Haddad: A fábrica de automóveis não está vendendo bem, mas qual o pobre que pode comprar um carro popular por R$ 90 mil? (Jung Getty/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 25 de maio de 2023 às 07h12.
O governo deve anunciar hoje, no Dia da Indústria, um novo conceito de carro popular para impulsionar as vendas no país. Mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já avisou que uma parcela das medidas em discussão a serem adotadas para baratear esses veículos só poderão ser aplicadas no ano que vem.
No início do mês, na primeira reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), o “Conselhão”, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou os altos preços dos automóveis no Brasil e defendeu que a indústria viabilize modelos que custem menos para que a população possa ter acesso a veículos e seja possível inclusive aumentar as vendas das montadoras. Na ocasião, Lula afirmou:
— A fábrica de automóveis não está vendendo bem, mas qual o pobre que pode comprar um carro popular por R$ 90 mil? Um carro de R$ 90 mil não é popular, é para classe média.
Apesar de algum tipo de incentivo para baratear modelos de automóveis estarem no radar, ideias como dar incentivos fiscais para as montadoras vão na contramão do desafio do governo de aumentar a arrecadação para viabilizar o novo arcabouço fiscal e do princípio de simplificação da estrutura de impostos que norteia a reforma tributária.
— Nós discutimos várias possibilidades, mas tem coisas que só dá para fazer ano que vem. Pode até ser anunciado, mas só dá pra fazer ano que vem em virtude das regras fiscais. Nós vamos sentar com ele (presidente Lula) para discutir — disse o ministro.
O conceito de carro popular que o governo deve anunciar hoje é diferente do que o brasileiro conheceu num passado recente. Embora os novos populares possam trazer o motor 1.0, de menor potência, não existe mais espaço para que esses veículos sejam desprovidos de equipamentos de segurança obrigatórios por lei desde 2013, como freios ABS e airbags, além itens de conforto, como a direção hidráulica.
Especialistas avaliam que, para baixar preços, o governo terá que abrir mão de impostos. E que o país vai na contramão mundial, onde se discutem políticas públicas de incentivo ao uso do carro elétrico.
Para os especialistas, para ter preço de R$ 50 mil, como quer o presidente Lula, será preciso que as montadoras e concessionárias abram mão de uma parte do lucro — algo considerado difícil, já que elas têm dito ao governo que as margens já são apertadas em carros de menor valor — ou que o governo conceda algum tipo de isenção de impostos, visão que não é compartilhada pelo Ministério da Fazenda, que busca medidas para aumentar a arrecadação de impostos.
— Não existe mais espaço para carros desprovidos de tecnologia e conforto. Os produtos e os consumidores evoluíram. Se ninguém quer mais um telefone celular que mais se parece com um 'tijolo', também não quer um carro sem o espelho retrovisor direito ou direção hidráulica. Só vejo saída pela via tributária para reduzir preços — diz Antônio Jorge Martins, coordenador de cursos automotivos da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Após a aprovação do arcabouço fiscal, usar benefício fiscal ficou mais difícil, já que a nova regra para controlar os gastos públicos deixa pouca margem para que o governo possa abrir mão de receitas.
Por isso, as discussões em Brasília com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) têm sido complexas até que se chegue a um denominador comum. Fontes a par das conversas observam que nem todas as montadoras têm interesse em oferecer um carro popular, exatamente pela baixa margem de ganho. Por isso, a oferta pode ficar restrita a poucos modelos. Hoje, os SUVs com preços que variam de R$ 110 mil a R$ 250 mil dominam o mercado com 44% de participação nas vendas e maior margem de lucro aos fabricantes.
As entidades do setor automotivo apresentaram sugestões, mas não estão participando das conversas. Só as montadoras que têm interesse estão em negociação com o governo. A Anfavea, que representa as montadoras, não fala pelo setor sobre este tema. A Fenabrave, representante das concessionárias, informou que não tem porta-voz para o assunto. No MDIC, o tema carro popular vem sendo discutido com discrição para que nada seja divulgado antes do martelo ser batido, evitando frustração dos consumidores.
“As medidas sobre o setor automotivo estão em estudos, e serão divulgadas assim que forem concluídas, o que ainda não tem previsão”, informou o MDIC em nota.
Martins, da FGV, lembra que as montadoras não têm como gerar lucro se não investirem cada vez mais em tecnologia. Os automóveis estão ficando mais caros, fato agravado pela pandemia, com gargalos no fornecimento de peças.
Um dos problemas apontados pelos especialistas é a queda do poder aquisitivo dos brasileiros. Por isso, estão na mesa como alternativas para reaquecer o setor o uso do FGTS como garantia ao financiamento — ou a utilização de uma fatia de 10% a 15% para a compra do carro. Juros subsidiados e prazos mais longos de financiamento também podem ser incluídos no pacote de estímulo. Uma redução do ICMS tem esbarrado numa discussão com cada estado.
— A nova política do carro popular tem que passar por ajuste na carga tributária, política de crédito com juros mais baixos, já que 70% dos carros estão sendo vendidos à vista, na contramão do que sempre aconteceu no setor — diz Igor Machado Torres, economista da Tendências Consultoria.
Ele lembra que entre 30% e 40% do preço dos carros são imposto. Para ter algum efeito no valor do veículo, seria preciso zerar a carga tributária, afirma.
Paulo Feldmann, professor do departamento de Administração da FEA (USP), destaca que enquanto o mundo todo debate o carro elétrico, o Brasil faz uma discussão sobre carro popular “fora de contexto”:
— Não vejo justificativa para discutir a volta do carro popular, enquanto o país não tem política pública para o veículo elétrico, que precisa de infraestrutura e incentivo a quem compra. Estamos na contramão da tendência mundial