Vídeo de ursos em penhasco gera debate sobre uso de drones na natureza
Dispositivos devem ser usado com cautela para não estressar os animais
Ariane Alves
Publicado em 6 de novembro de 2018 às 18h59.
Última atualização em 8 de novembro de 2018 às 14h42.
São Paulo - Um vídeo postado no Twitter no último sábado (3) foi alvo de polêmica após viralizar. O que era para ser uma história de perseverança e superação no mundo animal , ao exibir a luta de um filhote de urso para escalar um penhasco coberto de neve e chegar até sua mãe, tornou-se um debate sobre os limites e a ética no uso de drones para filmar a vida selvagem.
Com 2 minutos e 41 segundos, o vídeo exibe uma mãe urso e seu filhote tentando escalar um penhasco coberto de neve. Com mais habilidade, a mãe chega primeiro ao topo e espera ansiosa pelo filhote, que escorrega por diversas vezes até conseguir subir e se juntar a ela. Postado no Twitter pela apresentadora canadense Ziya Tong, a filmagem viralizou e já foi assistida por quase 21 milhões de pessoas, gerando muitos comentários sobre a coragem e persistência do filhote. Veja abaixo.
Outra onda de comentários, porém, alertou para um fato que pode ser mais relevante do que parece. A filmagem do vídeo foi realizada por um drone, que se afasta e se aproxima dos animais para capturar os detalhes da batalha do pequeno urso contra a neve e a gravidade. Muitos usuários apontaram para o fato de que o próprio drone pode ter sido a causa da aflição da mãe e do filhote, tendo assustado ambos enquanto estava no ar realizando a filmagem.
Segundo o site ViralHog, que postou o vídeo originalmente, a gravação foi feita no dia 19 de junho deste ano na região de Magadan, Rússia. Os comentários fizeram Tong, que comanda um quadro no canal Discovery Channel, responder com alertas para o uso de drones em filmagens da vida na selva. Como mostra o vídeo, a presença do aparelho na natureza pode interferir na rotina de vida dos animais, gerando incômodo e apreensão em troca de capturar imagens para pesquisa, análise ou entretenimento.
Perturbação da vida selvagem
Segundo levantamento da consultoria britânica PwC, o mercado global de serviços usando drones, que inclui infraestrutura, agricultura e transportes, está avaliado em 127 bilhões de dólares (cerca de 477 bilhões de reais, em conversão direta). A adoção do dispositivo com fins de pesquisa ambiental já aprimora o campo, sendo usado para monitorar regiões de floresta densa e oceanos e para fornecer dados com maior precisão do que os métodos tradicionais de captura de imagens e sons.
Em artigo publicado no site The Conversation, os ecologistas Lian Pin Koh e Jarrod Hodgson, da Universidade de Adelaide, na Austrália, alertam para a necessidade de uma regulação no uso de drones para assegurar que a vida selvagem não seja danificada com sua presença. Segundo eles, pesquisas recentes mostram que a presença do dispositivo pode alterar não só o comportamento, mas a fisiologia dos animais.
Aves monitoradas por biólogos franceses e sul-africanos apresentaram reações significativas ao ângulo de aproximação de drones, embora fatores como velocidade de aproximação, cor do dispositivo e repetições do voo parecem não ter afetado os animais. Outra pesquisa, feita com pinguim-de-adélia na Antártida, revelou que as aves polares ficavam em estado de alerta quando percebiam um drone voando em baixas altitudes.
Uma terceira pesquisa feita com ursos negros americanos que usavam monitores cardíacos demonstrou que os voos de drone aumentaram a frequência cardíaca dos ursos em até 123 batimentos por minuto, embora não exibissem alterações comportamentais significativas. Este pode ter sido o caso dos protagonistas do vídeo postado por Tong no Twitter e reproduzido em diversos sites e perfis de redes sociais.
Boas práticas para reduzir os impactos
A dupla de pesquisadores também divulga um guia elaborado por eles que apresenta boas práticas para o uso de drone na natureza, orientando que sejam utilizados dispositivos que causem o mínimo de interferência possível, além de evitar trajetórias de aproximação ameaçadoras ou movimentos de voo esporádicos. O código também reconhece a importância de seguir as regras da aviação civil e os programas efetivos de manutenção e treinamento, e usar processos de ética animal para supervisionar os experimentos com drones.
“O código não foi pensado apenas para os biólogos. É relevante para todos os usuários e reguladores de drones, desde videomakers aéreos comerciais até amadores. Sem querer ou não, esses usuários podem se ver pilotando drones perto da vida selvagem”, alertam no artigo.
“Os drones são uma ferramenta útil de monitoramento da vida selvagem. Precisamos desenvolver e implementar proativamente técnicas de monitoramento de baixo impacto. Fazer isso expandirá nosso arsenal tecnológico na batalha para gerenciar a vida selvagem preciosa e cada vez mais ameaçada na Terra”, afirmam, indicando a necessidade de mais pesquisas para mapear o impacto dos aparelhos e do desenvolvimento de códigos sérios de conduta para serem seguidos por toda a comunidade.