Como o blockchain pode impulsionar a economia circular no Brasil
Startups que trabalham com a tecnologia pretendem digitalizar e trazer maior profissionalização e transparência para o setor de reciclagem
Maria Clara Dias
Publicado em 10 de janeiro de 2021 às 08h00.
A economia circular tem atraído a atenção de grandes corporações em todo o mundo - e do mercado financeiro. No último ano, grandes gestoras e bancos como Credit Suisse e BlackRock criaram novos fundos de ações especialmente voltados ao setor.
Para acelerar o universo da circularidade, a tecnologia se tornou uma grande aliada, e pequenas empresas têm desenvolvido soluções para apoiar grandes companhias e instituições do terceiro setor nesta agenda. Este é o caso das startups GreenMining e BR Polen.
As duas empresas se apoiam na tecnologia para combater a informalidade dentro dos processos de reciclagem, regularizar postos de trabalho em cooperativas e trazer maior rastreabilidade e transparência na gestão de resíduos, facilitando a maneira como grandes empresas conduzem seus processos de reciclagem.
Em comum, as startups têm uso massivo de blockchain, tecnologia que reúne e rastreia informações em tempo real, nas chamadas “cadeias de blocos” - uma espécie de base de dados descentralizada. Diferente das bases de único servidor, o blockchain conta com inúmeros pontos de armazenagem de dados, e em diferentes locais. O grande objetivo é que, com a descentralização, o blockchain torne processos de fraude e roubo de informações em algo muito mais difícil.
Criada em 2017, a BR Polen atua como uma espécie de “Mercado Livre dos resíduos”, formalizando os processos de compra e venda por meio de uma plataforma digital. A associação com o blockchain partiu de uma dor da indústria e de uma demanda recente, segundo Renato Paquet, presidente da BR Polen. “As empresas e pessoas passaram a perceber a montanha de resíduos que produziam, e isso tem acelerado nosso crescimento exponencialmente”, diz.
De acordo com Paquet, há um aspecto legal do mercado de comercialização de resíduos que responsabiliza os geradores por qualquer ônus, dano ou ilegalidade gerado a partir de destinações ilegais ou acidentes, por exemplo. “Entendemos que essa responsabilidade compartilhada fez com que empresas se preocupassem mais em entender de onde vem esse material e a rastreabilidade era a resposta para isso”, diz. A resposta para a maior transparência está em um selo com um QRCode que permite aos consumidores entender todo o histórico de determinado produto.
Além de permitir que empresas e indústrias comprem resíduos como matéria-prima, a BR Polen também desenvolveu um mercado de crédito para a logística reversa. Assim como no mercado de carbono, a startup permite que empresas e indústrias compensem o impacto das embalagens plásticas que colocam no mercado declarando seus números à BR Polen, que se responsabiliza pelo cálculo proporcional e compensação por meio de um token próprio - outra coisa garantida com a ajuda de blockchain. Na lista, estão empresas como O Boticário, TetraPak, e Ambev.
O grande objetivo é incentivar e formalizar um mercado que, de acordo com Paquet, está em expansão. “Quando uma empresa faz a aquisição de crédito de logística reversa para neutralizar o impacto ambiental que as suas embalagens gerariam, é impossível se desassociar também do impacto social positivo. E isso tem sido almejado por grande parte do setor corporativo”, diz.
Em 2020, a BR Polen movimentou, entre neutralização de embalagens e comercialização de resíduos como matéria-prima, cerca de 48 mil toneladas. O faturamento ficou na casa dos 13,5 milhões de reais, resultado cinco vezes maior do que no ano anterior.
Formalização de trabalhadores
O Brasil produz quase 80 milhões de toneladas de lixo anualmente, e é o quarto maior produtor mundial de lixo plástico. Os índices de reciclagem, no entanto, não acompanham a média: o país recicla apenas 1,3% desse material. A estimativa é que esses resíduos poderiam gerar mais de 6,5 bilhões de reais para a economia brasileira, se reciclados adequadamente.
Para a GreenMining, o blockchain é capaz de resolver boa parte do problema. Desde 2018, a startup quer trazer uma solução que une fatores econômicos e sociais da cadeia de reciclagem. “Visitávamos muitos aterros e vimos que o Brasil enterrava muitos produtos bons. Queríamos fugir da linearidade da economia e recuperar mais embalagens”, diz Rodrigo Oliveira, presidente da GreenMining. “No primeiro elo da cadeia, que é a coleta, vimos que existia um problema social grave. Muitos catadores em cima de pilhas de lixo e queremos solucionar isso”.
A GreenMining quer garantir que as origens dos materiais sejam locais de consumo, como bares, restaurantes e hotéis. A coleta fica por responsabilidade de equipes formalmente contratadas pela startup, com intuito de reduzir a informalidade dos coletores e oferecer salários até 8% acima do mínimo para o setor, segundo a empresa.
Com o blockchain, todas as etapas do processo também são rastreadas. “A transparência é importante. Conseguimos mostrar todos os que estiveram envolvidos na cadeia, desde o coletor até o transportador”, diz Oliveira. “Essa é a ideia. Trazer a melhor logística reversa, ao mesmo tempo que existe um compliance trabalhista”. Mesmo com o fechamento de comércios, a startup buscou manter as atividades em 2020 e, para isso, fez novas associações com condomínios e encerrou o ano com faturamento superior a 2 milhões de reais.
A era da economia circular
Grandes empresas olham cada vez mais para a associação com startups como uma solução para entrar mais rapidamente em um mercado que tende a movimentar 4,5 trilhões de reais até 2030, segundo Jessica Long, diretora de sustentabilidade da consultoria Accenture e autora do livro The Circular Economy Handbook, ou “guia da economia circular”.
Para estar alinhada a essa tendência, a Braskem criou, em 2015, o Braskem Labs, programa de aceleração para startups de impacto. Entre elas, a GreenMining e a BR Polen. “Nossa principal marca é buscar o impacto socioambiental positivo”, diz Karla Censi, gerente de soluções sustentáveis na Braskem e responsável pelo Braskem Labs.
O programa é oferecido em parceria com a aceleradora Quintessa. “Envolvemos muitos executivos da empresa no processo de aceleração das startups e em muitas das mentorias que acontecem durante os quatro meses do programa”, diz. Das 90 startups aceleradas nos últimos anos, 96% ainda estão no mercado e 40% delas já receberam algum tipo de investimento, diz Censi.
Em 2020, o programa aconteceu de forma online. Das 20 startups selecionadas para a edição, 45% das estavam relacionadas à economia circular. “Esse é um tema muito importante para a Braskem, e poder ter o contato com startups que pensaram em soluções circulares e sustentáveis em um contexto como o de 2020 foi essencial para nós”, diz Gabriela Kuchinski líder da plataforma Braskem Labs.