Consumidor mais exigente torna bioembalagens a tendência da vez
Feitos de fibras vegetais e principalmente amido, os bioplásticos podem reduzir volume de resíduos em aterros se forem descartados da maneira correta
EXAME Solutions
Publicado em 2 de junho de 2023 às 08h00.
Sustentabilidade é cada vez mais um critério de consumo. Como resposta à demanda do consumidor, indústrias de diferentes setores vêm remodelando etapas de sua cadeia produtiva. Nas embalagens, a mudança de cenário é visível, com um número crescente de empresas buscando alternativas de menor impacto ambiental para colocar seus produtos nas prateleiras.
Em 2022, o mercado global de embalagens sustentáveis somou US$ 101,49 bilhões e, até 2032, esse número deve mais do que dobrar, chegando a US$ 211,51 bilhões, nas projeções da consultoria Precedence Research.
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Nesse contexto, um ramo que tem ganhado os holofotes é o das bioembalagens, com opções biodegradáveis ou compostáveis e fabricadas a partir de fontes renováveis.
“Esse mercado ainda está em fase inicial, mas tem enorme potencial para crescer”, diz Cintia Godoi, gerente de produtos e inovação da eeCoo, empresa especialista no segmento de bioplásticos sediada em Aparecida de Goiânia (GO).
Fundada há pouco mais de uma década, a companhia viu a procura por seus produtos aumentar ano a ano. Em 2011, quando atendia a algumas dezenas de clientes, o catálogo contava com 12 itens. Hoje, são milhares de clientes em todo o Brasil e um portfólio com mais de 150 opções, entre copos, pratos, marmitas, bandejas, tigelas e afins.
“As marcas vêm percebendo o interesse por produtos mais sustentáveis e solicitando à indústria de embalagens alternativas às opções atuais, provenientes de fontes não renováveis”, explica Cintia.
A especialista observa, porém, que cada área tem avançado em ritmos diferentes. No setor de alimentos especificamente, o varejo ainda caminha mais devagar, mas nos estabelecimentos com atendimento direto ao público e serviços de delivery, a busca vem crescendo depressa.
O que são plásticos biodegradáveis e compostáveis
A ABNT define como plásticos biodegradáveis os que se decompõem naturalmente no meio ambiente pela ação de microrganismos, como fungos e bactérias, que metabolizam e quebram a sua estrutura molecular. Costumam ser produzidos a partir de matéria-prima renovável, como fibras vegetais.
Já os plásticos compostáveis são aqueles que precisam ser submetidos a um processo adequado de compostagem e retornam para a natureza em forma de água, dióxido de carbono e biomassa, sem deixar nenhum resíduo tóxico.
Atualmente, há formas variadas para obtenção de plásticos de fontes renováveis. A eeCoo oferece principalmente soluções à base de plantas – mandioca, milho, batata-doce, cana-de-açúcar, trigo e coco são alguns exemplos. “Mas já existem produtos feitos a partir de engenharia genética em microrganismos para obtenção de resinas, por exemplo”, conta Cintia.
Benefícios dos bioplásticos
Com propriedades e usos semelhantes – muitas vezes, iguais – aos plásticos convencionais, as embalagens de fonte renovável e biodegradáveis/compostáveis possuem uma série de pontos positivos.
Para começar, não usam recursos fósseis, que são finitos e demoram centenas de anos para se decompor na natureza. Também ajudam a reduzir a poluição plástica em rios e oceanos e, principalmente, diminuir o volume de resíduos sólidos nos aterros do país, que hoje é de 80 milhões de toneladas por ano.
Esse é o propósito das bioembalagens da Já Fui Mandioca, de Diadema (SP), por exemplo. Elas se decompõem em apenas 90 dias – algumas se dissolvem no jardim, com a própria água da chuva, em torno de 20 dias – e ainda viram composto para adubar as plantas.
O menor uso de água na produção é outra vantagem. No caso da Já Fui Mandioca, a startup informa que a produção da sua linha de copos, à base de fécula de mandioca, consome quase 100 vezes menos água comparada ao plástico e 480 vezes ao copo de papel.
Um estudo ainda comprovou que as emissões de carbono geradas do início ao fim do ciclo produtivo dos copos ecológicos da empresa são negativas. Ou seja, além de não gerarem CO2 na sua fabricação, eles sequestram carbono da atmosfera.
Cintia Godoi, da eeCoo, salienta também que o segmento valoriza cadeias produtivas de fontes abundantes de amido e fibras naturais, das quais o Brasil é grande produtor mundial, como mandioca, milho, cana-de-açúcar. “Fortalece a agricultura familiar, gera emprego e renda no campo e cria um novo mercado consumidor para resíduos da produção agrícola”, complementa.
Descarte correto é fundamental
Os benefícios para o meio ambiente são inegáveis. Porém, é importante destacar que o simples fato de ser biodegradável, compostável ou de origem renovável não é uma solução para lidar com o excesso de lixo. Outros fatores devem ser levados em conta. O descarte é, certamente, o mais relevante.
Para que se degradem corretamente, a maioria dos bioplásticos precisa ir para estações de compostagem industrial, com as condições ideais de umidade, temperatura etc. Caso contrário, vai acabar junto com o lixo comum, em aterros, e emitir CO2.
“Assim como a embalagem reciclável precisa contar com descarte adequado, logística e infraestrutura de reciclagem, a embalagem biodegradável deve ser enviada para programas de compostagem, que ainda são incipientes no Brasil”, esclarece Luciana Pellegrino, diretora executiva da Associação Brasileira de Embalagem (ABRE). Ou seja, o ponto central continua sendo como cada um descarta o seu lixo.
Por isso, para além de materiais inovadores, Luciana ressalta que o que se busca hoje é principalmente o incremento do ecossistema pós-consumo: “Sistemas de coleta de lixo urbano mais abrangentes, sistemas de coleta seletiva mais eficientes e fortalecimento das cooperativas de catadores e das tecnologias de reciclagem para circular cada vez mais os diferentes materiais”.
Sustentabilidade vai além do material
Vale dizer que, na categoria bioplástico, nem todo material é ao mesmo tempo biodegradável/compostável e de origem renovável. Há os feitos de fonte fóssil, mas que se degradam facilmente em condições ideais, e também os que usam insumo renovável, porém custam a se degradar. E todos são alternativas sustentáveis do mesmo modo.
É o caso do I’m Green Bio-Based, plástico de fonte renovável (mas não biodegradável) produzido pela Braskem no Brasil, a partir de cana de açúcar. Usado para embalar diversos tipos de alimentos e bebidas e até confeccionar tampas e rolhas de vinho, ele foi reconhecido pela ONU como referência em desenvolvimento sustentável no país.
Entretanto, Luciana, da ABRE, lembra que a sustentabilidade de uma embalagem é uma questão ampla, em que o material é apenas um dos aspectos. Segundo a especialista, uma embalagem sustentável é aquela que, primeiramente, protege e preserva o produto, evitando desperdício.
“Os alimentos, quando jogados fora, são em geral aterrados, causando a emissão de CO2 e de metano. Sem contar toda a água, solo e energia, entre outros recursos para o seu cultivo e processamento”, explica.
A partir desse ponto é que se busca eficiência em todo o ciclo de vida do produto, incluindo a otimização da sua embalagem por reuso, retorno, compostagem ou reciclagem.
Como descartar cada embalagem
Ciente de tudo isso, cabe ao consumidor fazer a sua parte, com o consumo responsável. Para impulsionar esse comportamento, a ABRE lançou no último dia 25 o programa Lupinha da Embalagem Positiva.
Por meio de um QR code, as pessoas poderão ver, de forma ampliada, informações sobre o produto que estão levando para casa e orientações de como fazer o descarte correto da embalagem (seja biodegradável ou não), elaboradas com a curadoria de cooperativa de catadores.
“O consumidor faz parte de uma cadeia de consumo consciente. A sustentabilidade nessa cadeia requer que todos os atores – pessoas, poder público, indústria, marcas, varejo, cooperativas e recicladores – trabalhem de forma encadeada e harmonizada”, finaliza.