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Atacama: desfile e fotos de Mauricio Nahas fizeram parte da campanha de conscientização sobre os efeitos colaterais da moda (Mauricio Nahas/Divulgação)
Jornalista
Publicado em 8 de abril de 2024 às 16h16.
Última atualização em 8 de abril de 2024 às 16h32.
Dados da Global Fashion Agenda, publicados em 2022, apontam que a indústria da moda é a segunda mais poluidora do mundo e perde a liderança apenas para o setor do petróleo. Segundo a ONG os resíduos têxteis descartados passam de 92 milhões. A projeção é de que nos próximos anos haja um aumento de 60%, atingindo 140 milhões de toneladas em menos de dez anos.
Já a Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que a atividade responde por 8% dos gases de efeito estufa (GEE) e por 20% do desperdício de água no mundo.
Uma região do Deserto do Atacama, no Chile, é um dos símbolos dos danos causados pelo setor e, na última semana, também foi usado para denunciar os danos causados pela atividade têxtil.
Inspirada nas grandes semanas de moda internacionais, a ONG Desierto Vestido fez, no último dia 2, a Atacama Fashion Week. O objetivo foi promover um alerta internacional quanto ao descarte incorreto de roupas.
As modelos vestiram itens despejados no lixão a céu aberto – tão grande que é possível avistá-lo em imagens via satélite. O protesto teve o apoio das organizações Fashion Revolution e Febre.
No desfile, os modelos vestiram peças confeccionadas por produtores a partir de roupas despejadas no lixão. O projeto, com transmissão online e comentários de influenciadores digitais das áreas de moda, comportamento e sustentabilidade, foi acompanhado de um editorial fotográfico assinado por Mauricio Nahas, profissional com mais de 30 anos de carreira.
“Estamos aqui todos os dias do ano, nessa luta difícil. E, dia após dia, vemos o problema se agravar. Precisávamos promover algo grandioso para chamar a atenção de todos os agentes do problema para discutirmos uma solução. O Atacama não pode mais esperar”, declarou, por meio de nota, Ángela Astudillo, cofundadora da Desierto Vestido, ONG dedicada à reciclagem de têxteis
O propósito, segundo a porta-voz da organização, não é pressionar um setor específico, mas apelar por forças conjuntas a partir de um envolvimento público-privado por meio de um manifesto artístico.“Ao mesmo tempo que podemos ver uma foto no espaço, o cemitério de roupas é uma problemática ainda muito silenciosa.
São lotes de peças de baixa qualidade ou danificadas, herdadas do mercado ‘fast fashion’ dos Estados Unidos, da Europa e da Ásia. A maioria das peças leva até 200 anos para se desintegrar. A emergência é climática, também.”, ressaltou Ángela.
Para evitar o aumento de 1,5 ºC e o agravamento da crise climática, o setor da moda terá de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) pela metade até 2030. As informações são do Instituto Febre, organização voltada para a justiça climática para as mulheres da moda e apoiadora do projeto. A iniciativa, segundo os organizadores, também dá visibilidade a um problema recorrente no Deserto do Atacama: queimas clandestinas realizadas nas pilhas gigantes de roupas.
"É crucial uma mudança sistêmica na indústria da moda, e, como cidadãos, todos temos um papel a desempenhar. Das marcas, queremos a responsabilização e compromissos robustos. Dos governos, a missão é reivindicar políticas públicas e fiscalizações. Com a sociedade civil, o nosso papel é disseminar informações e impulsionar ações de mobilização”, apontou, em nota, Fernanda Simon, diretora executiva do Fashion Revolution Brasil, organização brasileira do maior movimento ativista da moda no mundo.
Eloisa Artuso, cofundadora do Instituto Febre, organização social que trabalha com justiça socioambiental na intersecção entre clima, gênero e moda, disse que, mesmo com todos os seus impactos, o setor da moda não é incluído com sua devida responsabilidade na agenda política quando se trata de abordar a crise climática.
A cidade de Alto Hospício, próxima ao Deserto do Atacama, uma comunidade marcada pela pobreza e a vulnerabilidade, se tornou conhecida pela montanha formada por cerca de 59 mil toneladas de peças de roupas despejadas por ano. São sapatos, camisetas, casacos, vestidos e outros tipos de vestuário. Por volta de 40 mil toneladas, sem interessados, se avolumam no cemitério da moda. A diferença é vendida.
Segundo reportagem da BBC, desde janeiro de 2022, são roupas descartadas pelos Estados Unidos, países europeus e asiáticos, enviados ao Chile para serem revendidos. Caminhões abarrotados com roupas usadas, empacotadas em fardos, cruzam a Zona Franca de Iquique, conhecida como Zofri.
Considerado uma espécie de paraíso das compras, o lugar conta com um grande parque industrial onde estão instaladas ao redor de mil empresas que comercializam seus produtos isentos de impostos.
Ainda segundo a BBC, a posição estratégica, no norte do Chile, bem próximo do porto do Iquique, converteu a região em um importante centro de compras para outros países da região, como Brasil, Argentina, Peru e Bolívia. Ali estão instalados por volta de 50 importadoras que, todos os dias, recebem toneladas e mais toneladas de peças de segunda mão que serão revendidas no Chile.
A cadeia do negócio é tão grande que, segundo o Observatório de Complexidade Econômica (OEC), uma plataforma de registro de uma série de atividades econômicas pelo mundo, o Chile é o maior importador de roupa usada na América do Sul. O país recebe 90% desse tipo de mercadoria na região.
Apesar de uma parte ter como destino a comercialização, por volta de 60% do que é despachado para a localidade não passa de resíduo ou material descartável, o que acaba por formar as “montanhas” de lixo.