a usar potinhos de forma virtual para evitar ir ao banco.

Algumas despesas ficam na fronteira entre almoço e supérfluos, como delivery. Eu só retiro do pote de alimentação quando já fiz feira em casa e sobrou dinheiro.

Além disso, separo a conta de pessoa física da empresarial. Todo mês tiro um salário para mim dela e coloco na conta de pessoa física. Juntar ambas muitas vezes causa frustração, muita gente reclama que trabalha muito e não vê o dinheiro. É essencial, para motivar o empreendedor, que ele tenha um salário só para ele.

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