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Governo recua em corte de recursos para proteção da Amazônia

Ministros da ala militar não viram atuação de Ricardo Salles com bons olhos e ficaram indignados com a divulgação de carta feita nesta tarde pelo ministro

Ricardo Salles, ministro do Meio-Ambiente: decisão de interromper as operações ambientais ocorre no momento em que o governo Bolsonaro tem sido criticado duramente dentro e fora do país devido à destruição da floresta amazônica (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Ricardo Salles, ministro do Meio-Ambiente: decisão de interromper as operações ambientais ocorre no momento em que o governo Bolsonaro tem sido criticado duramente dentro e fora do país devido à destruição da floresta amazônica (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 28 de agosto de 2020 às 21h16.

Última atualização em 28 de agosto de 2020 às 21h18.

Depois da divulgação da nota do Ministério do Meio Ambiente (MMA) sobre o corte de recursos para proteção da Amazônia e do Pantanal, o governo decidiu recuar, ao menos, em relação ao corte de R$ 60 milhões previsto já para o Orçamento de 2020.

Segundo apurou o Estadão, o dinheiro de 2020 não será mais contingenciado, como havia declarado o MMA. No início da tarde, o ministro Ricardo Salles havia declarado que, devido à decisão do Ministério da Economia, ações do Ibama e Instituto Chico Mendes (ICMBio) seriam completamente interrompidas a partir da próxima segunda-feira, 31.

Conforme nota do Ministério do Meio Ambiente, foram bloqueados R$ 20,972 milhões do Ibama e R$ 39,787 milhões do ICMBio. O corte no total de R$ 60 milhões, segundo a pasta, foi informado pelo assessor especial do Ministério da Economia Esteves Colnago mas atribuído a uma decisão da Secretaria de Governo e da Casa Civil da Presidência da República. Trata-se de decisão política, portanto, e que expõe um racha entre Salles e os militares que atuam no Palácio do Planalto.

Pouco mais de duas horas depois, porém, o MMA recebeu a informação de que esse recurso será preservado. Para 2021, no entanto, está mantida a redução de outros R$ 120 milhões para a área de meio ambiente.

Questionado sobre o assunto após a divulgação da nota pelo MMA, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, afirmou que Ricardo Salles se precipitou ao anunciar a suspensão de operações de combate ao desmatamento ilegal na Amazônia e contra queimadas no Pantanal em razão de bloqueio orçamentário. Ao criticar a atitude do chefe da pasta na noite desta sexta-feira, 28, Mourão atribuiu o remanejamento de recursos ao pagamento do auxílio-emergencial a trabalhadores informais durante a pandemia da covid-19, mas garantiu que as ações não serão paralisadas.

"O ministro se precipitou, pô. Precipitação do ministro Ricardo Salles. O que está acontecendo? O governo está buscando recursos para poder pagar o auxílio emergencial, é isso que eu estou chegando à conclusão. Então está tirando recursos de todos os ministérios. Cada ministério oferece aquilo que pode oferecer, né?", disse a jornalistas no Palácio do Planalto. Mourão preside o Conselho da Amazônia Legal.

Apesar de o vice atribuir o bloqueio de recursos ao pagamento do auxílio emergencial, o pagamento do benefício, ao custo de R$ 51, 5 bilhões por mês, é feito por meio de crédito extraordinário, instrumento que abre uma nova despesa no Orçamento e não demanda nenhum tipo de remanejamento de outros gastos.

Os militares têm concentrado boa parte dos recursos previstos para a área do meio ambiente. Essa militarização do setor, porém não é algo que ocorre contra a vontade de Salles. Ao contrário, é o ministro que tem lotado dezenas de cargos de comando da Pasta e de órgãos vinculados com perfil militar. Desde maio, porém, com a criação da Operação Verde Brasil 2, liderada pelo Ministério da Defesa e Mourão, Salles perdeu completamente o protagonismo das ações de combate na Amazônia.

Dentro do Palácio do Planalto, ministros da ala militar não veem sua atuação com bons olhos e ficaram indignados com a divulgação da carta feita nesta tarde pelo ministro. A avaliação é de que a sua permanência à frente do MMA ficou ainda mais fragilizada, apesar de Salles contar com a proteção pessoal do presidente Jair Bolsonaro.

Reação das Ongs antes do recuo

A decisão do Ministério do Meio Ambiente (MMA) de anunciar que vai paralisar 100% das operações do Ibama e do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) na Amazônia e no Pantanal foi recebida com estupefação por organizações não governamentais que atuam no setor e parlamentares.
A incredulidade no anúncio feito pelo ministro Ricardo Salles é generalizada. "É inacreditável. Essa decisão representa a formalização da falência do sistema ambiental brasileiro. O governo federal sinaliza que jogou a toalha na área ambiental. Isso pode acarretar na maior tragédia de perda de biodiversidade da história recente do nosso País", disse o deputado Rodrigo Agostinho (PSB/SP), presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados. "O parlamento saberá reagir. Não vamos aceitar uma escalada de destruição ainda maior contra as nossas florestas. Não vamos! A sociedade sabe quem está do lado certo."

Mariana Mota, coordenadora de Políticas Públicas do Greenpeace, declarou que "mais uma vez, o governo Bolsonaro faz um convite ao crime" e que haveria recursos financeiros ao Ibama e ICMBio se houvesse interesse em salvar a Amazônia e o Pantanal. "Acontece que não há interesse. O governo trabalha para que o crime se sinta à vontade em sua ilegalidade e dolosamente enfraquece a autonomia e estrutura dos órgãos que teriam a real capacidade de reprimir ilícitos ambientais. Nesse momento, em que nossos biomas pedem socorro, há recursos bloqueados do Fundo Amazônia, Fundo Clima e recursos direcionados ao teatro montado com as operações militares no Conselho da Amazônia", comentou.

Para Adriana Ramos, assessora do Instituto Socioambiental (ISA), a decisão revela a indiferença com que o Palácio do Planalto trata o assunto. "Com essa decisão o governo dá a demonstração definitiva de que não tem o menor interesse em combater a ilegalidade ambiental", disse. A organização WWF se manifestou "contra o absurdo cancelamento de todas as operações de combate ao desmatamento ilegal na Amazônia Legal, bem como todas as operações de combate às queimadas no Pantanal e demais regiões do País".

Os números sobre a situação alarmante, afirmou a ONFG, "trazem a urgência de deter essas ilegalidades e evidenciam a contradição de o órgão anunciar que as operações serão todas paralisadas - o que reforça a mensagem que vem sido emitida pelo governo federal de que o crime não será punido, e, portanto, compensa".

Entre 1 de agosto de 2019 a 31 de julho de 2020, os alertas de desmatamento na Amazônia Legal atingiram a marca dos 9.205 km2, cerca de 33% a mais do que no ano passado. No Pantanal, foram detectados 8.058 focos de queimadas de 1º de janeiro a 20 de agosto de 2020 pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), uma alta de 205% ante o mesmo período de 2019.

"É preciso lembrar que o Ministério do Meio Ambiente tem como dever fazer cumprir a legislação que protege o meio ambiente? Um dado que chama a atenção é que o Ibama gastou até dia 30 de julho apenas 19% dos recursos orçamentários deste ano previstos para prevenção e controle de incêndios florestais", declarou a ONG.

O deputado Zé Vitor (PL-MG), que integra a base do agronegócio no Congresso e atua no grupo das pautas ambientais formado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, não acreditou na atitude de Salles. "Loucura uma atitude dessa", afirmou.

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