Como um fundo gerido por robôs tem superado a crise dos multimercados
Gestora que teve início a partir de estratégias fundamentalistas mudou abordagem há cerca de dez anos e vem colhendo frutos; retorno do fundo mais antigo equivale ao triplo do Ibovespa em pouco mais de 15 anos
Repórter
Publicado em 11 de julho de 2024 às 07h00.
Última atualização em 11 de julho de 2024 às 18h32.
A sequência de resgates nos multimercados já dura três anos, com as saídas líquidas totalizando R$ 320 bilhões desde 2022. Diante de um ambiente incerto e de difícil navegação nos mercados, retornos abaixo do CDI e competição com ativos incentivados estão entre os principais motivadores da captação negativa. Apesar do cenário mais complexo, a gestora Constância Investimentos, com R$ 3 bi sob gestão, tem colhido os frutos de uma mudança de perfil feita há uma década, que envolve depender menos do feeling e mais dos padrões estatísticos do mercado.
O resultado tem sido consistente. Na frente dos multimercados, o Constância Absoluto tem superado o CDI em todos os anos desde sua criação, em 2018, gerando um retorno de 106% (equivalente a 180% do CDI). O fundo é baseado no Constância Fundamento, o fundo de ações da casa aberto em 2009, que já rendeu 300%, cerca de três vezes a rentabilidade do Ibovespa no período. A diferença do multimercado é que, em vez de ficar sempre comprado, o fundo aposta tanto na alta quanto na queda das ações.
Cassiano Leme, CEO da Constância Investimentos, recorda que, nos primeiros anos, a Constância tinha processos bem semelhantes ao de gestoras fundamentalistas tradicionais, com análises profundas de poucos ativos. "Mas, entre 2014 e 2015, decidimos adotar uma abordagem sistemática, muito mais diversificada e baseada em regras claras. Já era um modelo bastante popular nos Estados Unidos, mas que ainda não tinha obtido o mesmo sucesso comercial no Brasil", conta Leme em entrevista ao Vozes do Mercado, da Exame Invest.
Por dentro dos sistemas
Dentro de uma série de estratégias proporcionadas pelos sistemas automatizados, Leme decidiu por uma mescla entre as abordagens fundamentalistas e gráficas. "Não fazemos nada muito diferente do que outros analistas fazem, mas fazemos isso para praticamente todas as ações da bolsa e ao mesmo tempo. Procuramos separar empresas que estão em estágios de melhoria de seus negócios das que não estão. Olhamos também para aspectos mais técnicos do mercado, como tendência de preços. Não são conceitos novos. A novidade é a forma de apurar tudo isso", explica.
Em vez de procurar potenciais oportunidades na bolsa, portanto, os analistas da Constância buscam novas formas de aprimorar o modelo de gestão. São hoje cerca de 100 métricas utilizadas pelo sistema da gestora, sendo que a montagem dos portfólios é feita com base na pontuação dos ativos dentro de cada uma dessas métricas. Para colocar o plano em prática, foram necessários investimentos significativos em infraestrutura, com contratação de arquitetos de sistemas, desenvolvedores e engenheiros de dados.
"Temos um banco de dados com todas as informações contábeis de todas as empresas brasileiras que têm ou já tiveram capital aberto. São 1,5 bilhão de registros. Para utilizarmos esses registros, precisamos fazer uma parceria com a IBM para rodar em nuvem. Os códigos que fazem esses cálculos estão dando quase 70.000 linhas. É preciso fazer a manutenção desses códigos. Temos uma equipe grande na Constância que não está empenhada em finanças, mas em infraestrutura computacional."
Para trazer a estatística a seu favor, a gestora investe em um número de ações bem maior que a média do mercado. São cerca de cem empresas investidas na parte comprada, enquanto fundos de ações tradicionais investem de 15 a 30. Como cada ação dificilmente passa de 4% do portfólio, eventuais perdas podem ser compensadas pelo ganho. "Seria praticamente impossível acompanhar 100 empresas sem um modelo sistemático."