Ciência

Transplante faz paciente viver 45 dias com dois corações

Procedimento inovador, realizado no InCor, é indicado para pacientes com quadros específicos

Para que sua técnica seja validada, Gaiotto precisa repetir o feito em outros cinco pacientes (Joe Carrotta para a NYU Langone Health/Divulgação/Reuters)

Para que sua técnica seja validada, Gaiotto precisa repetir o feito em outros cinco pacientes (Joe Carrotta para a NYU Langone Health/Divulgação/Reuters)

AO

Agência O Globo

Publicado em 23 de novembro de 2021 às 08h18.

Última atualização em 23 de novembro de 2021 às 08h19.

Poderia ser o enredo de um romance ficcional: um homem com dois corações batendo no mesmo peito. Mas, na realidade, essa é a história do urbanista Lincoln Paiva, de 54 anos, que passou por um tipo inovador de transplante cardíaco no Instituto do Coração (InCor), em São Paulo.

O procedimento — ainda em fase de estudo — é dedicado a quadros de saúde muito específicos: pacientes que sofrem de insuficiência cardíaca, indicados para transplante, mas que também apresentam um tipo de pressão alta pulmonar (normalmente fruto dos problemas iniciais no coração). Este era o caso de Lincoln, e, por isso, ele foi escolhido pelos médicos para inaugurar o tratamento.

Quando aceitou participar do estudo, o urbanista estava internado no InCor em tratamentos paliativos — dedicados a amenizar as dores e sintomas de pessoas que sofrem de doenças ou complicações de saúde para as quais não há cura, tampouco tratamento.

A alternativa para a doença terminal do paulistano veio pelas mãos do novíssimo procedimento, do qual ele foi paciente inicial. Por 45 dias, o paciente teve dois corações em funcionamento no peito. Um era o órgão original de Lincoln e outro transplantado após uma doação. Juntos, eles deveriam reduzir a pressão do sangue nos pulmões, mas também comandar todo o sistema circulatório do paciente.

De acordo com Fabio Gaiotto, cirurgião cardiovascular criador da técnica, todos os meses entre 3 a 4 pessoas surgem no InCor com problemas de saúde semelhantes, mas a abordagem médica disponível para o caso — o uso de uma bomba artificial — não está disponível para os pacientes do Sistema Unico de Saúde (SUS) e é rara no Brasil. Por conta do problema no pulmão, esses pacientes não são indicados para o transplante, o que seria uma abordagem viável para os problemas do coração.

— É muito dramático para um médico contraindicar um procedimento (o transplante) e deixar o paciente sem saída. Isso me incomodava muito. Por isso decidi estudar hipertensão arterial e transplante cardíaco, em busca de uma alternativa — conta Gaiotto.

O coração antigo de Lincoln foi retirado 45 dias depois da chegada do novo orgão transplantado. Com o bom andamento da técnica, ele teve alta no último dia 5. Agora, em casa, realiza uma rigorosa recuperação. Não pode, por exemplo, ingerir bebidas alcoólicas nem comer as tão adoradas coxinhas de frango. Ele, porém, curte o novo momento mesmo com as restrições.

Referências antigas

— Passei quase um ano com náusea e enjoo quase todos os dias. Internado, só podia beber pouquíssima água. Quatro copinhos de 200ml por dia, normalmente acompanhado por remédios. Quando fui liberado para beber água livremente, perto da alta, foi uma sensação incrível — disse.

O procedimento desenvolvido por Gaiotto bebe de referências antigas da medicina cardíaca. Segundo o especialista, outros especialistas no mundo chegaram a realizar técnicas do tipo, mas uma limitação no entendimento do processo fazia com que uma parte do novo coração transplantado sofresse danos ao longo de seu uso, impedindo a plena recuperação do paciente.

— Foram várias tentativas na história de mexer com essa técnica, mas nunca deu certo. Em algum momento ela ficou esquecida, guardada — diz o especialista que inspirou-se no funcionamento de bombas cardíacas artificiais para adaptar a prática antiga e, assim, fazê-la funcionar.

Para que sua técnica seja validada e apresentada em congressos médicos, Gaiotto precisa repetir o feito em outros cinco pacientes. O primeiro desses transplantes pode acontecer ainda neste ano. Outros quatro estão previstos para o primeiro semestre do ano que vem.

— Agora as pessoas em situações como a minha têm um alento. Até aqui (uma condição de saúde como essa) era o fim da linha. Agora, olho para trás e vejo que tudo valeu a pena — diz Lincoln.

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