Vista da Esplanada dos Ministérios, em Brasília (Ueslei Marcelino/Reuters)
A discussão sobre as contas públicas no Brasil é um tema constante na pauta econômica. Mais recentemente, com a elevação da dívida após a pandemia de Covid-19 em diversos países, juntamente com a aceleração da inflação global, o tema entrou também na pauta internacional. Qual o impacto de políticas fiscais expansionistas neste momento crítico da nossa economia?
Após as eleições, era esperada uma redução da volatilidade nos mercados, mas a incerteza continua dominando. Após três semanas da vitória de Lula (PT), a equipe de transição do novo governo ainda não conta com quem assumirá o ministério da Fazenda, e o foco do debate em torno da PEC para ultrapassar o limite de gastos do Orçamento em 2023 vem gerando grande incerteza.
Para aumentar o pagamento do Auxílio Brasil, tema debatido nas eleições, seriam necessários gastos de cerca de R$ 50 bilhões além do teto no ano que vem. Com a inclusão da recomposição de outros programas, como o Farmácia Popular, por exemplo, a proposta poderia contemplar R$ 70 bilhões adicionais –e teríamos quase R$ 130 bilhões, além do teto, uma quantia um pouco superior à de R$ 120 bi de despesas acima do limite para este ano.
Considerando um cenário de 1% de crescimento do PIB, o aumento das despesas nesse patamar seria razoável. No entanto, a proposta da PEC de transição contempla gastos de quase R$ 200 bilhões para 2023 e a exclusão do Auxílio Brasil do teto pelo período de quatro anos.
A falta de uma proposta de contrapartida e da indicação da fonte de recursos elevou a incerteza no mercado. Não só a lei do teto de gastos está sendo burlada, mas também a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Além de um crescimento de gastos atípico para o primeiro ano de governo, que em geral significa “arrumação da casa” com a contenção de despesas, teremos uma expansão fiscal com o resultado primário saindo de um superávit de 1,2% em 2022 para - 2% em 2023, ou quase 3 p.p. do PIB.
Vale lembrar que o Brasil possui uma elevada dívida pública de 75% do PIB, que está bem acima dos pares emergentes com média em torno de 60%. Após a redução de 90%, no pico da pandemia para o atual patamar de 75%, voltaremos a ter trajetória de dívida ascendente pelos próximos anos, podendo rapidamente voltar para acima de 90%.
Esse movimento de expansão fiscal de tamanha magnitude pode resultar em duas consequências negativas para a economia. A primeira, é a volta da inflação. O IPCA acumula 6,5% até outubro e tem expectativa de queda para 5,9% até dezembro, passando para 5% até 2023. O crescimento de gastos, sem fonte, pode resultar em mais pressão inflacionária nos próximos meses, e a inflação voltaria a subir acima da meta. Com um Banco Central independente, o primeiro em uma transição de governo, a expectativa passa a ser de novas altas da Selic, o que resultaria em uma desaceleração mais forte da economia, possivelmente uma recessão.
Em segundo lugar, observamos um aumento dos prêmios de risco no mercado, com uma desvalorização do Real e, principalmente, aumento nos juros futuros. As taxas de juros reais atreladas às NTN-Bs voltaram para o patamar acima de 6%. Juros reais elevados no longo prazo encarecem o investimento no país, o que também contribui para uma retração da economia, como vimos em 2014-15. Ademais, os juros altos irão impactar a dívida pública, com elevado custo que pode chegar a 8% do PIB e elevar o esforço fiscal para estabilizá-la no futuro.
No último relatório sobre o cenário global, o FMI ressaltou a importância de os países manterem políticas fiscais contracionistas para contribuir com a queda da inflação. Aumento de gastos para o combate da pobreza, devido aos impactos da pandemia, precisam ser focalizados e temporários, para que uma expansão fiscal não resulte na persistência da inflação, que tem um custo muito maior para as famílias de baixa renda. Não existe responsabilidade social sem contas públicas.
* PhD, CFA, economista-chefe e head de Research no Inter, professora da PUC-Rio e da Fundação Dom Cabral