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O que esperar do Tratado Global de Plásticos em 2025

No final de 2024, a quinta e última sessão do tratado de combate à poluição plástica não chegou a nenhum acordo e será preciso novas negociações neste ano; À EXAME, especialistas comentam

O uso demasiado e o descarte inadequado do plástico pode poluir ecossistemas aquáticos e causar danos à saúde (AFP Photo)
Sofia Schuck

Repórter de ESG

Publicado em 10 de janeiro de 2025 às 08h00.

Se por um lado tratados de clima e de biodiversidade parecem mais distantes do nosso dia a dia por falarem de mudanças muitas vezes 'invisíveis' aos olhos do cidadão comum, por outro, o que trata de plásticos é muito mais palpável --e ao mesmo tempo, pouco se fala dele.

"Nos dois primeiros,não necessariamente você vê a coisa mudando, como é o caso de ações de redução de emissões. Já o plástico é um material que está na rotina, mas sinto que as negociações em curso são menosconhecidas do que o impacto que podem gerar no mundo", disse em entrevista à EXAME, Pedro Prata, Oficial em Políticas Públicas para América Latina e Caribe da Fundação Ellen MacArthur.

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O especialista acompanhou a mais recente reunião doTratado Global de Plásticosem Busan, na Coreia do Sul, de 25 de novembro a 1º de dezembro de 2024.

Com início em 2022 no Uruguai, o Tratado Global de Plásticos visa combater a poluição em escala global e aborda todo o ciclo de vida do material poluente, desde a produção até o descarte.

No final do ano passado,mais de 170 países se encontraram na capital sulcoreana de Busan, com o objetivo de finalizar o que seria aquinta e últimasessão do encontro internacional. Anteriormente, a França, Quênia e Canadá já teriam sido casa das discussões que envolveram a busca por um consenso em torno de ações comuns entre as nações sobre economia circular.

No entanto, o que poderia ter sido ummomento históricoem Busan, frustrou: os países não chegaram a um acordo,e uma nova sessão denegociações será necessária em 2025-- ainda sem local e data definidos.

Parte do não consenso veio por parte daArábia Saudita, Emirados Árabes, Irã, Kuwait e a Rússia, países grandes produtores de petróleo -- mas não é só isso. Segundo Pedro, há uma questão central que é sobre o financiamento desta transição para a economia circular e quem paga esta conta.

"No caso do plástico, muitas vezes acabamos reproduzindo um olhar muito europeu da negociação, jogando toda a responsabilidade ou culpabilizando a não conclusão do tratado pela pressão dos países exportadores e produtores de combustíveis fósseis. Mas o financiamento também não foi resolvido e nenhuma meta de valor acordada".

Há burburinhos de uma possível sede na Austrália, Panamá, Suíça e Arábia Saudita, mas nenhum anúncio oficial, contou Pedro. "Todo mundo ficou tão esgotado no fim, que só se pensava em voltar para casa, olhar os calendários e marcar depois". Neste caso, uma reunião 5.2 não estava prevista pela ONU.

Tambémhouveram críticas pelas discussões terem sido a portas fechadas, deixando cientistas, sociedade civil e povos indígenas fora do processo.

Embora o desfecho final não tenha sido como o esperado, Pedro avalia que o tempo estipulado de 2 anos e meio desde o início do processo do tratado foi extremamente rápido se compararmos com outros acordos."Demoramos30 anos para alguma decisão sobre clima ou até combustíveis fósseis. Podemos ter frustração, mas quem acompanha de perto, já imaginava", contou.

Via de regra, um tratado só sai se os 193 países da ONU concordam. Mas há uma tendência de que se forme um bloco de 150 partes -- e o restante não participe. "Isso é um cenário possível. Não necessariamente 100%  assina, no entanto é preciso que não se tenha nenhuma nação formalmente contrária ao texto", explicou Pedro.

Por que economia circular?

O plástico é comumente associado como um vilão ambiental, por ser associado à poluição do oceano e ecossistemas. Mas especialistas concordam que o problema real não é o material em si, mas sim seu uso incorreto e indiscriminado na sociedade. É fato que elerevolucionou o dia a dia de muitas pessoas e tem várias utilidades, o que dificulta ainda mais.

"Os países não fazem a gestão de resíduos corretamente e não reciclam -- e muitas vezes estes produtos também não tem reciclabilidade nenhuma. Diferente do combustível fóssil onde o problema está na sua origem, com o plástico o problema está na forma que o usamos".

O tratado surge para mudar esta realidade e pensar em uma economia circular do plástico. "Aoinvés de usá-lo aproveitando ao máximo suas propriedades e depois reaproveitá-lo, a humanidade começou a tratar o material, cuja maior vantagem é a durabilidade, como descartável. Este é o grande erro", destacou Pedro.

Então, a solução não é sobre reduzir a produção, mas sim nas diversas formas de fazer o material potencialmente poluente voltar para a cadeia produtiva e eliminar apenas os mais problemáticos que não podem ser reaproveitados na economia.

Maria Eugenia Fernandes, Gerente de Projetos de combate aos resíduos plásticos do Fauna & Flora Camboja, também acompanhou as negociações e reiterou à EXAME a importância de firmarmos um acordo eficazpara lidar com os diversos desafios ambientais, sociais e econômicos que a poluição plástica traz para as nossas vidas.

"O crescimento da produção impulsiona a demanda por combustíveis fósseis e gera custos climáticos que também devem ser considerados. Tudo isso faz parte da tripla crise planetária que vivemos e estão completamente interligados: mudanças climáticas, poluição e a perda da biodiversidade ", destacou.

Sinal positivo e de esperança

sinalizações positivas para este ano, diz o especialista. Segundo Pedro, as últimas 48 horas em Busan foram marcadas pela formação de um bloco significativo de 100 países com uma visão mais ambiciosa e articulosaem relação à poluição plástica. "Foi neste momento que se entendeu que dali não saíríamos mais com um tratado mais ou menos, o bloco mostrava que queria ambição e não iria recuar. A América Latina protagonizou", destacou.

Na ocasião, quem puxou o grupo foi o Panamá em seguida o, México, depois a União Europeia. E o Brasil entrou no último segundo, contou Pedro.

Neste ano, a medida protocolar é que a próxima reunião seja uma continuação de Busan e se parta de onde otexto parou. Na ocasião, o especialista acredita que o tratado esteja bem encaminhado e que seja finalmente concluído. "Apesar dos desafios, estamos esperançosos", disse.

Maria Eugenia também comemorou os avanços de muitos países se manifestando ativamente em prol do planeta nas negociações e ressaltou que não podemos achar apenas que tudo falhou em Busan.

‘’Seria fácil apenas compartilhar a frustração de não termos saído com um tratado finalizado daqui da Coreia. Não podemos achar que foi tudo em vão, como vi em muitos lugares, pois é exatamente essa mentalidade que alguns querem que tenhamos para perder a força do nosso movimento global de combate à poluição ", destacou.

Ela também complementou que 2025 é o ano de oportunidade para desenvolvermos um tratado global forte e que não seja apenas no papel -- mas também trazendomudanças sistêmicas na sociedade e impulsionando soluções verdes.

Tratado ambicioso

Mas afinal, o que seria um tratado ambicioso caso ele realmente saia do papel em 2025? Os especialistas acreditam que este deve tratar e incitar governos a criarem políticas públicas para que produtos e embalagens plásticas entrem na economia circular.

Além disso, é importante um consenso sobre adescontinuação gradativa da produção de químicos problemáticos, ou seja, aqueles nocivos à saúde e ao meio ambiente. Em terceiro, o tratado deve criar regras globais para todos os países, pois hoje há uma dificuldade para quem produz, vende ou distribui de se adaptar a diferentes regulações.

Por último, ter um valor acordado e metas claras de financiamento para a transição, aspecto que tem gerado debate e que também poderia ser incluído na agenda climática, mas tem a oposição de muitos países.

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