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Dólar acumula alta de 8,25% em 1 mês; como a cotação chegou a R$ 6,27?

No ano, a alta é de 29,15%; ontem, o real foi a moeda que mais se desvalorizou em relação ao dólar, dentro de uma cesta de 31 moedas.

Dólar: pesou a decisão do Federal Reserve (Stock/Getty Images)

Dólar: pesou a decisão do Federal Reserve (Stock/Getty Images)

Agência o Globo
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Publicado em 19 de dezembro de 2024 às 06h54.

Última atualização em 19 de dezembro de 2024 às 07h46.

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Em mais um dia marcado pela profunda crise de confiança do mercado sobre a condução da política fiscal no Brasil, o dólar encerrou o dia em alta de 2,82%, a R$ 6,2672, renovando o recorde de fechamento pelo terceiro dia consecutivo — isso apesar de o Congresso ter aprovado, na noite de terça-feira, parte das medidas do pacote de corte de gastos do governo.

Pesou ainda a decisão do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), que reduziu sua taxa básica de juros, mas sinalizou menos cortes à frente. Na máxima do dia, o dólar chegou a R$ 6,2707.

Em 30 dias, a moeda americana acumula valorização de 8,25% frente ao real — a maior alta em um mês desde julho de 2022, quando o governo Jair Bolsonaro promoveu um pacote de medidas assistencialistas em ano eleitoral.

No ano, a alta é de 29,15%. Ontem, o real foi a moeda que mais se desvalorizou em relação ao dólar, dentro de uma cesta de 31 moedas.

Como chegamos até aqui?

Primeiro foi um colapso da moeda. Agora, o restante dos mercados financeiros do Brasil está na mira, à medida que os investidores perdem a confiança na capacidade do governo de conter uma crise fiscal cada vez mais profunda, resumiu ontem a agência Bloomberg.

A venda que fez o dólar escalar para um recorde está engolindo tudo, desde ações a dívida em moeda local e títulos em dólar, com operadores acumulando hedges (operações de proteção ao risco) contra um calote soberano.

Observadores do mercado ouvidos pela Bloomberg dizem que as intervenções do Banco Central com leilão de venda de dólar são pouco mais que uma solução temporária, e alertam que os movimentos dos parlamentares para diluir um pacote de austeridade de destaque provavelmente só aumentarão a turbulência.

"Os investidores claramente jogaram a toalha", disse Olga Yangol, chefe de pesquisa e estratégia de mercados emergentes do Credit Agricole, ressaltando que a desconfiança cresce mesmo com os sinais positivos de crescimento da economia e das ações do Banco Central para conter o dólar.

A debandada crescente mostra como os investidores estão cada vez mais céticos em relação à política fiscal do governo Lula. Sua recente cirurgia de emergência no cérebro complicou ainda mais os esforços para reforçar as contas públicas.

O Brasil está com um déficit orçamentário anual de 10% — muito maior do que os registrados nos outros dois mandatos de Lula. O real foi a moeda com o pior desempenho no mundo nos últimos quatro pregões, acumulando um enfraquecimento de 21% neste ano frente ao dólar.

"O Brasil se tornou ‘venda primeiro, pergunte depois’ no mercado atual", disse Sergey Goncharov, gestor na Vontobel Asset Management, à Bloomberg. "As preocupações fiscais, combinadas com a reação do banco central ao movimento cambial, desencadearam algumas vendas de pânico".

‘Completa aversão a risco’

Ao contrário dos últimos dias, o Banco Central (BC) não atuou no câmbio ontem. Desde quinta-feira passada, a autoridade monetária injetou US$ 12,13 bilhões no mercado, na tentativa de atenuar a alta da divisa. No fim do dia, o BC informou que fará hoje um leilão de venda à vista de dólares de até US$ 3 bilhões, logo após a abertura do mercado regular, às 9h15.

Já o Tesouro Nacional fez ontem o primeiro dos leilões extraordinários de venda e recompra de títulos públicos, a fim de aliviar o forte avanço dos juros futuros. No entanto, o órgão não aceitou nenhuma oferta pelas 1,2 milhão de Notas do Tesouro Nacional - Série F (NTN-F) que estava ofertando. Além disso, o Tesouro recomprou apenas 10% do total de títulos que havia proposto.

Esses leilões, que ocorrerão também hoje e amanhã, foram anunciados na segunda-feira. As operações são vistas como uma ação complementar à ação do Banco Central no mercado cambial. Desde maio de 2020, durante a pandemia de Covid-19, o Tesouro não promovia esses leilões.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ressaltou ontem que “o câmbio é flutuante” e que este vai se acomodar “em virtude do desdobramento das medidas tomadas pelo governo”. Mas não conseguiu acalmar os investidores.

Para a economista-chefe da B.Side Investimentos, Helena Veronese, as falas da equipe econômica apontam a necessidade de novos ajustes, mas “o núcleo duro” do governo “não tem essa intenção”:

"O cenário é de completa aversão a risco. É um ceticismo. Essa dúvida sobre continuidade gera esse desconforto gigantesco que não faz o dólar ceder".

‘Jogando dinheiro fora’

Tony Volpon, ex-diretor do BC, alertou para os efeitos da escalada do dólar na economia real, impactando a população:

"(O governo) está adotando escolhas que não vão levar a um final feliz. Porque em algum momento isso vai bater na economia real: no crescimento, na inflação, no emprego".

Na visão de Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria, o fato de as intervenções do BC e do Tesouro não terem atenuado estruturalmente o dólar ou contratos futuros de juros mostra que “o que está fora do lugar é a política fiscal”:

"Estamos diante de uma profunda crise de confiança. O Banco Central estará jogando dinheiro fora se continuar intervindo no mercado. A inversão só vai acontecer se houver mudanças fiscais".

A taxa de depósito interfinanceiro (DI) para 2027 chegou a superar os 16% ontem, para encerrar a 15,84%, contra fechamento de 15,41% na véspera. Dos anos de 2026 a 2030, todas as taxas fecharam em alta e acima de 15%. A Selic está hoje em 12,25% ao ano.

"Há pouca probabilidade de uma mudança relevante de mudança de cenário do endividamento público. Isso continuamente vai pressionar a moeda brasileira. E dificilmente haverá mudanças no curto prazo. Isso azeda o humor", disse Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV.

Ele cita ainda a antecipação do cenário eleitoral:

"Estamos falando em 2026, mas o debate está presente hoje. Nenhum governo no mundo adota medidas impopulares em períodos eleitorais. Por que o nosso vai ser diferente? É natural que haja desconfiança em ajustes pelo governo nesse ambiente".

Para Padovani, o dólar pode alcançar os R$ 6,50 em 2025, pressionado também por fatores internacionais, como uma desaceleração econômica global e a taxa de juro americana em patamar alto.

Ontem, o Fed reduziu sua taxa básica, como esperado, em 0,25 ponto percentual, para o intervalo entre 4,25% e 4,50%. A decisão não foi unânime: houve um voto por não haver corte.

Mas o BC americano também divulgou suas projeções para o ano que vem, com PIB e inflação maiores do que o estimado em setembro, e desemprego menor.

"A postura da política monetária é menos restritiva, e o Fed pode ser mais cauteloso para considerar mais ajustes na política monetária", afirmou o presidente do BC americano, Jerome Powell, em entrevista coletiva após a reunião.

A declaração foi interpretada como um sinal de que o Fed pode não fazer os três cortes antes esperados para 2025.

Segundo a plataforma FedWatch, que resume as previsões do mercado sobre os juros nos EUA, a maior parte dos investidores aposta em apenas mais um corte na taxa até o fim do ano que vem.

Empresas perdem R$ 130 bi

Com isso, os principais índices acionários tiveram fortes quedas: Dow Jones de 2,58%, S&P 500 de 2,95% e Nasdaq de 3,56%. O rendimento do título do Tesouro americano de 10 anos subiu 1 ponto percentual, para 4,50%.

O mercado acionário brasileiro também refletiu a turbulência no dia. O Ibovespa tombou 3,15%, aos 120.772 pontos, a maior queda desde 10 de novembro de 2022, depois de o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, criticar a pressão por responsabilidade fiscal. A Bolsa voltou ao patamar de junho e acumula desvalorização de 10% no ano.

Segundo a consultoria Elos Ayta, ontem as empresas listadas na Bolsa perderam R$ 130 bilhões em valor de mercado.

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