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Mesmo quente, planeta seguirá existindo. A humanidade, não, diz cientista

Para Johan Rockström, que criou o conceito de Fronteiras Planetárias, as mudanças climáticas são um problema para os seres humanos, não para o planeta

Johan Rockström, da Universidade de Estocolmo: "A comunidade empresarial está começando a ver a rachadura na parede. Isso me traz esperança" (Global Climate Action Summit, Nikki Ritcher Photography/Wikimedia Commons)

Johan Rockström, da Universidade de Estocolmo: "A comunidade empresarial está começando a ver a rachadura na parede. Isso me traz esperança" (Global Climate Action Summit, Nikki Ritcher Photography/Wikimedia Commons)

RC

Rodrigo Caetano

Publicado em 12 de setembro de 2020 às 10h54.

O planeta existe há mais de 4 bilhões de anos. Nesse período, passou por todo tipo de temperatura. Enfrentou um estado quente, sem calotas polares, e também uma era do gelo, com quilômetros de água congelada abaixo da superfície. Condições extremas impróprias para a vida humana. Já o ser humano moderno, bípede e com polegar opositor, está aí há cerca de 50 mil anos, quase uma fração insignificante de tempo.

Em toda sua existência, os humanos conviveram com a mesma configuração de temperatura, chuvas, nível dos oceanos etc. Ou seja, provavelmente, mesmo com uma elevação grande na temperatura global, a Terra continuará a existir. A humanidade, sem chance. “As mudanças climáticas são uma questão da humanidade”, afirma o cientista Johan Rockström, da Universidade de Estocolmo. “Sabemos que, para viver com o mínimo de dignidade, precisamos que o planeta se mantenha em uma condição estável, similar à que temos desde o fim da era do gelo.” 

Rockström liderou um grupo de pesquisadores que publicou, em 2009, um estudo chamado Fronteiras Planetárias. O trabalho, atualizado seis anos depois, apresenta 9 critérios ambientais que tornam possível a vida humana. Esses critérios, ou fronteiras, funcionam em conjunto. Um desvio em qualquer um deles influencia nos demais. Mais importante ainda, o trabalho de Rockström determinou métricas de acompanhamento das fronteiras e um limite para elas. Se ultrapassado, as consequências serão desastrosas.   

Em entrevista exclusiva à EXAME, o cientista falou sobre a importância da agricultura para combater as mudanças climáticas e a liderança tecnológica do Brasil no setor; sobre políticos negacionistas, como os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos; e que a esperança, atualmente, está nas empresas. 

Confira os principais trechos da entrevista: 

Há 10 anos, o sr. deu uma palestra em que apresentava uma série de iniciativas que poderiam ajudar a salvar o planeta. Entre elas, citou o avanço tecnológico da agricultura na América Latina. Esses exemplos ainda são válidos? 

Ainda é absolutamente claro que, para termos a chance de estabilizar o clima global e, dessa forma, manter a biodiversidade, o suprimento de água, o ar limpo etc, precisamos não somente eliminar o uso de combustíveis fósseis, ou seja, fazer a transição energética, mas também realizar uma transição alimentar. Desde a palestra (concedida na plataforma TED), a ciência mostrou que a agricultura é a maior fonte de gases do efeito estufa. Algo em torno de 25% das emissões são provenientes do desmatamento para da produção de alimentos e da pecuária intensiva. Porém, temos uma série de exemplos práticos sobre como produzir comida de maneira sustentável, zerando as emissões e até “sequestrando” carbono. O Brasil e seus vizinhos latino-americanos têm sido pioneiros na adoção do que chamamos de agricultura conservativa. Por milhares de anos, aramos o solo para livrá-lo de ervas daninhas e abrir espaço para a agricultura. Mas, dessa forma, o solo perde matéria orgânica e fica exposto à erosão. Hoje, com tecnologia, é possível cultivar sem degradar a terra. O Brasil é um líder nessa transição de uma agricultura baseada na transformação do solo para um cultivo natural. Então, sim, ainda é um exemplo válido. 

Há um apelo econômico em alterar a forma como se produz alimentos. Afinal, o uso de tecnologia torna o cultivo mais eficiente. Porém, para equalizar as mudanças climáticas, é preciso mexer em outras formas de produção e consumo, que não apresentam os mesmos benefícios econômicos. A eletrificação dos transportes é um exemplo. Como promover as mudanças quando não há esse apelo econômico? 

É bem simples, na realidade. Basta colocar em prática políticas fundamentadas e testadas. Em primeiro lugar, temos de parar de dar subsídios para as coisas erradas. É um passo óbvio. Os combustíveis fósseis recebem 500 bilhões de dólares em subsídios diretos. Se incluirmos os indiretos, o valor ultrapassa 1 trilhão por ano. São incentivos para gasolina barata, diesel barato para transportar alimentos, usinas a carvão etc. Até mesmo os economistas mais radicais da Escola de Chicago odeiam subsídios. Então, vamos eliminá-los. Em segundo lugar, precisamos contabilizar o custo das emissões. Isso também é economia básica. Até os CEOs de Shell, Exxon, BP e Petrobras concordam que não é razoável permitir que se polua a atmosfera de graça. Mas, é assim que funciona hoje. Podemos extrair petróleo, queimá-lo e poluir sem pagar nada. Podemos destruir ecossistemas, derrubar a Floresta Amazônica e não pagar nada. Mesmo um economista focado apenas em crescimento do PIB e no mercado de ações, terá de admitir que é uma distorção de mercado não precificar esse custo. Agora, mesmo que a gente desconsidere isso tudo e continue subsidiando a cadeia fóssil, a transição terá de acontecer simplesmente pelo fato das energias renováveis serem mais as mais baratas e eficientes. 

Não há evidência de que é possível manter as condições de vida para 7 bilhões de pessoas fora da zona climática atual. A Terra vai continuar a existir, mas nós não teremos a mínima chance

Johan Rockström

O sr. costuma afirmar que o planeta não dá a mínima importância para o que está acontecendo. O que isso quer dizer? 

O planeta tem 4,5 bilhões de anos e já passou por um estado quente, sem calotas polares, e também por uma era do gelo, com quilômetros de água congelada abaixo da superfície, ou seja, condições extremas impróprias para a vida humana. As mudanças climáticas são uma questão da humanidade. Sabemos que, para viver com o mínimo de dignidade, precisamos que o planeta se mantenha em uma condição estável, similar à que temos desde o fim da era do gelo. Precisamos dessa configuração de chuvas, estações, oceanos etc. Se ficarmos dentro das fronteiras planetárias, há uma chance de manter essas condições. Caso contrário, arriscamos desestabilizar o planeta e elevar a temperatura em 2, 3 ou 4 graus Celsius. Para se ter uma ideia, da última vez em que tivemos uma temperatura 4 graus acima, foi há 5 milhões de anos. Era um outro planeta. Não há evidência de que é possível manter as condições de vida para 7 bilhões de pessoas fora da zona climática atual. A Terra vai continuar a existir, mas nós não teremos a mínima chance. 

Mas, estamos perto de desestabilizar o planeta nesse nível? 

Estamos perigosamente perto de uma elevação de 1,5 grau Celsius. Não seria um ponto de virada, mas provocaria danos severos à economia, com ondas de calor, secas e furacões, por exemplo. Ainda é incerto, mas há cada vez mais evidências de que, se ultrapassarmos 2 graus, nos próximos 30 anos, perderemos as florestas tropicais e veremos o nível dos oceanos subir 7 metros. Não seria do dia para noite, porém estaremos condenando as gerações posteriores a um processo imparável de mudanças climáticas. Entramos em uma década decisiva. As emissões globais precisam reduzir à metade entre 2020 e 2030. Se fizermos isso, temos a chance de estabilizar a temperatura em 1,5 grau Celsius. 

Entramos nessa década decisiva com lideranças que negam as mudanças climáticas, como Donald Trump, nos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, no Brasil. O sr. considera esse cenário político um fracasso de cientistas e ambientalistas?

É uma preocupação. Pela primeira vez na história da humanidade, corremos o risco de desestabilizar o planeta. Por isso, precisamos de colaboração global e de administradores planetários, que possam gerenciar as mudanças climáticas. O Acordo de Paris prova que isso é possível. Mas, você está certo, no momento em que mais precisamos de colaboração, temos o nível mais baixo de confiança entre os líderes. Resta apenas um líder climático atualmente, que é a União Europeia. Perdemos os Estados Unidos, não vemos muita coisa partindo do Canadá, a Austrália é incerta, Índia e China não se apresentam e o Brasil é uma preocupação. Agora, a comunidade científica tem se aproximado da iniciativa privada. Grandes empresas de todos os setores estão mais ativas politicamente, em muitos aspectos, bem à frente das lideranças políticas. A comunidade empresarial está começando a ver a rachadura na parede. Isso me traz esperança.

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