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Esses dias estava relendo o livro de David Lapoujade[1], sobre o pensamento do filósofo americano William James e sua contribuição para a construção da experiência em um mundo plural onde os espaços parecem cada vez mais difíceis de se unirem. A filosofia da ação de James, onde “aquilo que realmente existe não são as coisas feitas, mas as coisas se fazendo”, é analisada por Lapoujade a partir de uma pergunta que deveria estar na mente dos que se dedicam a liderar a sociedade:

“Diante das grandes crises, como resgatar a confiança, o vínculo que nos liga ao mundo, que nos faz agir, pensar e criar?”

Olhando os dados, a confiança anda em queda livre no mundo todo. Os 20 anos de estudos da Edelman Trust Barometer provam isso. O Relatório 2022, intitulado “O círculo da desconfiança”, mostra que o círculo vicioso de desconfiança é alimentado por uma crescente descrença na mídia e no governo. “Desinformação e polarização estão no cerne do problema”. São a mídia e o governo as principais fontes apontadas como desagregadoras da sociedade (59% e 43%, respectivamente), algo que dá sinais de aumentar a cada novo estudo. A percepção crescente é que os líderes mentem. Mais de 70% apontam como mentirosos os políticos, jornalistas e empresários.

E quando a síndrome de Pinóquio se soma a fatos como o aumento da desigualdade, a regressão de direitos trabalhistas e a percepção de injustiça social que leva milhões de pessoas a irem às ruas protestarem, sobra raiva e falta confiança.

E é ela, a confiança, que mantém as sociedades funcionando e cooperando. Ela cresce na medida que as instituições, incluindo aí a mídia, e as pessoas que as representam são capazes de criar consensos, orientar valores de justiça e promover sentimentos de bem comum. Só o discurso não resolve, mas a falta dele aprofunda o abismo.

Pegando a comunicação dos governos como um dos vetores de confiança pública, ou a falta dela, temos no Brasil uma tradição arraigada de pouco cuidado com o que e como se fala no espaço comum. Nos últimos anos, o descuido virou esculhambação, técnica de exercer a baixaria, criar ódios e promover a falta de educação. Passado o pior, temos o desafio de sair das cordas e orientar as ações de comunicação com a responsabilidade e a competência que os tempos exigem, com uma visão projetiva de criar sentimentos de esperança, promover o diálogo entre diferentes e criar boas imagens de futuro.

A comunicação do governo, em todas as instâncias e não só a federal, tropeça porque tem pouca estratégia e se alimenta de noções vagas de onde quer chegar, ou qual legado social quer construir. Em geral, apresenta pouco compromisso, ou conhecimento, de como essa — que é uma das artes políticas mais importantes — ajuda a gerar “bem público” e não fica submissa ao gerenciamento de crises que surgem a cada momento.

Os planos de comunicação de governos e instituições, quando eles existem, abrem mão de compreender as dinâmicas sociais, formar melhor seus porta-vozes com ferramentas de diplomacia pública e traçar estratégias que considerem o impacto na transformação de mentalidades. O essencial é substituído por planilhas de investimentos em mídias e uso desorientado de plataformas digitais.

A mágica constante é pensar em propaganda e aumento de verbas publicitárias como se a aposta no marketing não soasse, para o cidadão comum, o que ele mesmo sugere, algo vazio de sentido público.

A importância da oratória para o ‘bem público’ remonta aos gregos. Aristóteles, em seu tratado A Retórica já mostrava o poder do discurso no plano emocional dos cidadãos, mobilizando emoções tão diversas como ira, calma, medo, vergonha, amizade, compaixão, amabilidade, inveja, indignação e confiança.

Combater a desinformação, tratar de definir legislações mais duras para o ambiente tóxico promovido pelas big techs, alertar para fake news que desorientam os cidadãos e vulnerabilizam políticas públicas, são iniciativas essenciais, mas nenhuma delas é capaz de gerar confiança social.

Mobilizar sentimentos coletivos positivos é o maior desafio que temos hoje.

[1] Lapoujade, David. William James, a construção da experiência. São Paulo: n-1 edições, 2017

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