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Médicos da USP pedem cuidado com supostos remédios contra coronavírus

Os professores lembram que doenças virais, principalmente as respiratórias, raramente contam com um tratamento específico

Coronavírus: diversos remédios estão sendo estudos e testados contra o coronavírus em uma corrida mundial para conter o vírus (Andre Coelho/Bloomberg/Getty Images)
EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 17 de abril de 2020 às 16h27.

Um grupo de professores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), que tem conduzido uma série de pesquisas sobre o coronavírus , escreveu uma carta em apelo para que se leve a sério a ciência e os estudos clínicos que possam realmente identificar um tratamento para a doença.

"A ciência não é opinião, e consiste exatamente em estabelecer relação de causa e efeito. Muitas observações podem ser feitas sobre exames e medicamentos em relação à covid-19, mas estabelecer uma relação correta requer método científico e ética", pontuam os membros do Colegiado dos Professores Titulares da Faculdade de Medicina da USP.

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O grupo é composto por pesquisadores renomados, que estão na linha de frente das pesquisas sobre a doença, como o infectologista Esper Kallas, que lidera a comissão de crise do Hospital das Clínicas, o hematologista Vanderson Rocha, diretor presidente da Fundação Pró-Sangue, que está coordenando os trabalhos com plasma do convalescente, e o epidemiologista Paulo Lotufo. Também compõem o colegiado os professores Pedro Puech, Irene Noronha, Rosa Maria Pereira e Tarcísio Eloy Pessoa.

"A principal ferramenta se baseia nos estudos controlados. Nesses estudos, há um grupo para o qual é dado o tratamento e outro para o qual não é dado (chamado de grupo controle)", explicam os professores.

"Para que a estatística nos dê uma probabilidade alta de um resultado corresponder à verdade, é preciso um número grande de pacientes. Quanto maior o número, maior a confiança no resultado. Por isso, esses estudos são feitos com centenas ou milhares de pacientes. Para obter número grande de casos, num estudo, a ciência tem dois métodos: realiza o estudo durante anos ou reúne vários hospitais, somando os casos."

Os pesquisadores pontuam que esse é o desafio da pandemia atual. "Reunir vários centros para uma pesquisa rápida é difícil, pois cada centro médico do mundo está focado em tratar seus pacientes graves e achar soluções rápidas", dizem.

É por esse motivo, ressaltam eles, que todas as pesquisas feitas até agora para candidatos a tratamento da doença foram feitos com número pequeno de casos e são de baixa confiança estatística.

"Esse instrumento de análise não dá certezas, mas apenas probabilidades. Ele nos diz se é provável que o tratamento seja eficaz ou se não é provável. E mais: nos diz se é muito provável ou pouco provável. Isso depende do número de casos, mas também do cuidado com que os grupos de pacientes foram separados", explicam.

Os professores lembram que doenças virais, principalmente as respiratórias, raramente contam com um tratamento específico e que, com o índice alto de contágio e de casos graves e mortes com a pandemia atual, o desespero impera.

"Impede a racionalidade e atropela a ciência e os estudos clínicos. Nenhum médico gosta de perder pacientes, e ninguém gosta de perder familiares ou amigos; logo, parece óbvio que não podemos medir esforços para tratar esses casos com o que estiver ao nosso alcance", escrevem.

Mas reforçam que não há, até o momento, estudos que permitam dizer que um tratamento seja muito provavelmente eficaz. "Existem algumas pesquisas que apontam para um resultado positivo, mas com pouca probabilidade de estarem certas. Não há verdade científica sem estudos grandes e bem feitos."

Eles ponderam também que os medicamentos podem não ter um mesmo efeito em todos os estágios da doença. Alguns podem ter efeito só no início e outros quando a doença está no auge. Por isso, é importante entender em que momento uma droga foi usada num determinado estudo.

"Os resultados podem se mostrar positivos em um determinado estudo, mas não se aplicarem a todos os pacientes na prática clínica, uma vez que o estudo pode ter selecionado pacientes com menor gravidade ou perfis diferentes de pacientes", dizem. "É preciso ter um grau razoável de certeza ou o remédio pode ser pior do que a doença."

E alertam: "Os tempos são difíceis. A maioria das pesquisas foi feita com número pequeno de casos. Por isso, algumas mostram bons resultados com um medicamento e outras mostram que o mesmo é ineficaz. Muitos pesquisadores preferem divulgar pela via mais rápida, que são as redes sociais, mas esse caminho não é o correto e não permite que os demais possam conhecer detalhes da pesquisa para avaliarem se foi bem conduzida. Algumas mostrarão no futuro que estavam certas. Muitas terão o destino do esquecimento por estarem incorretas. Há muita gente, no mundo todo, procurando soluções para salvar vidas. E também há alguns procurando apenas fama ou outros que possuem interesse econômico ou mesmo político. A maneira de diferenciar é conhecer a pesquisa em profundidade e avaliar se foi feita de maneira correta. Só quem tem experiência em pesquisa pode fazer isso. O resto é pirotecnia."

Farmacêutica EUA

No mesmo sentido da carta dos especialistas da USP, a farmacêutica americana Gilead, cujo medicamento desenvolvido para tratar covid-19 pode estar se mostrando promissor, afirmou que não se pode tirar conclusões de um subconjunto de dados do estudo.

"Os relatórios anedóticos, apesar de encorajadores, não fornecem o poder estatístico necessário para determinar o perfil de segurança e eficácia do remédio como tratamento para a covid-19", disse um porta-voz da empresa.

De 125 pacientes com coronavírus recrutados pela Universidade de Chicago para os testes com a medicação, entre eles 113 considerados graves, a maioria recebeu alta, de acordo com uma reportagem do STAT News. Fonte: Dow Jones Newswires.

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