Franquias anticíclicas?
No início de fevereiro, o presidente da Associação Brasileira de Franchising (ABF) Tom Moreira Leite anunciou o resultado animador de 2022: pela primeira vez o faturamento do setor superou os 200 bilhões de reais (211,4 bilhões de reais para ser mais precisa), um crescimento de 14,3% na comparação com o ano anterior.
O resultado impressiona, mas não surpreende, já que o mercado de franquias só encolheu em 2020, no auge da pandemia. De lá para cá, o setor tem crescido dois dígitos – um ritmo bem mais aquecido que o normal para a economia brasileira.
''Se observarmos períodos de crise anteriores, como 2008 ou 2014, o franchising sempre se recuperou de maneira mais veloz do que a própria atividade econômica’’, diz Tom Moreira Leite.
Para 2023, a ABF projeta um crescimento entre 9,5% e 12%. A faixa definida levou em conta as incertezas no ar no começo do ano: novo governo, Selic em 13,75% e inflação ainda longe de estar 100% controlada foram alguns pontos relevantes na ocasião.
Hoje, o panorama está mais claro para o Brasil e para o franchising. Com crescimento de 17,2%, o mercado de franquias faturou mais de 50 bilhões de reais no primeiro trimestre, apresentando o melhor resultado da série histórica e acompanhando a desaceleração da inflação e a sinalização de queda da Selic.
Como explicar o crescimento fora da curva? Para o presidente da ABF, o atual cenário econômica brasileiro ajuda na preservação do poder de compra dos consumidores e nos custos e despesas dos empresários, mas está longe de justificar o desempenho do setor.
Entre os desafios, Moreira Leite citou a Reforma Tributária, em especial as mudanças para o Simples Nacional que atinge boa parte dos franqueados, e linhas de crédito específicas para franqueadoras e franqueados.
A seguir, alguns pontos destacados por especialistas do setor sobre o bom desempenho do mercado de franquias.
De empresário para empresário
É difícil apontar um único fator responsável pelo sucesso do mercado de franquias brasileiro. Mas, entre todos os argumentos que serão apresentados nessa reportagem, um se destaca: a gestão capilarizada.
Em conversas com especialistas da área é um consenso de que a relação entre franqueadora e franqueado é o grande diferencial que permite o ganha-a-ganha do setor.
''Essa relação entre empresários faz com que as transformações na rede se multipliquem de forma rápida. O empresário franqueador implementa as melhorias necessárias no tempo mais curto possível. Já o empresário franqueador busca o melhor retorno sobre seu investimento'', diz Tom Moreira Leite.
O consultor Marcelo Cherto, que atua no mercado de franquias há mais de 30 anos, destaca que, diferente do varejo convencional, todas as unidades no franchising são observadas de perto pelos donos, também chamados de franqueados.
Em resumo, problemas são identificados de forma ágil e assertiva pela liderança presente em cada loja e as soluções são implementados em escala pela franqueadora.''Repensar processos é muito mais fácil no mercado de franquias do que no varejo tradicional. Muitas vezes os problemas das lojas não chegam ao alto escalão das corporações. Nas franquias, é interessante para todos solucionar problemas de forma ágil'', diz o consultor.
Na pandemia, a capilaridade fez com que o setor se adaptasse de forma rápida ao novo cenário: lojas fechadas e o desenvolvimento de canais digitais, muitas vezes do zero. Nesse processo, a coleta de dados e a automatização resultou em uma maior eficiência dos negócios.
A Kopenhagen é o exemplo de uma franquia que se digitalizou rapidamente para conter os estragos da pandemia na Páscoa de 2020. Hoje, todas as lojas contam um sistema que favorece o franqueado quando os clientes realizam uma compra online. Desenvolvido nos últimos anos, os pedidos via canais digitais são direcionados para as lojas mais próximas do cliente. Antes, os pedidos saiam do centro de distribuição.
O bom momento do mercado tem chamado a atenção de fundo de private equity. Axxon, Advent, Vinci Partners e Pátria são alguns fundos que já atuam no mercado e que estão atrelados a grandes franqueadoras.
Novos modelos, praças e investidores
A interiorização do mercado de franquias sempre esteve no radar das redes, mas nunca foi colocado em prática com tanta voracidade como na pandemia, diz Cherto.
A pandemia de covid-19 gerou grandes prejuízos sanitários e econômicos, mas também acelerou a interiorização de grandes franqueadoras e a criação de novas redes em novas praças. As franquias mais baratas, também conhecidas como microfranquias, já representam 40% das redes disponíveis no mercado.
Este número cresceu na pandemia, período no qual o mercado atraiu novos investidores que buscavam empreendimentos com investimento inicial mais baixo.
''Na pandemia, o franchising atraiu novos empreendedores. Algumas pessoas viram nas franquias a oportunidade de conseguir renda extra, outras perderam o emprego e apostaram suas fichas no empreendedorismo. Existe ainda o grupo de pessoas que se mudou para o interior, está fora dos grandes centros e não quer voltar, mas quer consumir as mesmas coisas'', diz Cherto.
A Cacau Show foi uma das franquias que aproveitou o atual momento do mercado para crescer com microfranquias. Com o modelo de contêiner, a rede ultrapassou o Boticário e se tornou a franquia com mais unidades do país, com 3.763 pontos e crescimento de 33,1% em relação ao ano anterior.
Veja também
apresentado por: Bússola
Franquia brasileira de cafeterias aposta na regionalização ao expandir para o NordesteCompartilhe este artigo
Tópicos relacionados
Créditos
Isabela Rovaroto
Repórter de Negócios
Formada pela PUC-SP e com pós em Finanças, Investimentos e Banking. Trabalha na EXAME há cinco anos. Atualmente, se dedica à cobertura de negócios e empreendedorismo.