Celso Athayde: o espetáculo da política e a queda do debate
Como a falta de compromisso do eleitorado transforma as eleições em um show de absurdos, afastando a política de seu verdadeiro propósito
CEO da Favela Holding
Publicado em 2 de setembro de 2024 às 11h21.
As campanhas eleitorais para as prefeituras de nossas cidades têm mostrado uma face preocupante da política contemporânea: a falta de debate. Estamos presenciando um cenário de loucura e irresponsabilidade que ultrapassa os limites do aceitável. Em meio a gritos, insultos e quase agressões físicas, parece que o verdadeiro objetivo dos debates, que é discutir propostas e soluções para as cidades, ficou em quadragésimo plano.
Não sou saudosista e não pretendo romantizar o passado, pois barracos em campanhas sempre existiram, aqui e em outras partes do mundo. No entanto, o que vemos hoje é um cenário onde a qualidade das discussões está em queda livre.Em vez de confrontar ideias, os candidatos parecem mais preocupados em atender às novas expectativas de um eleitorado que, infelizmente, parece cada vez mais desinteressado no futuro de suas próprias cidades.
Para mim, a política é o único caminho para transformar a sociedade ou para nos manter como uma sociedade, independentemente de sermos pobres ou ricos, favelados ou abastados moradores de áreas nobres. No entanto, quando observamos o comportamento dos eleitores, fica claro que algo mudou. Antes, havia um certo compromisso com as agendas das cidades, com a construção de um futuro melhor. Havia discussão nos bares, na rua. Eu, quando era camelô, já tive que apartar muitas brigas de colegas porque chegavam às vias de fato para defender as propostas dos seus candidatos. Claro que reprovo aquelas brigas, mas eles brigavam porque defendiam ideias, propostas que acreditavam que mudariam as suas vidas. Inclusive a vida do seu adversário na porrada de rua.
Hoje, esse compromisso parece ter dado lugar a uma atitude de indiferença, quase como se a eleição fosse um espetáculo de bizarrices, ou seja, quem cometer os maiores absurdos será o mais engraçado, comentado, impulsionado e, portanto, terá mais chance.Essa mudança no comportamento do eleitor reflete diretamente no perfil dos candidatos que surgem. Os políticos de hoje, cientes desse novo público, moldam suas campanhas para atrair a atenção, muitas vezes com estratégias que beiram o entretenimento puro e simples, em vez de focar na seriedade das propostas. O resultado é um ciclo vicioso, onde a política se torna um show e os eleitores, espectadores passivos, desconectados das reais necessidades de suas cidades e do futuro de seus filhos. Confesso que às vezes eu também acho graça, mas a conta chega. Basta ver alguns estados e cidades no Brasil, que precisarão de muitos anos para sair do buraco, se começar a mudança hoje.
É fundamental que retomemos o verdadeiro sentido do debate político. Não é possível naturalizar o desrespeito, a falta de educação, os vários tipos de violência, candidatos falando e outros debochando de forma ostensiva como se isso fosse liberdade de expressão. As emissoras não podem punir com receio de serem chamadas de autoritárias. Ou mudam as regras e fazem todos cumpri-las, ou é melhor parar de promover debates. Pois o que estamos vendo é desinformação em escala.
Precisamos de eleitores comprometidos, que cobrem de seus candidatos propostas reais e viáveis para o desenvolvimento das cidades. Somente assim poderemos quebrar esse ciclo de irresponsabilidade e trabalhar para construir um futuro melhor para todos.
Será muito fácil para nós, eleitores, pôr a culpa nos candidatos, dizer que todos são ruins. Mas talvez seja a hora de fazer uma pergunta para nós mesmos antes de dormir: nós somos o reflexo dos nossos candidatos ou eles são o desdobramento prático do nosso comportamento? Minha vó dizia: “Celsinho, a vaca está indo pro brejo”, quando alguma coisa errada estava para acontecer. Se ela estivesse viva, eu diria: “Vó, a vaca já entrou, mas se a população quiser, dá tempo de puxá-la pelo rabo.”