Ciência

Realidade virtual permite imersão no mundo dos átomos e moléculas

Em vez de observar o material de fora, com o filtro das diferenças de escala, a pessoa passa a vivenciar o material por dentro, na sua própria escala

Realidade virtual: Sistema implementado na USP combina simulações computacionais de dinâmicas atômicas e moleculares com softwares criados para gerar cenários de videogames. Iniciativa pode favorecer o design de nanomateriais (Laboratório Sampa / IFUSP/Reprodução)

Realidade virtual: Sistema implementado na USP combina simulações computacionais de dinâmicas atômicas e moleculares com softwares criados para gerar cenários de videogames. Iniciativa pode favorecer o design de nanomateriais (Laboratório Sampa / IFUSP/Reprodução)

Lucas Agrela

Lucas Agrela

Publicado em 12 de novembro de 2018 às 15h07.

“Uma maneira diferente de conhecer e interagir com átomos e moléculas”, disse o professor Caetano Rodrigues Miranda sobre o uso de realidade virtual pelo laboratório Sampa (Simulações Aplicadas a Materiais: Propriedades Atomísticas), no Instituto de Física da Universidade de São Paulo. Combinando simulações atômicas e moleculares usuais em ciência dos materiais com softwares originalmente criados para gerar cenários em videogames, o laboratório proporciona uma experiência virtual imersiva nos ambientes de átomos e moléculas. Para isso, o usuário dispõe de um computador pessoal, óculos 3D e dois controladores de mão que lhe permitem conduzir a navegação.

A iniciativa é apoiada pela FAPESP por meio do Projeto Temático "Interfaces em materiais: propriedades eletrônicas, magnéticas, estruturais e de transporte", coordenado pelo professor Adalberto Fazzio.

“As simulações permitem acessar as dinâmicas de átomos, moléculas e outros sistemas em escala nanométrica. Enquanto os softwares possibilitam a experiência virtual imersiva. Em vez de se relacionar de forma abstrata ou de simplesmente visualizar essas dinâmicas, o usuário pode ‘se sentir’ no ambiente atômico ou molecular e ‘participar’ dele”, disse Miranda.

Como a escala nanométrica não é aquela na qual as pessoas atuam na vida cotidiana, falta-lhes uma intuição clara sobre as diferenças de tamanho de átomos e moléculas ou sobre a relação desses objetos com o ambiente circundante.

Um dos objetivos da utilização de realidade virtual é despertar essa intuição. E, em um segundo momento, habilitar os usuários a “agir” nesses sistemas. O que pode, eventualmente, possibilitar diferentes aplicações.

“Por exemplo, consideremos um nanotubo composto por átomos de carbono. O que acontece se trocarmos um dos átomos de carbono por um átomo de nitrogênio? A realidade virtual possibilita acessar diretamente o resultado dessa troca e saber que mudanças ela provoca nas propriedades do material. Ficamos como que imersos no ambiente”, disse Miranda.

Os dois controladores permitem que, além de se sentir imerso, o usuário possa interagir com o ambiente virtual.

“Em uma experiência recente, simulamos a interface entre a salmoura (solução aquosa de cloreto de sódio) e o óleo. ‘Imersa’ virtualmente nessa realidade, a pessoa percebe os átomos e moléculas com o tamanho de bolas de futebol. Com um dos controladores, ela pode navegar no meio, e visualizar, por exemplo, as coordenações entre os íons do sal e as moléculas de água ou a interface com o óleo propriamente dita. O outro controlador fornece a variação temporal, porque essas relações se modificam ao longo do tempo, de acordo com a dinâmica atômica e molecular. Então, é possível não apenas passear no meio, mas também observar como ele evolui”, explicou Miranda.

Outra experiência recente realizada pelo grupo foi o estudo de sistemas porosos. Conforme o depoimento de pessoas que participaram, depois de algum tempo de imersão elas se sentiram, de fato, como parte do sistema, transitando por poros de diversos tamanhos.

Por enquanto, o projeto é um coadjuvante na pesquisa sobre materiais e sua dinâmica, tendo como público-alvo os próprios pesquisadores. Mas, oportunamente, poderá ser estendido, como ferramenta educacional e de divulgação científica, para estudantes e o público leigo.

“O projeto possibilita uma mudança de perspectiva. Em vez de observar o material de fora, com o filtro das diferenças de escala, a pessoa passa a vivenciar o material por dentro, na sua própria escala”, disse Miranda.

Os dados que alimentam a realidade virtual são gerados por métodos já tradicionais em Física. Por um lado, a resolução da equação de Schroedinger, que fornece informações sobre os átomos e elétrons que compõem o material. Por outro, a dinâmica molecular, obtida por simulações ao longo do tempo. Isso permite que se possa caracterizar as propriedades do material em condições variáveis de temperatura ou de pressão, por exemplo.

“O passo adiante é poder interferir nessa dinâmica, trocando os tipos de átomos, modificando as interações entre eles, de modo que tudo isso possa ser visualizado ao mesmo tempo que ocorre. Seria como realizar um design em escala nanométrica”, disse Miranda.

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