Pesquisa: os cientistas treinaram brevemente os voluntários – um cego e 11 pessoas com visão normal – para liberar seu Demolidor interior (Marvel/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 3 de março de 2017 às 16h28.
Última atualização em 3 de março de 2017 às 17h39.
Morcegos e golfinhos não precisam enxergar bem para se localizar no ar e no oceano. Eles dependem da ecolocalização. Em termos simples: fazem barulho, esperam as ondas sonoras baterem nos obstáculos à frente e voltarem.
Ecos mais rápidos significam obstáculos mais próximos e a intensidade do som que retorna também provê informações sobre o ambiente ao redor.
É um sonar biológico, com um transmissor (a boca) e dois receptores (os ouvidos). Mas será que dá para transformar humanos em máquinas de ecolocalização?
Segundo um novo estudo da Universidade Ludwig-Maximilians, não só é possível como é fácil – e nós ficamos muito bons nisso.
Já faz parte do senso comum a ideia de que a audição de pessoas cegas é mais rica em detalhes que a das que enxergam normalmente, para tentar compensar a perda de percepção visual. Mas a pesquisa mostra que dá para desenvolver o mesmo superpoder sem perder a visão.
Os cientistas treinaram brevemente os voluntários – um cego e 11 pessoas com visão normal – para liberar seu Demolidor interior.
Eles foram levados a uma câmara anecóica, que não faz nenhum tipo de eco. Lá dentro, os pesquisadores colocaram sons de línguas estalando (aquele cleck feito contra o céu da boca), gravados em prédios diversos.
Cada áudio era correspondente ao eco que o cleck fazia dentro de salas de diferentes tamanhos. Os pesquisadores ensinaram cada pessoa a notar as pequenas variações no som quando o cômodo era maior ou menor.
Não precisou de muito mais treino que isso. Logo depois, os pesquisadores criaram um modelo virtual em 3D, que captava sons e reproduzia o eco de acordo com o tamanho da sala programada pelos pesquisadores.
Os voluntários faziam estalos com a língua e o som voltava em fones de ouvido que isolavam outros sons externos.
Além disso, os voluntários foram colocados dentro de um aparelho de ressonância magnética para analisar o cérebro deles enquanto usavam a ecolocalização.
Os que foram pior no teste diferenciaram salas com 16% de diferença de tamanho. É quase a diferença entre os estádios do Maracanã e do Pacaembu – imagine saber dizer qual é qual, de olhos fechados, só fazendo sons de estalinhos com a boca.
Já os melhores no teste, com verdadeiros superpoderes, conseguiam diferenciar cômodos quase iguais, com só 4% de variação no tamanho. O desempenho médio ficava entre 6% e 8%, uma performance muito boa para uma diferença tão pequena.
Além do desenvolvimento rápido dessa habilidade, o cérebro dos voluntários também surpreendeu os cientistas. Isso porque, nos voluntários que enxergavam normalmente, a área do cérebro ativada era o córtex motor, responsável pelo movimento.
Quanto maior o cômodo virtual, mais ativo ele ficava. Assim, quando eles ouviam o som, o cérebro agia como se estivesse andando naquelas redondezas.
No voluntário cego, porém, o córtex visual ficava ativo, apoiando a tese de que eles “visualizam” as ondas sonoras como substitutas para o déficit de percepção visual.
O estudo foi realizado com um grupo muito pequeno para que as conclusões, especialmente sobre o funcionamento do cérebro, possam ser generalizadas para qualquer pessoa.
Mas a pesquisa é um forte indício de que pessoas com visão normal podem desenvolver ecolocalização com facilidade – e que, portanto, Matt Murdock poderia ter se tornado um herói mesmo sem ter ficado cego.
Este conteúdo foi originalmente publicado no site Superinteressante.