Cena do documentário 'Pelé', na Netflix (Reprodução/Divulgação)
Lucas Amorim
Publicado em 29 de dezembro de 2022 às 17h34.
Última atualização em 29 de dezembro de 2022 às 19h33.
Os seis gols de Pelé na Copa de 1958 sacudiram o mundo do esporte, mas também firmaram as bases de um certo jeito brasileiro de levar a vida. Foi a consolidação do soft power verde-amarelo, de um país que se firmava perante o mundo como o lugar do samba, da bossa nova, das praias — e da Amazônia.
Em 1958, vale lembrar, milhares de operários assentavam os tijolos de Brasília. Era, vá lá, o reencontro do país com sua imensidão. No Rio, ainda capital, um grupo de jovens músicos capitaneados por João Gilberto, Tom e Vinícius dava os primeiros acordes suaves da Bossa Nova.
O ritmo tomaria os ouvidos do mundo com um histórico show no Carnegie Hall, em Nova York, em 1962, no mesmo ano em que Pelé, lesionado na estreia, viu do banco de reservas o Brasil ser bicampeão do mundo. Seu hino, justamente de 1958, é Chega de Saudade, com o mais que conhecido refrão "Vamos deixar desse negócio de viver longe de mim".
O Brasil, nos 64 anos seguintes, não viveu sem Pelé. O país teve e tem outras dezenas de ídolos, no esporte, na música e nas artes, mas aos olhos do mundo o rosto do país sempre foi Pelé. Não poderia haver garoto-propaganda melhor. As falhas mundanas de Edson Arantes do Nascimento nunca pesaram de fato para abalar a imagem pública do Rei — e para fazer do Brasil um dos países mais simpáticos do mundo.
Festejado por famosos e poderosos, Pelé inventou o jogador celebridade
Se a Itália tem o macarrão, os Estados Unidos têm Hollywood, a Argentina tem o tango, Cuba tem os charutos, o Brasil tem Pelé. É uma análise simplista, claro. Mas assim são as lembranças afetivas. Em qualquer grupo focal de grandes marcas com seus consumidores ou potenciais consumidores a pergunta "qual é a primeira coisa que vem à sua cabeça quando pensa em tal marca?" é um hit atemporal. Pois bem, a marca Brasil sempre teve em Pelé sua imagem mais conhecida.
Pelé é uma lembrança afetiva global. De um atleta capaz de parar guerras e de entortar zagueiros com seus dribles desconcertantes. De um jogador que, ao marcar o milésimo gol, beijou a bola e pediu para olhar pelas crianças. De um cidadão capaz de levar ao topo do mundo os traços marcantes de um rosto negro. De um ícone que, ao se despedir do Cosmos de Nova York, fez um marcante discurso entonando John Lennon: "Love, love, love".
Após mais uma campanha decepcionante na Copa do Mundo, sobram análises sobre se o Brasil segue sendo o país do futebol. Comparações colocando Messi ao lado de Pelé na hierarquia global da bola também estão na moda. Mas uma coisa não muda, e seguirá viva após este 29 de dezembro. Pelé, mais que rei do futebol, é a cara do Brasil. Somos um país complexo e cheio de problemas, claro.
Mas visto aos olhos do mundo, o Brasil de Pelé é um país negro, um país alegre, um país de amor. É o Brasil brasileiro, como consagrou Aquarela do Brasil. Terra de Pelé, samba e pandeiro.
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