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No Brasil, taxa de penalidade materna é de 36,8%, número que se mantem estável mesmo após dez anos do nascimento do primeiro filho (filadendron/Getty Images)
Repórter de ESG
Publicado em 12 de maio de 2024 às 07h01.
Penalidade materna. Este é o termo que vem sendo usado para explicar o impacto da maternidade na carreira das mães. E, especialmente, a menor na taxa de emprego a partir do nascimento dos filhos, mesmo que, anteriormente a isto, a empregabilidade das mulheres fosse similar a dos homens. O efeito, observado em todo o mundo, é imediato ao nascimento da primeira criança e persistente.
Na América Latina, os impactos são maiores do que em outros continentes: a taxa de penalidade materna é de 38%, aponta o Atlas da Penalidade Materna, do National Bureau of Economic Research (Centro Nacional de Pesquisas Econômicas) dos Estados Unidos.
Em todos os países do continente, exceto pelos caribenhos, apresentava-se valores muito altos de punições à carreira em decorrência dos filhos: entre 35% e 50%. No Brasil, a taxa é de 36,8%, e se mantém estável mesmo após dez anos do nascimento do primeiro filho, aponta a pesquisa.
Para Michelle Levy Terni, cofundadora da Filhos no Currículo, consultoria que ajuda empresas a acolherem mães na cultura interna, a ideia de que os filhos atrapalham a carreira das mães impede que elas alcancem novos desafios, como a liderança. “A chegada dos filhos desenvolve uma série de habilidades que agregam no currículo e na carreira das mães, mas as empresas ainda veem como uma limitação. Esse é o efeito do degrau quebrado, que coloca uma limitação na carreira aos cargos mais altos por uma visão contra a maternidade”, conta.
Ao redor do mundo, a África é o continente com as menores penalidades para mães, com 9%, seguida pela Ásia (18%). Na Europa, América do Norte e Oceania, as taxas ficam entre 25% e 30%. Dados demonstram que não houve alteração na taxa de homens empregados em decorrência do nascimento dos filhos.
Luciana Cattony, fundadora da consultoria Maternidade nas Empresas, que trabalha com a capacitação de líderes para a equidade de gênero, conta que essa desigualdade de empregos após o nascimento dos filhos se conecta com a cultura do cuidado. “Os estereótipos colocam sobre o ombro da mulher a responsabilidade com os filhos, que não é vista como uma coisa masculina. Enquanto as mulheres perdem empregos ou não são contratadas por terem um filho, os homens recebem aumento por ‘terem mais uma boca para alimentar’”, explica.
A pesquisa ainda avalia que as cidades com maior desenvolvimento econômico apresentam taxas mais altas de penalidade materna, mesmo nos países em que as mulheres sofrem menos com o desemprego após se tornarem mães.
A China possui apenas 4% de penalidade materna, enquanto sua capital, Pequim, tem 12% de prejuízo para as mulheres. O mesmo acontece em Ho Chi Minh, no Vietnã, que tem taxa de 25%, enquanto o país tem apenas 1%.
O estudo aponta que este é um efeito das mudanças das estruturas de emprego nas áreas urbanas e rurais. A flexibilidade e a maior aceitação da construção de família são mais possíveis em empregos no campo, como no trabalho agrícola, e menos no modelo de trabalho urbanizado.
A flexibilidade dos empregos, que se tornou ainda mais comum desde a pandemia da covid-19, é um dos pontos que ajudam mulheres a conciliar os papéis, aponta Levy Terni. “Cidades economicamente mais ativas concentram empregos de exigência e modelos de trabalho menos flexíveis, modelos presenciais e com longas horas de expediente. Este cenário acaba impactando no retorno da mulher com filhos ao trabalho”, explica.
A pesquisa retoma o início do desenvolvimento econômico nos países para apontar como essa desigualdade se instaurou. Quando a economia ainda era integralmente rural, o que permitia uma maior flexibilidade das mães entre o trabalho e o cuidado com os filhos, os dados apontam que a disparidade de gênero era significativa, mas não era motivada pela chegada dos filhos. No início do desenvolvimento dos 134 países analisados, o nível de penalidade materna era 0%, baseado em suas economias agrícolas.
Com a mudança do padrão de emprego da agricultura para a industrialização e o aumento do emprego assalariado, a casa e o local de trabalho foram separados. Também se criou uma divisão entre o trabalho para o mercado e o doméstico, e como o cuidado com os filhos é historicamente designado às mulheres, foram elas as principais prejudicadas pela formação dos empregos como hoje são. “Neste ponto, eliminar a desigualdade de gênero no mercado de trabalho torna-se quase sinônimo de eliminar as penalidades maternas”, analisa a pesquisa.
Para Cattony, incluir os homens na cultura do cuidado é favorável para toda a estrutura familiar. “Vai ser bom para o pai, que também pode adquirir habilidades a partir da paternidade, e para o filho, que constrói uma figura positiva da paternidade. Com isso, as mães podem se dedicar mais às suas carreiras”, afirma.
O casamento também se mostrou como um fator que afeta a carreira de mulheres. O estudo explica que o motivo é a cultura do matrimônio, que associa o casamento com a possibilidade de ter filhos. Ou seja, mulheres que se casam passam a sofrer penas na carreira pela antecipação da maternidade.
Michelle explica que embora o casamento represente um marco na vida de homens e mulheres ao constituir uma família, a divisão sexual de trabalho faz com que os vieses da maternidade antecedam ao nascimento dos filhos para elas.
“Só por ser uma mulher, já começam a me questionar se consigo equilibrar filhos e carreira. Na Filho no Currículo, ajudamos empresas a entender se o ambiente tem poucas mulheres por uma questão individual ou se a cultura não permite o equilíbrio com a parentalidade”, explica.
A percepção foi encontrada principalmente em países subdesenvolvidos, como o Brasil. A pesquisa aponta que a formação da família — o casamento e os filhos — explica 50% da disparidade de gênero nas faixas de baixa e média renda, enquanto o restante se relaciona a normas culturais e a educação.
Quando se trata dos mais ricos, a formação da família corresponde a quase 100% da desigualdade de gênero. “Isso implica que, se não fosse pelo impacto da formação familiar na divisão de gênero no trabalho, as mulheres estariam à frente dos homens nas economias avançadas”, pontua o estudo.
No Brasil, a penalidade do casamento é de 57%, até mesmo maior do que a pena causada pelo nascimento dos filhos. O estudo explica que no País é comum que casais planejam engravidar logo após o casamento, questão cultural que também atinge a China, o que acaba misturando o preconceito com a maternidade e o matrimônio.
Para as especialistas em maternidade na carreira ouvidas pela EXAME, as empresas têm avançado nos últimos anos na inclusão de mulheres com filhos em suas culturas. O processo para garantir sua permanência passa não apenas por uma melhoria nos processos das empresas, mas também de uma mudança na dinâmica do cuidado com os filhos.
“Nas companhias, precisamos revisitar políticas e processos e entender a parentalidade como uma jornada, que inclui esforços tanto da mãe, quanto do pai. É preciso trabalhar o retorno da licença-maternidade, momento tão sensível, para acolher esses funcionários e garantir que o ambiente seja de segurança para que os pais possam compartilhar seus desafios”, explica Michelle.
Para Luciana, o equilíbrio entre as licenças aplicadas para mães (que recebem quatro meses) e pais (de apenas cinco dias) parte da inclusão deles na reestruturação do cuidado parental. “Qual a mensagem passada com 5 dias de licença? Nesse esquema, as mulheres continuam como as principais cuidadoras. Para que as mulheres possam conciliar a maternidade e a carreira, precisamos colocar os homens na pauta do cuidado”, conta.
Levy Terni ainda aponta que as lideranças devem atuar como condutores de uma cultura inclusiva nas organizações, processo que inclui letramento sobre a maternidade e a desconstrução de vieses de gênero.