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Para secretário de projetos do Estado, reassentamento é a solução mais eficiente para a questão da moradia em Manaus, que sofre cada vez mais com os reflexos das mudanças climáticas (Tiago Correa/UGPE/Divulgação)
Repórter de ESG
Publicado em 4 de julho de 2024 às 07h00.
Dinameire Benício, 45, viveu durante toda a vida em igarapés. A palafita em que morava com as duas filhas, de 16 e 11 anos, ficava na comunidade de Sharp, na zona leste de Manaus. O medo das chuvas intensas na região era algo constante. “Eu ficava acordada de noite, vendo a chuva, com medo. A casa inteira balançava com o vento”, explica.
Em março de 2023, um temporal durante a madrugada afetou a região, alagou palafitas e arrastou a terra. A casa de Dinameire foi levada pela força da correnteza. Ela contou que só teve tempo de acordar as filhas e arrastá-las para fora da casa, ouvindo os gritos dos vizinhos para que saíssem. Durante um mês, ela e as filhas moraram na casa de sua irmã.
Parte do trabalho do Banco Interamericano de Desenvolvimento em Manaus inclui o reassentamento de moradores de palafitas para áreas seguras. O programa Prosamin+, sigla para Programa Social e Ambiental de Manaus e Interior, é uma parceria entre o BID e o governo do Estado do Amazonas. A retirada da população ocorre em áreas de riscos, como na comunidade em que Dinameire e as filhas moravam.
A família — assim como outros moradores das comunidades de Sharp e Manaus 2000, na zona sul — foi reassentada para o Parque Residencial General Rodrigo Otávio, no bairro de Japiim. As 32 famílias acolhidas estão a pouco mais de um quilômetro de onde moravam anteriormente, o que, segundo Dinameire, foi o melhor benefício: a nova casa está próxima à escola onde as suas filhas estudam e ela não teve que alterar o caminho para chegar até a Zona Franca, onde trabalha.
O parque residencial foi entregue pelo governo em abril de 2023, mas o programa já atua desde 2006 com mais de 9 parques habitacionais entregues ou em construção. Ao longo de 18 anos, foi investido US$ 1,085 bilhão, sendo US$ 710 milhões financiados pelo BID e US$ 375 milhões de contrapartida do Estado do Amazonas. Ao todo, mais de 16,8 mil famílias, ou 84 mil pessoas, foram reassentadas de áreas com riscos de efeitos pelo clima, como alagamentos. A expectativa é que, neste ano, mais 1.061 famílias sejam reassentadas de áreas de risco.
O efeito foi visto até na saúde da população: dados do governo do Amazonas apontam que as intervenções do Prosamin+ apresentaram redução na incidência de doenças, como verminoses, doenças diarreicas, dengue, hepatite e até mesmo malária.
O governo também constrói áreas públicas nos locais onde residiam antigas moradias irregulares, como o igarapé Bittencourt, no centro histórico de Manaus. A população foi reassentada entre 2006 e 2009. Lá, foi construído o Parque Jefferson Péres, uma área de 53 mil metros quadrados que conta com área para corrida, um orquidário e apresentações culturais, com uma média de 700 visitas por dia.
A construção fica ao lado do Palácio Rio Negro e do Salão Rio Solimões, centros culturais e políticos construídos no início do século XX. O parque melhora o microclima da região, além de se tornar habitat para espécies de aves, como araras.
De acordo com Marcellus Campêlo, secretário de Estado de projetos especiais do Amazonas, o reassentamento é a solução mais eficiente para a questão da moradia em Manaus, que sofre cada vez mais com os reflexos das mudanças climáticas, como secas que pioram a qualidade da água ou o excesso de chuvas.
“O comitê de crises pelas mudanças climáticas foi estabelecido pelo governo do Amazonas. É extremamente provável que tenhamos mais eventos extremos relacionados ao clima”, contou em entrevista a jornalistas que visitavam o parque. Ele ainda citou que, no interior do Amazonas, cerca de 700 mil pessoas moram em áreas alagáveis.
Viviane Dutra, coordenadora social do Prosamin+, explica que o processo para selecionar as famílias que serão reassentadas passa por diagnósticos de desapropriação da área e o entendimento da realidade de cada família. A prioridade para receber as chaves dos apartamentos é de públicos vulneráveis. O principal deles é de mulheres chefes de família com filhos pequenos, como Dinameire. Um estudo da Unidade Gestora de Projetos Especiais do governo do Amazonas aponta que, na comunidade de Sharp, as mulheres eram chefes de 60% das casas.
“A gente tenta ampliar a convivência e a socialização nos parques habitacionais, porque entendemos que a memória e o apego às antigas casas ainda impedem que as pessoas aceitem se mudar. Fizemos ações entre a comunidade no Dia das Mães para integrar os moradores dali”, conta Viviane.
Cerca de cem famílias ainda devem ser reassentadas das palafitas em Sharp para outros conjuntos habitacionais.
As casas entregues contam com dois quartos, banheiro, cozinha, sala e varanda, que Dinameire decorou com mudas de plantas em vasos coloridos de plástico. A matriarca divide o quarto com as filhas. “Não tenho condições de instalar ar-condicionado nos dois quartos, então dormimos juntas”, contou em um fim de tarde que ultrapassava os 30ºC. Mesmo assim, as noites sem medo de desastres fazem ela sorrir. “Agora dormir é uma maravilha, posso descansar tranquila”.