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O setor de mudança de uso da terra respondeu por 42% das emissões brasileiras e é peça-chave para descarbonização do país (Divulgação/Divulgação)
Publicado em 15 de dezembro de 2025 às 20h15.
Dois anos de negociações, oito planos setoriais de mitigação, dezesseis planos de adaptação e um impasse que inviabilizou o anúncio durante a COP30.
O Plano Clima 2024-2035, aprovado nesta segunda-feira, 15, pelo Comitê Interministerial de Mudança do Clima, finalmente estabelece um roteiro para o Brasil reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em pelo menos 41% até 2030 e entre 49% e 58% até 2035, em comparação aos níveis de 2022.
O documento pode representar a política pública mais abrangente já desenvolvida no país para enfrentar a emergência climática. Mas o caminho até sua aprovação foi permeado por tensões estruturais de um Brasil que segue tentando equilibrar sua vocação agrícola com compromissos ambientais cada vez mais urgentes.
Este é o segundo anúncio do governo Lula em poucos dias na agenda ambiental. Há cerca de uma semana, o presidente assinou um decreto determinando que quatro ministérios apresentem, em 60 dias, uma proposta para a redução gradual da dependência de combustíveis fósseis.
O Plano Clima deveria ter sido um dos grandes anúncios brasileiros durante a COP de Belém. Mas, enquanto 15 dos 16 planos setoriais estavam prontos desde setembro, um permanecia sem consenso, o que envolvia agricultura e pecuária.
A questão central girava em torno de como alocar as emissões relacionadas ao desmatamento. Na versão inicial apresentada em consulta pública em agosto, o setor agropecuário aparecia como responsável por 1,393 bilhão de toneladas de CO2 equivalente por ano, englobando desde a produção agropecuária propriamente dita até a supressão de vegetação em áreas rurais.
Na ocasião, o Ministério da Agricultura considerou a abordagem problemática e pediu o adiamento do anúncio então previsto para a conferência. E foi nos bastidores da COP que se seguiram as negociações entre as pastas do Meio Ambiente, Agricultura, Casa Civil e Desenvolvimento Agrário.
Aloísio Melo, secretário nacional de Mudança do Clima, detalhou o processo em entrevista exclusiva à EXAME. Segundo ele, durante a COP já havia uma nova versão colocada para avaliação de todos, endereçando as principais questões. "De lá para cá foi feito um refinamento com base naquela proposta", explicou.
O principal ajuste envolveu passar para o plano todas as áreas públicas, além de unidades de conservação e terras indígenas, e também territórios quilombolas, principalmente as áreas de assentamento e as áreas dos chamados vazios fundiários, aquelas que não constavam de bases cartográficas federais.
Nesta reestruturação também foi incluído um plano específico, “deixando aquilo que eram as emissões por atividades produtivas, de estrito senso, de agricultura, da pecuária, do uso de fertilizantes nitrogenados, de dejetos agrícolas", descreveu Melo. E foi criado ainda outro plano para tratar do uso da terra nas áreas privadas, espelhando o que se tem nas áreas públicas.
Ao todo, foram produzidas nove versões até chegar ao texto final, alinhado pelo subcomitê executivo do Comitê Interministerial na semana passada, em um esforço que reuniu 19 ministérios, mais o Fórum Brasileiro de Mudança do Clima e a Rede Clima, até a aprovação definitiva.
A saída encontrada quando o caminho travou foi criar uma divisão mais precisa das responsabilidades. O que antes era contabilizado como um bloco único passou a ser separado em três categorias distintas, cada uma com metas específicas e pastas corresponsáveis.
A primeira categoria trata da mudança de uso da terra em áreas públicas e territórios coletivos, incluindo áreas de conservação, terras indígenas e quilombolas, assentamentos rurais e áreas não destinadas.
Atualmente, registra emissões de 448 milhões de toneladas de CO2 equivalente. A meta até 2035 é transformá-la em removedora líquida de carbono, absorvendo mais do que emite.
A segunda categoria foca em áreas rurais privadas onde ocorre a supressão de vegetação nativa, autorizada ou não, além de atividades florestais e outras transições de uso do solo. Atualmente responsável por 352 milhões de toneladas de CO2 equivalente, esse setor também precisará inverter o sinal até 2035, alcançando 30 milhões de toneladas de CO2 negativas.
A terceira categoria, em que estão agricultura e pecuária propriamente ditas, engloba emissões diretas da atividade produtiva. Entram aí a fermentação entérica do gado, o uso de fertilizantes nitrogenados, dejetos agrícolas, aplicação de calcário e consumo de combustíveis.
De acordo com Melo, o objetivo principal é estimular a mudança do uso da terra, de áreas que hoje são degradadas, que não são nem produtivas nem de conservação ambiental.
“Desta forma, elas passam a ser incorporadas como áreas de recuperação de vegetação ou de plantio de sistemas integrados, de atividades florestais que têm esse efeito de remover carbono", resume o secretário.
O Plano Clima estabelece que o Brasil deve limitar suas emissões líquidas nacionais a 1,2 bilhão de toneladas de CO2 equivalente até 2030. Para 2035, a meta está entre 850 milhões e 1,05 bilhão de toneladas. E o objetivo final, alinhado ao Acordo de Paris, é zerar emissões líquidas até 2050.
"O que fizemos foi pegar essa meta e quebrá-la por setor", diz Melo. Neste cenário, a agricultura terá o desafio de ganhar eficiência, produzindo mais, porém sem aumentar emissões. E há espaço para isso, afirma o secretário, seja com bioinsumos substituindo fertilizantes nitrogenados ou com a produção pecuária sendo mais eficiente no uso da terra, por exemplo.
O uso da terra, contudo, não é o único setor crítico. Melo apontou outros três como especialmente desafiadores: "Resíduos, visto que o Brasil tem uma meta de universalizar o saneamento. O que não significa somente acesso à água, mas a correta destinação de efluentes e esgoto. Então, universalizar e reduzir emissões é bem desafiador", lembrou.
Já em transportes, o gargalo é a dependência da matriz rodoviária. "Aqui falamos das cidades, do transporte de carga e também de outros modais, como ferroviário e hidroviário, que além de modernizar, precisam melhorar a eficiência."
Por fim, vem o setor de energia, que precisa equilibrar a demanda crescente com menor uso de fontes fósseis - cujo mapa do caminho já começa a ser estruturado a partir do decreto de duas semanas atrás.
Entre as 840 ações previstas nos 16 planos, há metas nacionais de adaptação. Essa pauta, assim como a de combustíveis fósseis, deixou a desejar no acordo final resultante da COP30.
Melo explica que, entre as metas previstas, está incorporar critérios de resiliência a todos e quaisquer projetos de investimento federal em infraestrutura.
“Ou seja, você vai desenhar uma ferrovia ou dimensionar um porto já considerando o risco de cenários climáticos, daquele evento que nunca ocorreu, mas que eventualmente pode ocorrer", exemplifica.
Outras metas preveem ainda atender até 4 milhões de pessoas que vivem em áreas de risco com obras de prevenção de desastres e planos de adaptação climática em todos os estados, em pelo menos 35% dos municípios.
O planejamento cobre desde a agricultura familiar até o oceano e zonas costeiras, passando por pilares como igualdade racial, recursos hídricos, saúde, segurança alimentar, transportes e turismo.
Agora, o Brasil submeterá à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) o sumário executivo do Plano Clima Adaptação e a Estratégia Nacional de Adaptação, em mais uma demonstração do compromisso internacional que assumiu com temas que não foram oficialmente ou devidamente incluídos no texto da COP.
O Plano Clima surge, junto ao decreto do Mapa do Caminho dos Combustíveis Fósseis, num momento de sinais contraditórios. Os avanços contrastam com reveses políticos concretos. Afinal, logo após o término da conferência na Amazônia, o Congresso Nacional derrubou - em sessão semipresencial e esvaziada - 52 dos 63 vetos presidenciais à Lei de Licenciamento Ambiental.
Entre os pontos mais críticos, voltou a valer o licenciamento simplificado por adesão (LAE) para projetos de médio potencial poluidor, categoria em que se enquadram as barragens de Brumadinho e Mariana, que romperam e estão entre os maiores desastres ambientais do país.
Entre anúncios e implementação efetiva, há ainda outro espaço onde interesses consolidados atuam com força: lobby petroleiro, do setor de transporte rodoviário e de indústrias intensivas em carbono, além da bancada ruralista no Congresso.
O Plano Clima terá que enfrentá-los não apenas com diretrizes, mas com políticas concretas e articulação política, especialmente após a derrota no licenciamento ambiental ter mostrado a força dos vetores contrários.
Este não é um plano estático. "A cada dois anos teremos um novo inventário nacional de emissões para saber como estão cada um dos setores", detalhou o secretário.
O monitoramento visa acompanhar e corrigir trajetórias em cada setor. Para a implementação, foram criadas três câmaras de acompanhamento.
“Teremos uma [câmara] de assessoramento científico, com pesquisadores das várias áreas; outra de participação social, com sociedade civil, setor privado e representante de vários segmentos. E uma de articulação federativa, com a representação de estados e municípios."
"Há essas três instâncias formais que vão estar olhando para o plano e vão estar se manifestando, recomendando aí ao Comitê dos Ministros, o que é que tem que mudar, o que é que tem que melhorar para que a implementação seja bem-sucedida."
Segundo Melo, caberá a esses grupos olhar a implementação e produzir um balanço anual do que andou ou não, para promover ajustes a cada dois anos. Outro elemento importante, ele destaca, é a transparência.
O mercado de carbono terá papel central no financiamento. Mas só a partir de 2029 ou 30, quando o mercado regulado estiver funcionando - um processo que, afirmam especialistas, só deve estar concluído em cinco anos.
O plano prevê ainda mecanismos econômicos para redução do desmatamento legal - a supressão de vegetação nativa autorizada pelo Código Florestal.
A ideia neste sentido é que a preservação dessas áreas em propriedades rurais seja compensada financeiramente ao produtor, seja pelo mercado de carbono, por incentivos fiscais, pagamento de serviço ambiental ou juros mais atrativos em financiamentos.