Conheça o "blockchain brasileiro" que já é usado pela B3 e por Felipe Neto
Hathor foi criada a partir de uma pesquisa acadêmica, mas também enfrenta desafios de expansão em um ecossistema competitivo
Repórter do Future of Money
Publicado em 26 de julho de 2023 às 10h00.
Última atualização em 26 de julho de 2023 às 17h30.
Apesar do caráter global, muitos dos blockchains mais conhecidos do mercado possuem como ponto em comum a forte ligação com a língua inglesa e uma concentração de fatias significativas de usuários e desenvolvedores em países mais ricos, como Estados Unidos ou na Europa. Entretanto, isso não significa que o mercado cripto brasileiro não conte com redes blockchain próprias.
Um desses exemplos é a Hathor. Lançada para o público em 2020, a rede tem como objetivo ser o lar de diferentes projetos que formam atualmente o ecossistema cripto brasileiro. O seu principal diferencial, além do país de origem, é uma arquitetura de funcionamento diferente da de redes mais tradicionais e consolidadas do mercado, como Bitcoin e Ethereum .
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Apesar de ainda enfrentar desafios e uma longa jornada no esforço de concorrer com esses rivais, o blockchain tem feito algum progresso no Brasil. Em junho, a B3 anunciou que sua nova plataforma de negociação de criptoativos , com foco em tokenização, utiliza a tecnologia da Hathor.
A rede também é usada pela Vórtx QR Tokenizadora, primeira plataforma de tokenização do Brasil que foi aprovada e regulamentada pelo Sandbox da Comissão de Valores Mobiliários ( CVM ). Outro caso de uso mais famoso envolve a 9Block, plataforma de tokens não-fungíveis (NFTs) criada pelo youtuber Felipe Neto .
Em entrevista exclusiva à EXAME, Marcelo Brogliato, criador da Hathor, destacou que o blockchain "vem crescendo, melhorando e se adaptando conforme o mercado muda", com foco em uma expansão não apenas nacional, mas também internacional, conforme enfrenta desafios associados a essas metas ousadas e também planeja lançar novidades ainda neste ano.
Primeiros passos
Brogliato explica que a origem da Hathor está em uma universidade brasileira. O projeto começou quando ele fazia o seu doutorado na FGV, onde estudava a escalabilidade das redes blockchains, ou "como fazer elas serem capazes de processar mais transações por segundo". Para isso, ele decidiu propor uma arquitetura de funcionamento diferente da encontrada em outros projetos internacionais, como a Ethereum e o Bitcoin.
Inicialmente em dúvida sobre colocar a proposta na prática, a decisão foi tomada em 2018, quando ele participou de uma conferência na Suíça e viu que muitas das reclamações sobre a tecnologia envolviam a baixa escalabilidade, problema que ainda não foi resolvido no setor. Meses depois, o projeto começou a tomar forma.
Em 2019, Brogliato e os outros idealizadores criaram um código funcional "do zero", priorizando uma arquitetura nova. A rede de testes foi lançada no mesmo ano, com algumas demonstrações de funcionamento de tokens e carteiras digitais na Suíça e no Brasil conforme a tecnologia era aperfeiçoada. O processo terminou em dezembro daquele ano, com o lançamento para o público em 2020.
"A Hathor tem sua origem só com brasileiros, mas hoje é mais internacional. Ela nasce na academia brasileira, é implementada por brasileiros e iniciada por brasileiros. É um motivo de orgulho bem legal. Hoje ela cresceu muito, atua em vários países e tem patentes pendentes, focando em Estados Unidos, China e Europa", comenta o criador.
Dados compartilhados pela Hathor com a EXAME ilustram esse crescimento. Em agosto de 2021, ela atingiu a marca de 100 mil transações. Em janeiro de 2022, chegou a 500 mil, impulsionada pelo lançamento de projetos de NFTs. Já em dezembro, chegou à marca de 1 milhão. Desde então, porém, tem uma certa estagnação: em julho, foram 1.045.621 transações. Mas o número está distante de grandes blockchains - a rede Bitcoin processa, por dia, 529 mil transações em média, e a Ethereum, 1,036 milhão.
Como funciona a Hathor?
Segundo Brogliato, a Hathor adota uma tecnologia que permite a criação de blockchains públicos, privados, permissionados ou híbridos, semelhante a outros projetos do mercado. A rede pública é a Hathor Mainnet, que pode ser usada de forma gratuita. Além disso, apesar de ter um token nativo, ela permite a criação de outras criptomoedas dentro dela. As transações também não possuem taxa.
O grande diferencial, explica o criador, está exatamente na forma como a rede processa essas transações. Com uma metáfora, ele explica que, se o blockchain do bitcoin ou a Ethereum fossem uma estação de metrô, cada vagão representaria um bloco, com uma quantidade máxima de pessoas - as transações - que caberiam. Portanto, quem não entra no vagão, precisa esperar o próximo trem. Entretanto, a entrada não é por ordem de chegada, mas sim pelo tamanho da taxa paga, o que dá vantagens para quem está disposto a pagar mais e facilita congestionamentos.
Se o Bitcoin consegue processar sete transações por segundo - ou seja, colocar no máximo sete pessoas em um vagão -, o Ethereum consegue em torno de 45. Mesmo assim, ainda são números pequenos pensando em uma potencial adoção, e demanda, em massa. No caso da Hathor, a lógica é outra, afirma Brogliato.
"Na Hathor, não coloca as transações no bloco, elas ficam em uma estrutura fora do bloco e quando o bloco é encontrado, a rede confirma todas as transações reunidas, não importa a quantidade que tenha. De forma instantânea. Não é uma questão de tamanho de bloco, é como se fosse um bloco infinito. O vagão vem e leva tudo de uma vez", comenta.
Com isso, ele acredita que o blockchain tenha um potencial maior de escalabilidade, por mais que essa teoria ainda não tenha sido testada considerando o tamanho da rede. Hoje, o maior caso de uso para a rede é a tokenização de ativos tradicionais. Entretanto, a meta da empresa é "trazer facilidade para esse mundo de blockchain", permitindo que os interessados não precisem ser especialistas na tecnologia para usá-la.
"Por isso a rede é multitoken, por isso não precisa de contrato inteligente. Você pode fazer uma criptomoeda para cada transação e é tão seguro quanto o token principal. Pode ser usada de brincadeira ou no ambiente real. Um salão de cabelo no Aracajú por exemplo criou um token de fidelidade na Hathor, mas é a mesma estrutura usada em uma tokenizadora no projeto da CVM, o mesmo nível de segurança, com essa facilidade, simplificação", afirma.
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Desafios e próximos passos
Brogliato avalia que o blockchain está bem posicionado para se beneficiar da tendência de expansão no Brasil e no mundo, em que "cada vez mais empresas estão aderindo" à prática e, por isso, demandando redes mais seguras, simples e escaláveis. Entretanto, a atração desses projetos também demanda novidades.
Depois dos NFTs , a Hathor planeja agora lançar a sua própria versão de contratos inteligentes, chamados de "nanocontratos". Com isso, a ideia é atrair iniciativas do segmento de finanças descentralizadas ( DeFi , na sigla em inglês). A expectativa é lançar a novidade até o fim de 2023.
Por outro lado, o projeto também enfrenta alguns desafios - tanto os comuns ao setor quanto específicos pela origem brasileira. "Do ponto de visa técnico [a origem] não faz diferença, o que importa é ser seguro. Mas do ponto de vista de negócios faz. Temos mais dificuldades para acessar o mercado, com reputação, diligência. É mais difícil do que para projetos criados no exterior", comenta o criador da Hathor.
"O Brasil não tem uma tradição de criar tecnologias de blockchain, e isso talvez seja uma das principais dificuldades, mas estamos tentando expandir para outros países", comenta. Já nacionalmente, a ideia é continuar atraindo empresas tradicionais para a rede e entrar nos debates em torno do projeto do Real Digital .
Ele destaca, porém, que "cada lugar anda em um ritmo diferente. O nosso papel é na adoção, convencer, conseguir as licenças e convencer as empresas para tokeniuzar o que forem tokenizar".
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