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Combate à corrupção no Brasil requer foco e incentivo à prevenção

O compliance funciona melhor quando é parte de um programa permanente, abrangente e bem desenhado de gestão de riscos

The arrow of the compass is pointing the compliance word over dark blue metallic background. Horizontal composition with copy space. Compliance concept. (MicroStockHub/Getty Images)

The arrow of the compass is pointing the compliance word over dark blue metallic background. Horizontal composition with copy space. Compliance concept. (MicroStockHub/Getty Images)

O Decreto 11.129/22, que substitui o Decreto 8.420/15, traz alguns avanços importantes para o ambiente corporativo brasileiro, especialmente do ponto de vista da cultura de compliance. Publicado pelo governo federal no último mês, trata-se da primeira reformulação do instrumento normativo que regulamenta a Lei Anticorrupção em sete anos.

Colocados em contexto, no entanto, esses avanços ainda estão muito aquém do que o país necessita para fomentar uma verdadeira cultura de gestão do risco de compliance em suas empresas, capaz de prevenir de maneira eficaz a corrupção no meio corporativo.

Um programa de compliance pode ser dividido em três pilares de atuação: prevenção, detecção e remediação. Quando a prática da corrupção acontece, a detecção precisa ser rápida e precisa de forma a subsidiar uma remediação que pode envolver medidas disciplinares aos envolvidos, bem como reporte espontâneo às autoridades. Contudo, a revisão dos controles que falharam ao permitir a prática da corrupção e a adoção de melhorias é igualmente, senão mais, importante. Esse é o pilar da prevenção. Aquele que demanda grande parte do tempo dos profissionais que gerem um programa de compliance, e que consome a maior parcela do orçamento. 

Pensando nisso, e analisando as alterações trazidas no capítulo "Do Programa de Integridade", uma das novidades de destaque diz respeito à obrigação das empresas de realizar diligências de terceiros, agora citando expressamente despachantes, consultores e representantes comerciais, além de pessoas expostas politicamente (PEPs) e suas famílias.

Por um lado, a menção expressa deixa claro os critérios quando da avaliação de um programa de compliance eficaz e coloca um incentivo para empresas buscarem formas mais eficientes de efetuar a gestão e o monitoramento de um grupo de terceiros cada vez mais extenso. Contudo, esse tipo de diligência não é exatamente novo e a menção literal no Decreto apenas dá ênfase à importância de se incluir tais atividades comerciais sob escrutínio do compliance.

Em realidade, as melhores práticas de compliance já recomendavam a diligência de despachantes, consultores e representantes comerciais por se tratarem de atividades comerciais frequentemente associadas ou utilizadas em esquemas de corrupção. Dito de outra forma, o Decreto não provoca melhorias na mitigação do risco, pois tão somente formalizou uma prática que muito provavelmente já era adotada por empresas que possuem regras de compliance na gestão de seus terceiros.

Ainda no mesmo capítulo, o novo Decreto também abordou uma mudança positiva na maneira como devemos encarar o compliance, isto é, do ponto de vista de um risco no ambiente corporativo. O Decreto, porém, poderia ter ido muito além, trazendo contribuições palpáveis como, por exemplo, recomendação de inserção do risco de compliance na matriz de riscos da empresa, consolidação de uma metodologia única de gestão de riscos (inclusive do risco de compliance), e o reporte periódico dos indicadores de monitoramento do risco de compliance à alta administração. Executivos e membros de conselhos de administração já estão há tempos acostumados a olhar o negócio sob a ótica do risco. O que precisamos fazer é ver o compliance nessa mesma lente. 

 

O mercado brasileiro tende a enxergar o compliance como um solucionador de crises ou um pacote de normas que deve ser seguido à risca conforme a interpretação das leis aplicáveis. A questão é que o mundo dos negócios simplesmente não funciona assim, já que gerir adequadamente os riscos faz parte de manter o negócio vivo. Sendo assim, o compliance funciona melhor quando é parte de um programa permanente, abrangente e bem desenhado de gestão de riscos, não um “botão de emergência” somente para evitar responsabilização jurídica ou diminuir a multa. 

Por falar nisso, uma mudança comemorada foi o aumento do fator de redução da multa de 4% para 5% para os casos de a empresa possuir e aplicar um programa de integridade. Dados os custos inerentes à formulação, aplicação e manutenção de um programa de compliance, sobretudo um embutido na gestão dos riscos corporativos e parte integrante das decisões de negócio, esse desconto está longe de ser um incentivo para a maioria das empresas do país.

Note-se que, em processos de corrupção corporativa, não há análise de culpa da pessoa jurídica. Portanto, ainda que a empresa se oriente pelas melhores práticas, a responsabilização da pessoa jurídica é objetiva mesmo se o seu programa de compliance tiver sido brilhantemente instituído e perfeitamente gerido. 

O Brasil seguiu o exemplo dos Estados Unidos na implementação da sua Lei Anticorrupção, mas no quesito benefícios para a existência e o funcionamento de um programa de compliance eficaz, aquele país concede o "decliniation", ou seja, não processa ou penaliza a empresa.

A Lei Anticorrupção brasileira trouxe avanços importantes para o combate à corrupção no Brasil, fechou o elo de responsabilização dos agentes corruptos e passou a punir empresas, tal qual indivíduos, pela prática desse desvio de conduta. Mas nem a Lei Anticorrupção e nem o seu novo Decreto focam no fomento a um ambiente de negócios íntegro sob a ótica da prevenção. 

As mudanças legislativas certamente estão nos levando à diante no combate à corrupção. Mas ao contrário dos Estados Unidos, o Brasil segue um caminho do incentivo por meio da punição. Falta um olhar crítico de fomento à prevenção, com critérios regulamentadores que tragam mudanças práticas e resultados palpáveis, além de incentivos que efetivamente façam as empresas moverem montanhas na prevenção à prática da corrupção.

 *Luciana Silveira é Chief Compliance Officer da Neoway

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